De um lado da Avenida dos Alidos, perto da emblemática Torre dos Clérigos, o movimento vai começando logo pela manhã. Na rua das Carmelitas, transeuntes sobem e descem a rua, turistas vão visitando o que por aí está, como as instalações do grupo Marques Soares, que contêm várias lojas, o Passeio dos Clérigos ou a famosa Livraria Lello.

Ainda assim, o movimento, as vozes e o ambiente, transformam-se no lado oposto. Quem desce a rua dos Clérigos, no sentido da estação de São Bento, depara-se com uma rua vazia e com pouca cor. A 31 de janeiro, rua outrora símbolo de comércio na cidade do Porto, está abandonada, com lojas fechadas e poucas pessoas param para ver as montras. Mas afinal, porquê que existe um contraste tão acentuado entre dois locais da cidade, quando ambos se encontram tão próximos?

A 31 de janeiro, antigamente apelidada de rua de Santo António, é das ruas mais importantes da história da cidade do Porto e, hoje em dia, ainda há pessoas que sabem o porquê da mudança. Luís Alvim, cliente da barbearia Spot, na rua das Carmelitas sabe. “Não foi ali na 31 de Janeiro que houve os liberais contra os absolutistas?”, pergunta. Quase, foi qualquer coisa assim. A rua de Santo António viu o seu nome alterado para 31 de janeiro em memória do evento que aconteceu durante o ano de 1891. Nesse dia decorreu a primeira manifestação pró-republicana da cidade, em resposta ao ultimato britânico que tinha decorrido no ano anterior.

Para além de assinalar esse marco histórico, a rua 31 de janeiro chegou a ser uma das mais ocupadas da baixa do Porto, mas hoje em dia conta com muitas lojas fechadas e são poucas as casas habitadas. “Eu nasci no Porto, na freguesia do Bonfim, e já conhecia a rua 31 de janeiro como um expoente comercial, mas agora está assim”, recorda Luís Alvim que tentou comparar ambas. “Em termos comerciais, a rua das Carmelitas neste momento é mais importante do que a rua de Santo António [31 de janeiro]. Agora a rua de Santo António [31 de janeiro] em termos históricos é capaz de ser mais importante”, conclui.

No caso da rua das Carmelitas, esta foi, ao longo dos anos, sofrendo algumas alterações e foi melhorada em termos de infraestruturas, como é o caso do Passeio dos Clérigos. “Fizeram estas obras aqui, isto melhorou muito, tem cafés e tudo” revela o idoso.

Maria Augusta, que por aí passa, também fala da diferença das ruas. “Eu acho que há aqui estes pólos, da Livraria Lello que atrai muitas pessoas, muito turismo. A Torre dos Clérigos também. Há muitas mais lojas aqui do que lá pra cima, que lá está tudo fechado. Não é mais nada. É isso que atrai o turismo”, refere. Para ela, a 31 de janeiro “já foi uma rua espetacular em termos de comércio”.

António Madureira, da Casa Madureira, também situada na rua das Carmelitas, vê com bons olhos esse turismo. Aliás, avalia-o como sendo absolutamente essencial para a sua sobrevivência. Admite mesmo que “se não houvesse turismo já teria fechado”. Dividindo-se entre “80% de turistas e 20% de locais”, o próprio explica que é esse turismo, que o ajuda, que faz falta na rua 31 de janeiro, e é isso que está a prejudicar as lojas que por aí estão. Além disso, também deita as culpas em alguns sem abrigo que por aí param e retiram a boa imagem da rua. “Deixam ficar as mantas e tudo no chão e isso não atrai ninguém. As pessoas até fogem”, aponta. Entende que “é uma situação difícil”, mas que por isso é “preciso fazer alguma coisa”. A questão dos sem-abrigo é também queixa de outros comerciantes, que apontam esta questão como um problema para potenciar o negócio da rua.

