Segundo divulgou a agenda noticiosa do Senado Brasileiro, a Comissão de Assuntos Sociais do Brasil (CAS) aprovou, no dia 20 de maio de 2015, um projeto que determina que todos os estagiários recebam bolsa ou outra forma de pagamento, independentemente do tipo de estágio que frequentem.

O senador brasileiro Paulo Paim referiu, na aprovação da proposta, que a atual Lei dos Estágios em vigor faz várias distinções entre estágios não obrigatórios e obrigatórios, onde, nos curriculares, é possível não ocorrer qualquer pagamento. Na opinião do senador, essa prática é “discriminatória e pode levar à exploração da mão de obra de estudantes cujos cursos incluam a obrigatoriedade de realização do estágio”. O assunto vai à Comissão Brasileira de Educação, Cultura e Desporto, onde terá então uma decisão definitiva.

Esta medida vai de encontro a um novo estudo apresentado em Portugal – também no mesmo mês -, pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (ESTGA), intitulado “Os estágios curriculares e o seu impacto na empregabilidade dos licenciados”, que analisou todos os cursos de licenciatura existentes no país, com base nos dados de desemprego registados no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), em junho de 2013, num total de 1.158 licenciaturas das 1.621 existentes, tanto públicas como privadas.

“A existência de estágios curriculares nas licenciaturas disponíveis em Portugal tende a reduzir as taxas de desemprego dos licenciados em cerca de 15%. Quando aplicado ao ensino superior politécnico, o modelo de análise desenvolvido sugere que a redução da taxa de desemprego tende a ser de 27%”, conclui o estudo da ESTGA.

Estágios profissionais em Portugal não incluem direito a férias

Fonte responsável pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), contactada pelo JPN, informou que “não existem limites de estagiários recebidos por empresas”, e que, regra geral, os estágios profissionais têm todos a duração de nove meses. Se, após ter recebido um terceiro estagiário, um destes não for contratado pela empresa, esta ficará “proibida de receber mais estagiários” através do IEFP.

E se a entidade empregadora quiser prolongar o estágio até aos 12 meses de contrato, deve contactar – para a aprovação – o IEFP 60 dias antes do final do contrato decorrente. Ao que o JPN apurou junto da mesma fonte, a colaboração financeira do Estado neste tipo de estágios é de 80% no primeiro estagiário que a empresa recebe, e 65% nos estagiários seguintes. Os estagiários, segundo o atual regulamento em vigor, não têm, durante o período contratual, direito nem  a férias, nem à atribuição dos subsídios de férias e de natal.

43 medidas contra o desemprego

A Associação Precários Inflexíveis apresentou, recentemente, um conjunto de 43 medidas de combate ao desemprego e precariedade. “Vamos levá-lo [o documento] e pedir reuniões a todas as candidaturas às Legislativas e discutiremos com outros movimentos sociais, sindicatos, na procura de uma resposta positiva, no reforço do trabalho, contra o desemprego e também a nível de Segurança Social”, defendeu João Camargo, porta-voz da associação, em declarações à Agência Lusa.

Algumas das medidas apresentadas passam pela proibição do recrutamento através de empresas de trabalho temporário e a “contratação obrigatória” de um em cada dois estagiários admitidos.

“Obrigar remuneração nos estágios curriculares iria prejudicar os alunos”

A visão acima enunciada é de Suzana Cavaco, docente de Ética e Deontologia Profissional na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), que é também da opinião que “há que ver bem as diferentes realidades no Brasil e em Portugal”. “Essa proposta no Brasil acontece, porque, lá, o mercado de trabalho e a população são muito maiores do que em Portugal”, afirma.

