A cultura portuguesa está presente para além do fado e da gastronomia. Está literalmente à nossa frente em todos os cantos das cidades. Pequenos, quadrados, de cores e figuras distintas, os azulejos portugueses atraem pela beleza e pelo valor. Numa altura em que a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) procura lançar o azulejo português na categoria de Património da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o país enfrenta problemas para garantir a preservação e a conservação dos pequenos quadrados.

“Num momento em que se fala da candidatura do azulejo, é necessário que seja discutida a sua salvaguarda”, afirma Leonor Sá, coordenadora do projeto SOS Azulejos, do Museu da Polícia Judiciária, criado há oito anos com o objetivo de garantir a conservação do património e uma prevenção criminal do seu furto.

A preocupação não é para menos: Lisboa, considerada a cidade com mais “azulejada” no mundo, perde cerca de 10 mil azulejos ao ano. Nas últimas três décadas, conta Leonor, cerca de 25% do património já foi destruído.

Diferente do que se pode pensar, o comércio ilegal não é somente a única forma de extravio destes pedaços de cultura portuguesa: a demolição e a má conservação das fachadas dos edifícios contribuem para o aumento dos números. Para isto, a integração dos órgãos municipais na preservação de seu próprio património é essencial. “Conseguimos uma coisa importantíssima em Lisboa que foi a legislação da interdição da destruição das fachadas de prédios com azulejos, assim como a remoção dos azulejos destas mesmas fachadas”, relata Leonor Sá, sobre a alteração ao Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL), que interdita a demolição de edifícios azulejados. “Com estas medidas simples e pouco burocráticas conseguimos dar uma volta de 180 graus na preservação do património dos azulejos de Lisboa”, ressalta.

Redução dos furtos

Em parceria com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Direção Geral de Património Cultural, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública, além de órgãos de ensino como a Universidade de Aveiro, o Instituto Politécnico de Tomar e a Universidade de Lisboa, o batalhão que compõe o SOS Azulejo já obteve uma redução de 80% dos furtos registados desde a sua criação — alguns azulejos foram encontrados até em Museus Nacionais.

Apesar do avanço, nem todos os furtos ou danos são denunciados à Polícia Judiciária, o que dificulta o trabalho de fiscalização e vigilância do património. “O que acontece no Porto, por exemplo, é que não há uma única queixa”, relata Leonor Sá. “Mas isso não quer dizer que não haja furtos, mas sim que eles não são registados.”

Ao contrário da capital do país, a cidade do Porto, apesar de possuir um centro histórico já considerado Património Cultural da Humanidade desde 1996, ainda não tem uma legislação que possa impedir a demolição e a danificação de fachadas azulejadas. “Pode estar um bocadinho para as Câmaras Municipais entenderem a importância. Em Junho, fomos ao Parlamento e propusemos uma legislação a nível nacional, pois é importante que, de uma maneira ou de outra, essa legislação seja implantada em todo o país. Estamos muitíssimo interessados que o Porto também o faça”, destaca Leonor Sá.

Preencher os vazios do Porto

Se os vazios deixados pela remoção de azulejos na cidade do Porto ainda não são preenchidos por lei, uma jovem de Valongo está a substituir os espaços, um a um, por intervenções artísticas. Joana Sofia Abreu, de 23 anos, realiza desde maio uma série de ações que nada mais são do que “Preencher Vazios”, consequentes do furto ou dano dos azulejos. “Passo muito tempo no Porto e fazia sempre o mesmo trajeto. Um dia reparei em algumas casas e na falta dos azulejos e pensei numa forma de intervir e de tentar também alertar para a preservação desse património”, conta a mestranda.

Os azulejos, que agora passam a preencher a baixa do Porto, são de madeira. O design é feito a partir de uma fotografia do padrão que, após ser tratada no Photoshop, é impressa em papel e colada por cima da madeira. Um bónus cultural: cada azulejo recebe frases e passagens de poetas e escritores portugueses, como Fernando Pessoa e José Saramago. O acabamento da peça é feito para evitar um desgaste devido ao sol ou a chuva.

O Preencher Vazios já saiu do Porto e foi à vizinha Braga. Convidada para participar da 25.ª edição dos Encontros de Imagem, Joana realizou mais quatro intervenções no centro histórico da cidade. No Facebook e no Instagram, Joana relata as suas intervenções, ao mesmo tempo que as controla na hashtag #preenchervazios.

Ao todo, Joana já interveio 14 vezes pela cidade. Algumas de suas próprias intervenções, assim como os azulejos originais, desapareceram. “Já imaginava que isso iria acontecer, na verdade são intervenções esporádicas”, conta a artista, que também não arrisca dizer se as suas obras foram roubadas ou simplesmente se soltaram e se perderam. No entanto, Joana já presenciou a ausência acelerada da perda do património azulejar. “Houve uma vez que, após fotografar o espaço que iria preencher e retornar alguns dias depois com a minha intervenção, mais cinco azulejos já tinham desaparecido da parede”, conta.