José Bessa, cientista do Instituto de Investigação e Inovação da Universidade do Porto (i3s), tem nas mãos o estudo da “genética” do pâncreas e a diabetes. O investigador vai receber um financiamento de 1,5 milhões de euros do European Research Council  que vai permitir apostar em tecnologia mais avançada e contratar cientistas “excecionais”. 

O JPN entrevistou o cientista para perceber quais são os objetivos da investigação e quais os passos que vão ser dados com este novo financiamento.

A sua investigação recai no estudo do desenvolvimento e funcionamento do pâncreas. Quais são os objetivos da investigação?

Sim, nós usamos o pâncreas como o nosso órgão modelo, mas acima de tudo estudamos a “genética” do pâncreas. Queremos compreender os mecanismos genéticos que controlam o desenvolvimento e função do pâncreas. Surpreendentemente só uma pequena parte do nosso DNA contém genes, diria que menos de 5%. Hoje em dia compreendemos relativamente bem o “código” do DNA que contém genes, o restante ainda representa um grande mistério. Por exemplo, sabe-se que a correta ativação dos genes em determinadas células depende de várias sequências do DNA que não contém genes. Nós estamos verdadeiramente fascinados com este DNA e queremos compreender melhor o seu “código”, em particular o que está ativo nas células do pâncreas.

A sua investigação também tem na mira a diabetes. O que quer descobrir sobre a doença?

Descobriu-se que existem algumas variantes de sequências do DNA que estão associadas à diabetes. Uma boa parte destas variantes encontram-se no DNA que não contém genes. Parece existir uma contribuição genética, ainda que subtil, para o desenvolvimento da diabetes. Neste ponto não podemos simplificar as coisas. Sem dúvida que o estilo de vida é possivelmente um dos fatores mais determinantes para o desenvolvimento desta doença, em particular da diabetes tipo 2. Portanto, ter um estilo de vida saudável é a melhor arma na prevenção da diabetes.

Contudo, uma predisposição genética aliada a um estilo de vida pouco saudável poderá representar um risco muito elevado para se vir a desenvolver esta doença. Nós estamos interessados em compreender esta predisposição genética. Mas sem dúvida que compreender estas variantes vai muito para além da diabetes e do pâncreas. Por exemplo, outras sequências no nosso DNA poderão estar associadas a uma predisposição para outras doenças, como por exemplo o cancro pancreático ou outro conjunto de variantes podem estar associadas aos diferentes rasgos fisionómicos que existem entre várias pessoas. Portanto, o que vamos aprender sobre o impacto destas variantes no funcionamento do pâncreas e as suas possíveis implicações no desenvolvimento da diabetes vai permitir-nos compreender um pouco melhor as regras básicas que estão por detrás da diversidade biológica.

Por que vão utilizar peixes-zebra na investigação?

Os peixes-zebra são um modelo animal extraordinário e muito útil. São vertebrados e tem um pâncreas muito semelhante ao nosso. Podemos facilmente manipulá-los geneticamente, gerando variantes em sequências de DNA que não contém genes e determinar se essas variantes provocam um mau funcionamento do pâncreas. Mas existem muitas outras vantagens: ocupam pouco espaço, o que nos permite fazer estudos genéticos a grande escala; é um modelo relativamente económico e hoje em dia já existe muita informação sobre ele [peixe-zebra]. Por exemplo, o seu genoma já esta completamente sequenciado e disponível.

Quando soube que tinha sido contemplado com o financiamento da European Research Council?

Na sexta feira passada recebemos o convite formal para procedermos ao acordo para a atribuição deste financiamento. Foi um excelente motivo de celebração no laboratório. Ficámos todos muito contentes.

O que é que este financiamento significa? Quais os pontos na sua investigação que vai poder desenvolver com este valor?

Este financiamento vai ter uma consequência muito positiva a dois níveis. Por um lado vamos poder usar tecnologia de ponta para desenvolver o nosso estudo, como por exemplo, tecnologias de sequenciação de alta capacidade de modo a podermos sondar todo o DNA do peixe-zebra para encontrar sequências que não contém genes e que estão ativas no pâncreas. Por outro lado, e mais importante, vamos poder investir em recursos humanos, contratar cientistas excepcionais e dar-lhes uma estabilidade durante os próximos cinco anos, de modo a que se possam focar e dedicar completamente neste projecto.

Este financiamento vai ter um impacto imediato ou vai ser usado numa fase mais avançada na investigação?

Ainda temos de tratar de alguma burocracia, o que pode tardar alguns meses. Mas assim que esta parte burocrática esteja finalizada daremos início ao projeto.