Os portugueses estão entre os cidadãos europeus mais infelizes. Os dados são de um relatório recente do Eurostat. A IMS Health divulgou que, no ano de 2014, foram vendidas, nas farmácias nacionais, 8,5 milhões de embalagens de antidepressivos, o que dá uma média de 23 mil caixas por dia, segundo dados enviados pela consultora ao Diário de Notícias. A partir daqui, o JPN foi saber o que pensam os cidadãos. Somos assim, em Portugal, tão infelizes? E porquê?

Para um esclarecimento mais aprofundado sobre esta temática, o JPN esteve à conversa com o psicólogo e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Miguel Ricou.

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Miguel Ricou / D.R.

Como psicólogo, como define a “felicidade”?

A felicidade é uma emoção, uma predisposição a algo que nos está a correr bem. Quando nós estamos a fazer alguma coisa que nos está a correr muito bem, começamos a sentir-nos felizes. Vão-se os sinais de fadiga e sentimo-nos muito ativos, positivos, capazes de quase tudo. A sensação de felicidade é uma sensação de realização e de capacidade. “Eu sinto que sou capaz e sinto-me muito bem por causa disso”, se estamos a falar de uma atividade concreta ou de coisas que nos estão a acontecer na vida. A felicidade é algo que acontece durante esse processo, e não após. Há que distinguir felicidade de satisfação. A satisfação é a sensação que obtenho quando consigo concretizar algo, quando estou satisfeito. É uma sensação de tranquilidade, como se não precisasse de mais nada. Fico satisfeito. A felicidade já é algo que nos impele para a frente, que nos faz funcionar e continuar a andar, porque estamos a experimentar uma sensação que nos está a correr bem.

Quais é que são os maiores entraves para a felicidade?

Nas pessoas em geral, os entraves são os obstáculos que surgem à concretização das coisas, e, sobretudo, a “minha” sensação de incapacidade. Quando as pessoas têm uma sensação prévia de que não são capazes, têm muita dificuldade em sentir que as coisas estão a correr bem. Isso não invalida que, qualquer pessoa, em qualquer circunstância, não possa ter momentos de felicidade. Do que vai depender dos momentos de felicidade não é a situação concreta em si. É eu ter qualquer expectativa, que me é desafiante, e que eu sinto que estou a conseguir realizar. Se as pessoas não colocam expectativas a si próprias, se não têm desejos, se não olham para a frente, se não sentem coisas que lhes pareçam desafiantes, ou que gostavam de conseguir concretizar, é evidente que depois será mais difícil sentirem uma sensação de felicidade.

A depressão é uma doença que afeta cada vez mais pessoas e desde idades muito precoces. O que é que acredita que tem potenciado esse aumento da doença nas pessoas?

A nossa sociedade de hoje não permite a tristeza. Quando se fala em tristeza é algo que nós queremos sempre evitar. Se vemos alguém triste, o que nós dizemos ou pensamos – mas, pior ainda, quando dizemos – é que é importante que a pessoa reaja e que ultrapasse aquilo rapidamente. Muitas vezes utilizamos a expressão de que “tristezas não pagam dívidas”, como se estar triste fosse uma perda de tempo. A pessoa que está triste e a tristeza são encaradas como sinais de fraqueza na nossa sociedade. Às vezes, quando achamos que as pessoas estão tristes, é porque achamos que têm tempo de mais, não é? Se estivessem ocupadas não andavam tristes. E isto faz aumentar a tristeza nas pessoas que estão tristes. A tristeza é uma emoção muito normal e que é fundamental nós vivermos. É a sensação que temos quando nos frustramos, quando algo tinha um objetivo e vejo que não o consigo concretizar. E é o tempo que remedeia, que me faz retirar um bocadinho do mundo, para eu conseguir pensar em alternativas, e arranjar outras expectativas aliciantes, porque aquilo já não dá. Quando as pessoas se sentem tristes, encaram depois essa tristeza de modo pior, porque existe hoje na nossa sociedade uma conotação muito negativa com a tristeza.

Miguel Ricou

Tem 42 anos, é psicólogo clínico, professor da FMUP, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos e autor
do livro “Ética e deontologia no exercício da psicologia”.

E quais as melhores ferramentas de que nos devemos munir para saber educar melhor as nossas emoções?
O auto-conhecimento. Passar a mensagem à pessoa de que nós somos seres altamente complexos, desenvolvidos e virados para a nossa capacidade de ser felizes. Inevitavelmente, todos nós temos esse potencial. Quanto melhor conhecermos os nossos pontes fracos e as nossas dificuldades, melhor lidamos com isso e corremos menos riscos de estas emoções se tornarem em patologias. Isso só acontece quando não conseguimos lidar com as emoções, quando eu acho “eu estou triste e não devia estar”. Quando eu pensar “estou triste, mas é natural que esteja”, vou gerir muito melhor essas situações todas. E para isto tenho que me conhecer bem, saber as coisas que são importantes para mim. Aperceber-me que, na vida, pode haver situações em que reagimos de forma mais negativa do que outras pessoas, e isso é normal. Não significa que somos fracos. Parece que temos que estar sempre apontados a um modelo de perfeição, como se houvesse super-homens e pessoas capazes de lidar com todo o tipo de circunstâncias. E não é assim. Há situações que para mim são simples e para outros são complexas. E vice-versa. E isto só acontece, este aceitar, se promovermos o relacionamento e a comunicação, porque só nos conhecemos através dos outros. Precisamos de espaço para estar com os outros e para convivermos, para nos conhecermos melhor.

A sociedade, então, não dá esse espaço às pessoas para estarem mais tempo juntas…

Nós hoje contactamos com muito mais pessoas do que no passado. Temos redes sociais muito alargadas, mas temos muito menos tempo para isso, em relação ao passado. Temos relações que são muito mais centradas na imagem, muito mais centradas no superficial. Não estou a dizer isto de uma forma negativa. É o tempo que temos, com relações menos profundas e emocionais, naturalmente. Hoje em dia há menos tempo para termos realmente mais tempo para relações humanas que possam ser mais significativas para nós. Nós percebemos bem e da pior maneira, nesta altura, que a economia tem que crescer. Se a economia não cresce, a nossa sociedade não cresce, porque as nossas necessidades são crescentes. Isso tem o seu custo. E o custo é conhecermo-nos pior do que devíamos.

E de que forma se pode promover um saudável auto-conhecimento?

Aumentando as relações interpessoais profundas. Verdadeiras relações afetivas, onde haja verdadeira partilha de afetos. Eu, para saber que sou alto, tenho que conhecer pessoas mais baixas do que eu. Tudo na vida é relativo. Os outros é que me dão o reflexo de mim próprio. Na troca de afetos com os outros conheço os meus. E se eu reconhecer os meus, mais facilmente lido com eles. E é isso que falta. Eu preciso de perceber que os outros também ficam tristes como eu fico triste. A psicologia tem um grande papel para isso, porque é a ciência que ajuda a um melhor auto-conhecimento.