Desde que assumiu o cargo como Provedora Municipal dos Cidadãos com Deficiência do Porto, a arquiteta Lia Ferreira deparou-se com uma questão: quando se falava em integração de pessoas com deficiência na vida ativa e socioeconómica, o tópico mais abordado era a questão da acessibilidade, “das rampas e dos elevadores”. Por haver muitas outros ângulos e perspetivas sobre esta temática, a arquiteta criou o que apelida de “acessos”.

“O que eu tenho tentado passar é que, a inclusão e a integração, é um bolo inteiro e esse bolo tem várias fatias. A acessibilidade é uma das maiores fatias, mas há outras. Há a educação e o ensino especial, há o tipo de comunicação, tecnologia e informação, há a vida independente, a empregabilidade”, explica a provedora ao JPN. De facto, o trabalho desenvolvido desde dezembro do ano passado têm mostrado de que forma é que se pode incluir e integrar pessoas com necessidades especiais.

Esta semana foi apresentado o terceiro de um conjunto de intervenções. O ACESSO.03 “Desenho e Inclusão” levou à inauguração, no início da semana, de uma exposição no átrio da Câmara Municipal do Porto, organizada pela associação Design Includes You (DIY). Esta iniciativa, desenvolvida pela Provedoria Municipal dos Cidadãos com Deficiência em conjunto com a associação, dá a conhecer trabalhos, na área do desenho e do design, realizados por pessoas com necessidaes especiais. Para Lia Ferreira esta foi uma forma de crianças, jovens e adultos com deficiência adquirirem novas ferramentas e mostrar que também eles, apesar da sua condição física ou mental, têm a capacidade de desenvolver um trabalho criativo. “Todos eles, ao serem envolvidos no processo criativo, ao poderem fazer o seu próprio desenho, o seu próprio mundo, poderem ter o contacto com o mundo artístico, também se sentem incluídos”, considera a provedora.

Este trabalho criativo, desenvolvido pela Design Includes You, foi materializado para objetos reais, palpáveis e acessíveis a quem estiver interessado. A venda dos produtos nunca foi, nem para a provedora nem para a associação, o objetivo, embora Lia reconheça que acaba por ser uma forma de evidenciar o trabalhos dos jovens. A arquiteta considera que o propósito passa por “dar visibilidade à capacidade do jovem, independentemente da sua deficiência” e é por isso que tem desenvolvido este trabalho. “Eu quero explorar a possibilidade de enquadrarmos as pessoas no mercado de trabalho sem medos, porque elas são capazes. São capazes de fazer produtos com qualidade”, considera a provedora.

Assim, até ao dia 3 de dezembro, o átrio da Câmara Municipal do Porto é preenchido de cor, criatividade e um longo trabalho de equipa. O resultado dos diversos workshops realizados pela DIY estão à vista de todos: candeeiros, almofadas, artigos de tapeçaria. A comercialização está a cargo da Boa Safra, mas toda a materialização resultou do trabalho da associação. “A DIY é uma associação que tem esta componente de responsabilidade social que para eles é uma missão. Eles querem sem dúvida sobreviver ir para o mercado, mas também querem fazer a diferença. Então querem envolver as pessoas, querem que elas sintam que são capazes de fazer coisas bonitas, que são capazes de estarem inseridas no mundo”, acrescenta ainda Lia Ferreira.

De facto, o objetivo da Design Includes You passa por isso mesmo: dignificar, por via do design, o trabalho desenvolvido pelas pessoas com deficiência. Lígia Lopes, responsável da associação e professora na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) conta ao JPN que, mais do que desenvolver trabalhos na área do design e comercializá-los, é importante desenvolver essas capacidades das pessoas e dá-las a conhecer. “É a condição dos projetos a consulta ao utilizador. É o princípio e metodologia que defendemos. Embora pareça difícil, temos mais certezas no final”, indica Lígia.

A associação surgiu há cinco anos, mas só desde o ano passado é que existe com enquadramento legal. Ainda assim, o trabalho nunca parou. Procura responder às necessidades de pessoas com necessidades especiais e, para isso, toda a equipa é multidisciplinar. “No fundo fazemos aquilo que nós chamamos investigação pela prática. Temos quase todos, no grupo, formação académica ou estamos ligados ao ensino e portanto esta é uma forma menos académica de fazer as coisas e tentamos materializar e concretizar os projetos que vamos tendo em mãos”, explica Lígia Lopes.

O próprio cartaz da exposição ACESSO.03 “Desenho e Inclusão” foi desenhado, ao que indica Lia Ferreira, por uma jovem com Síndrome de Down e que depois foi transformado pela DIY num padrão. O tema do desenho era criar uma imagem de um prato de sushi, incluído num projeto do DIY intitulado Inamatsuri que até já foi apresentado em 2014 no Japão. Lígia Lopes conta que este workshop consistia numa “interpretação portuguesa da cultura japonesa por crianças com necessidades educativas especiais” e agora está presente, em objetos reais, na exposição, bem como outros trabalhos realizados.

Para Lígia Lopes o importante é “explorar o potencial de cada um”. E é com esse lema que tem desenvolvido um trabalho na área ligada às pessoas com deficiência. “Há uma tendência muito grande de quando falamos da deficiência falamos logo daquilo que a pessoa com deficiência não é capaz de fazer. Eu estou num determinado trabalho pela minha competência e não pelas coisas que sou menos competente a fazer”,sublinha a designer.

Sapatos práticos, bonitos e acessíveis a todos

A par da exposição “Desenho e Inclusão” do ACESSO.03 o espaço da Câmara Municipal alberga ainda um outro projeto, desenvolvido pela professora Lígia Lopes. “Rita. Red. Shoes” é o resultado de um trabalho desenvolvido pelos alunos de mestrado de Design Industrial e de Produto que foram desafiados a criar sapatos para pessoas com necessidades especiais. Sapatos esses que tinham de ser confortáveis, dado a condição física dos utilizadores, mas tinham de ser esteticamente atrativos. A cantora Rita Redshoes apadrinhou o projeto que, de acordo com a provedora Lia Ferreira pretendia “estudar as necessidades das pessoas com deficiência e produzir produtos finais que realmente respondam de forma muito direta às necessidades e que não se percam em devaneios”.

“ACESSO” para todos

Este já é o terceiro “acesso” criado pela Provedoria Municipal dos Cidadãos com Deficiência. Lia Ferreira adianta ao JPN que o próximo está previsto para dia 3 de dezembro e será apresentado num local emblemático da cidade: a Torre dos Clérigos. O tema, esse, será “Cultura, Património e Inclusão”. Assim, a provedora pretende sublinhar a ideia que a acessibilidade é muito mais do que a forma como nos deslocamos e mais do que um trabalho para pessoas com deficiência, é um trabalho para todos. “O objetivo dos ‘acessos’ é desmistificar que a palavra inclusão ou integração se resume à acessibilidade. Não, não se resume. Também deve focar a acessibilidade, sem dúvida, e o próximo acesso vai precisamente focar-se mais na acessibilidade propriamente dita, mas há muito para além da acessibilidade”, expõe.

Assim, o ACESSO.03 estará disponível para visitas até ao dia 3 de dezembro, depois de um primeiro dedicado à tecnologia e à inclusão e a um segundo focado na educação. Conta com a parceria da Associação Regional de Proteção do Património Cultural e Natural (ARPPA) e da Associação Design Includes You.

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