Adolfo Barbosa, da Tabacaria Santo António ainda se recorda do auge da rua 31 de janeiro, onde permanece há mais de 37 anos. “Já foi muito bom e agora é mau”, revela. Antigamente, segundo o mesmo, havia “muito comércio bom com artigos de qualidade”, mas admitiu que a fama da rua desapareceu. “Os casais à noite saíam para ver as montras com os artigos bons, era um passeio, era divertido”, recorda-se. Foi quando começaram “as crises” que tudo começou a correr mal. “Era só estabelecimentos de roupas caríssimas, muito caras, e esses foram deixando de vender até que fecharam. E não é quase todos, é todos mesmo”, afirma. Para ele, o que atrai mais pessoas para as Carmelitas é simples: a Livraria Lello. “Chama muita muita gente, devido à arquitetura bonita que ela tem. Tem muito movimento”, revela. A solução para recuperar a rua, passa pelas pessoas recuperarem também o poder de compra e aumentar e solidificar a classe média.

Mais acima da rua 31 de janeiro, nas Lãs Milhano, Marta Santos foi vendo a rua a degradar-se durante os oito anos que lá trabalha. “Entre a altura em que eu entrei e agora estão a fechar muitas mais casas, e as casas que abrem ou são chineses ou indianos”, conta. Para a mesma, a solução para potenciar a rua passaria por incentivos à criação de comércio e à sua sustentabilidade. De facto, um dos problemas principais associados ao comércio na baixa são os seus custos. Por estar perto do centro do Porto, “os senhorios põem as rendas muito altas”, quase de forma “injusta”, quando se olha para a forma como tem corrido o comércio nessa rua. A culpa, segundo Marta, também é do crescimento contínuo do número de hóteis, hostels, e pensões que têm nascido nessa área da Invicta. A 31 de janeiro não é exceção. A jovem comerciante sugere “começar a fazer obras nos edifícios que estão degradados” e depois fazer “uma aposta maior para os comerciantes”, com rendas mais baixas para atrair novos negócios.

Quase todos estão de acordo ao referir que o que a rua precisa, são mesmo novas lojas, de preferência com nomes sonantes, para compensar as lojas fechadas, e que atraiam outro tipo de clientela a esta área da baixa portuense. Quem o diz é Margarida Oliveira, da Sapataria Cândida Teixeira também da rua 31 de janeiro e também Maria Teresa Dias, da Casa Vincent, mais acima. Ambas mencionam essa necessidade como sendo uma das principais para revitalizar a área a nível comercial. Lojas novas que deverão ser “boas e diferentes” segundo Margarida Oliveira, presente na rua há 18 anos. Além dessas, “cafés, já que aqui não tem grande coisa”, diz a mesma. Maria Teresa Dias explica que a rua tem que deixar de ser uma “rua de passagem”, que só serve para ligar a Batalha a São Bento. O importante é “abrirem-se lojas” de vários segmentos diferentes. “Acho que é a única rua importante daqui do Porto que não está ainda revitalizada”, desabafa.

António Carvalho, cidadão que costuma por aí passar, nota que a revitalização da parte das Carmelitas e dos Clérigos “foi o que salvou” aquela área. O espaço agora “funciona melhor” precisamente porque se modernizou mais. “O comercio está mais atraente”, diz o próprio ao JPN. Mas falando sobre a 31 de janeiro, mostra o desgosto porque “era uma rua tão movimentada”, mas já não vê nada. “Agora foi tudo embora”, diz entristecido.

Abel Mota também viu muito naquela rua. Foi ali, inclusive, que celebrou o 25 de Abril. Passou pela rua quase todos os dias durante 40 anos, visto trabalhar na Batalha. “Não se compara. Antigamente havia vida aqui nesta rua. Hoje praticamente está morto é só turismo e as poucas pessoas que vêm trabalhar, só no comércio”, afirma, categórico. Abel Mota, que viu a história da rua a desenrolar-se, recorda saudosamente as “lojas praticamente todas abertas”, onde havia “grande comércio”, que se foi degradando com as várias crises económicas que o país sofreu ao longo das décadas. Reverter esta situação, só através de uma reabilitação dos prédios que lá estão porque “está tudo a cair” e, sobretudo, fazer habitações para as pessoas poderem morar lá por um preço justo. “Sem residentes esta rua vai continuar praticamente deserta e sem vida. Precisa de moradores e lojas”, afirma.

Essa reabilitação, tanto comerciantes como cidadãos, esperam que ela seja feita com Manuel Aranha, o novo vereador do Comércio e Turismo da câmara do Porto. Uma das primeiras iniciativas para esse projeto de revitalização é a abertura de uma loja de rebuçados tradicionais Papabubble que serão fabricados na própria loja. A abertura dessa loja está prevista para ainda este ano.

 

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