Para a professora, dada a conjuntura económica atual portuguesa, seria muito prejudicial para os alunos existirem estágios curriculares remunerados: “Com a crise atual, se as universidades dissessem às empresas que estas teriam de pagar aos alunos pelos estágios curriculares, elas abririam muito menos vagas para os estudantes. O mesmo sucede se houvesse um regulamento em Portugal que ditasse haver períodos obrigatórios específicos para os estágios curriculares, e não para todo o ano, como atualmente acontece. Isso iria prejudicar todos os alunos, porque muito menos iriam ter a oportunidade de, assim, ter um primeiro contacto direto com as profissões”, sustenta.

“Em Portugal, os atuais estágios profissionais são falsos estágios”

Contactado pelo JPN, Joaquim Dionísio, responsável pela área do emprego da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), alega que os atuais estágios profissionais são “falsos estágios”. “O que é errado fazer-se, atualmente, em Portugal, é o Estado financiar o pagamento de estágios profissionais, e não a empresa. Deveria ser a empresa a pagar a totalidade do salário dos empregados, pois, atualmente, os salários dos estagiários são muito reduzidos, e sendo o Estado a financiar, as empresas têm muito mais facilidade, depois, de despedir o estagiário para depois admitir um novo”. Para Joaquim Dionísio, os estágios curriculares “servem para aprendizagem dos alunos, pelo que não deveriam ser pagos”.

Para o responsável da CGTP, é o Governo o principal culpado da precariedade originada pelos atuais estágios profissionais: “O estágio é sempre um modelo de relação e aprendizagem de uma pessoa com o mercado de emprego. É apenas um processo de aprendizagem, e não ainda um trabalho propriamente dito. O que se passa hoje, em Portugal, não é isso. Basta olhar para os estágios que o IEFP promove. Não são estágios. A definição de estágio é, em si, um grande problema. O Governo é que emprega mal a designação do termo. Os atuais estágios são formas de emprego mal remunerado e precário, pagas pelo horário público, maioritariamente pelos contribuintes, e sem orientação contínua, como é normal aos estágios”, salienta.

Alunos acreditam que medida não serve de exemplo para Portugal

Diana Figueira, estudante finalista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP), e atualmente em estágio curricular, subscreve a visão de Suzana Cavaco: “Se essa medida, aprovada no Brasil, fosse também aprovada em Portugal, acho que não faria muito sentido. Um estágio curricular serve para aprendermos. Não é um trabalho. É o primeiro contacto com o mercado. Se pagamos propinas, não acho que faça sentido sermos pagos”, comenta.

Diana Crespo, licenciada pelo Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), também frequentou um estágio curricular durante o curso. Sobre esta temática, Diana é mais contra o abuso dos estágios profissionais do que propriamente dos curriculares: “Quando existem funcionários de uma empresa em estágio profissional, o que não deve ocorrer – e infelizmente hoje acontece – é esse funcionário ser pago maioritariamente pelo Estado, durante esse emprego, e, no final, ser despedido em detrimento de contratações de novos estagiários no mesmo regime. Isso é um abuso e um aproveitamento no trabalho. Agora, quanto aos estágios curriculares, acho que faz todo o sentido não serem pagos, ou então serem, mas em menor escala, comparativamente aos profissionais não estagiários, para respeito pela profissão”, sublinha.

“Fiz um estágio profissional e não tive orientação nenhuma no mesmo”

Ana Rodrigues é formada pela Universidade Nova de Lisboa (UNL). Fez um estágio curricular e um estágio profissional na sua área de formação. “O estágio curricular foi uma mais valia. É um colmatar da aprendizagem do curso. Não faz sentido ser pago. Agora, o que é execrável nos estágios profissionais é eu ver que me despediram após ter terminado o período de estágio profissional numa empresa, e, depois, esta contratar outra pessoa no mesmo regime em que eu estive. Isso sim, deve mudar, se não as empresas aproveitam-se cada vez mais dos estagiários e do dinheiro do Estado. Além de que não tive orientação alguma no estágio profissional. Era um trabalho e não um estágio. Hoje estou desempregada e a maioria de trabalhos que vejo na minha área são, maioritariamente, estágios. Um país precisa de trabalhadores, não de estagiários”, remata.