É numa sala do primeiro piso da Escola Superior de Artes e Design (ESAD) que se encontra Riça. Na mesa diante de si está um mar de canetas e um diário gráfico a transbordar esboços. No seu interior, diversos estudos para cartoons. Foi em 2013 que o artista deu a conhecer “Riça às tiras“, um projeto algo autobiográfico, maioritariamente satírico. Agora, fala ao JPN não só da sua criação, mas também do mundo em que a publica.

O nascimento das tiras

O gosto de José Leal pela banda desenhada surgiu bem cedo. Com influências dos super-heróis da Marvel e dos desenhos animados que via, a vontade de desenhar surgiu naturalmente. O cartoon foi a junção disso com a vontade de contar histórias, de criar de raiz um universo e passá-lo para o papel, sem quaisquer fronteiras.

Com o tempo, a vertente humorística e política do cartoon começou a atrair o jovem artista. “A crítica é… [estala os dedos] mesmo rápida! É incrível como tu, em três ou quatro quadrados, podes conseguir passar uma ideia forte, espetar uma faca no sítio certo”, afirma. Essa nova paixão foi alimentada por trabalhos de artistas como Angeli, Laerte e Glauco, “a sagrada família do cartoon brasileiro”.

Ser cartoonista é ser ativista?

José Leal acredita que sim. E acredita que é importante que os artistas estejam ligados ao ativismo “precisamente por causa da vertente criativa que têm e que se calhar os outros não a têm tão desenvolvida.” É importante saber chegar à pessoa da maneira certa, diz o entrevistado, e nisso “a arte funciona mesmo bem”.

No seu projeto, “Riça às Tiras”, estas influências estão bem patentes. Na altura em que deveria ingressar no segundo ano da sua licenciatura, problemas com a bolsa conjugados com alguma saturação, fizeram-no querer tirar um ano sabático.

Nesse período, inspirado a fazer algo semelhante a “Angeli em Crise”, com vontade de mandar “bitaites sobre política” e aproveitando a oportunidade para exprimir alguns desabafos, Riça deu origem à sua primeira tira. “Fiz uma em que eu estava a dormir, o despertador tocou e eu virei-me para ele e disse-lhe que não me tinha acordado. E ele ficou mesmo desiludido”, conta, entre risos. “E pensei, «como é que eu me posso motivar todos os dias a fazer isto?». Então fui publicando no Facebook, tendo feedback e comprometi-me a fazer daquilo uma coisa diária”, continua.

As temáticas e o dever de consciencializar

Tal como Angeli, os temas mais abordados por Riça são parte integrante do seu dia a dia. Tanto a política como a arte são temáticas com que o artista gosta de “brincar”. No entanto, não acredita que o cartoon tenha de se cingir a determinados temas. “Se começares a pensar demasiado «tem de ser sobre uma cena qualquer política, tem de ser uma grande crítica», não vai dar. Ela há de vir. Torna-te numa esponja e não queiras obrigar a coisa a ser demasiado lapidada”, acrescenta o cartoonista.

Além disso, José Leal não considera que o artista tenha o dever de consciencializar, mas não duvida que o seu valor triplique se o fizer. “Está a tentar chegar às outras pessoas, a alertá-las para aquilo que está à volta delas, e não as deixa fechadas, de cócoras, entretidas com coisas que não fazem sentido nenhum”, indica. Com saudades, o artista relembra ainda a época em que Calvin e Hobbes vinha no Jornal de Notícias e recorda a simultânea banalidade das situações representadas e profundidade da mensagem transmitida.

Confrontado com a polémica em torno dos atentados à redação do Charlie Hebdo, Riça afirma que as consequências foram desmesuradas: “Eles podiam ter sido criticados, mas ninguém tem de ser morto por isso.” O cartoonista reforça que a liberdade de expressão foi uma das maiores conquistas até hoje, mas, simultaneamente, diz que o artista deve ter sensibilidade ao ponto de saber se o que está a criar é correto e contextualizado. Deve saber impor limites a si mesmo. “Acho que é um processo e é preciso teres alguma humildade nele. Fizeste uma piada, tentaste pôr o pé onde não devias e há pessoal que te diz «não!» e tu «ok, mas porquê?». E ouves, deves ouvir”, reforça.

O panorama português

Em relação ao contexto artístico português, Riça mostra-se otimista. “Eu acho que a falta de recursos não limita a criação. O contexto crise é ótimo em termos artísticos para tu te expressares”, afirma. José Leal é da opinião que o financiamento por parte de outrem acarreta sempre pouca liberdade artística e que o dinheiro não é o único incentivo à criação. “A arte nunca vai sofrer com a falta de dinheiro ou com a abundância dele. É o que vier”.