O dia 2 de outubro é um dia atípico na pacata rua Ferreira Borges. Existem balões negros espalhados pelas vitrinas dos comerciantes  que chamam à atenção dos transeuntes, assim como panos da mesma cor. Os comerciantes estão, na sua maioria, vestidos a rigor. A presença mediática ajuda a aguçar ainda mais a curiosidade. Os turistas também não ficam indiferentes: perguntam-se em português, inglês ou ainda francês o porquê da rua estar revestida de negro. No entanto, para comerciantes e moradores da rua, a razão deste dia ser atípico destaca-se pelo que não tem: autocarros espalhados na rua.

Na origem do conflito está a mudança de planeamento que ocorreu há mais de um ano nesta zona da cidade. A reconfiguração efetuada no âmbito da reabilitação do “Eixo Mouzinho/Flores” é apontada pelos comerciantes como a maior responsável pelo problema. Com as mudanças efetuadas, a rua Ferreira Borges passou a ser um dos pontos de passagem essenciais a quem se quer dirigir para Vila Nova de Gaia ou Gondomar. Com isto, o trânsito aumentou radicalmente e, o local tornou-se um dos pontos favoritos de passagem e estacionamento de autocarros. A situação, que só tem piorado no último ano com o aumento significativo do turismo, tornou-se para os moradores e comerciantes insustentável. Depois de várias queixas e acções de denúncia para com a Câmara do Porto, que sempre se revelaram ser inconclusivas, os queixosos uniram-se e convocaram um “dia de luto”. Para além de lhes prejudicar o negócio por tornar a rua inatrativa, está em causa a poluição atmosférica e sonora que se tem vindo a agravar.

Para Carmen Velosa, proprietária do “Galo Louco“,  o aumento de trânsito é um dos motivos de preocupação, especialmente ao final do dia.”Chegamos a ter aqui cerca de uma hora para fazer 500 metros”, explica a comerciante que vê o problema a ser agravado com “ruído permanente, buzinas, motores, embraiagens, poluição”. Outro problema é a concentração de autocarros, “de turismo e não só”, que ali se forma.”Estacionam aqui em segunda fila durante meias-horas, horas inteiras. Por vezes, ficam aqui estacionados de uma ponta à outra da rua a interromper o trânsito, como é evidente”. A comerciante acrescenta que “ao fim de vários dias torna-se difícil de suportar”. Carmen explica que há mais de ano e meio que os comerciantes da rua andam em troca de correspondência, reuniões com vereadores e presidente da Câmara e com o comandante da polícia municipal, mas que a primeira reunião “não deu grandes frutos” e os problemas continuam.

Mais acima, no seu ateliê de cerâmica “Zinda Atelier“, Adosinda Pereira quer despertar a atenção para toda a gente da cidade e não só para quem passa mais regularmente nessa zona. Nesse aspeto, é categórica. “É um assunto da cidade. Nós não gostamos que as pessoas pensem que é um assunto só da rua. É um assunto da cidade”, afirma. Podendo ver-se balões negros não só em lojas mas também nas casas, a dona do ateliê explica que até mesmo os moradores já se queixaram. Como soluções, a comerciante explica que já foi proposto redistribuir o trânsito entre a Ferreira Borges e a Mouzinho da Silveira ou ou até criar “um espaço para as camionetas no parque de estacionamento da Alfândega”.

Na verdade, para além de Adosinda Pereira que desenvolveu um problema de saúde dado a poluição evidente, não foi a única a sentir na pele os problemas da rua. Helena Ferreira, proprietária da loja “Oliva e Co”  está preocupada com a situação. “Nós começamos todos a não conseguir curar as rinites alérgicas”, dispara. “Temos três pessoas na rua que estão com rinite alérgica desde outubro do ano passado”. Helena, uma das principais impulsionadoras do movimento, esclarece imediatamente a sua intenção.”Isto não é um protesto, é uma ação de sensibilização”. Tal como as restantes comerciantes, também Helena sente os efeitos no seu negócio. “Quando está aqui o caos, a faturação desce 70% a 80%”, remata.

Ainda assim, Helena não culpabiliza diretamente os autocarros  e demonstra alguma compreensão para com a sua situação, atribuindo a culpa a outra entidade.”Propomos um parque de estacionamento para os autocarros porque o que acontece é que eles não têm onde estacionar. A Câmara não resolver isto leva a duas áreas económicas estarem aqui a colidir. Uma está a ser prejudicada pela outra. Mas a verdade é que eles têm que encontrar um parque de estacionamento para os autocarros”, elucida. A impulsionadora da ação desta sexta-feira sublinha ainda que o importante é encontrar estacionamento para os autocarros, reforçando que a comunidade tem feito um esforço para solucionar o problema junto da Câmara Municipal. “Nós temos vindo a conversar, já fizemos um projeto de recomendação na Câmara e nada acontece. Por isso é que nós avançámos com uma ação de sensibilização, e essa ação é luto.”

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