O prazo de verificação das faturas eletrónicas no portal “e-fatura” termina esta segunda-feira, depois do adiamento causado por dificuldades técnicas. Este sistema eletrónico trouxe alterações no modo de trabalho dos profissionais de contabilidade. Também a crise económica e financeira que o país tem vindo a atravessar é apontado como um fator de mudança na vida dos contabilistas, ao longo dos últimos anos.

Paulo Ferreira tem 45 anos e é contabilista há mais de duas décadas. O profissional conta ao JPN que, devido à crise, acabou por perder alguns clientes, que viram as suas empresas fechar devido às dificuldades. Paulo considera que os efeitos desta realidade económica “ainda não passaram, embora estejam um bocadinho melhores que há dois ou três anos”.

Já António Cardoso, de 56 anos e contabilista desde os 25, pinta outro cenário. “Estes momentos de crise também trouxeram alguns benefícios porque nós precisamos, às vezes, de levar umas pancadas para nos endireitarmos e havia empresas que estariam a facilitar antes e, então, tornaram-se mais rigorosas, melhor organizadas”, explica. Algumas empresas passaram, assim, a “ver mais longe” e a conseguir definir alguns critérios a médio e longo prazo.

A evolução tecnológica e a “e-fatura”

A introdução da “e-fatura” foi, para António Cardoso, uma forma de o Estado “controlar a fraude e a evasão”. Este sistema eletrónico permitiu aos contribuintes a validação “online” das suas faturas e o acompanhamento das despesas e posteriores deduções no IRS.

Para os dois profissionais, este novo método de validação de faturas veio facilitar o trabalho. “Passamos a ter informação melhor preparada, a ter uma intervenção, já logo no início, do tratamento da documentação e, digamos, melhorar em todos os sentidos”, afirma António. O contabilista alerta, no entanto, para a falta de privacidade que o sistema impõe: “O Estado vai passar a saber aquilo que nós consumimos e os nossos rendimentos a toda a hora, a todo o momento e quais são os nossos hábitos, inclusivamente”.

A aplicação deste sistema não trouxe mudanças apenas para os contabilistas. Paulo Ferreira afirma que, com esta situação, os contribuintes passam a ter mais responsabilidades. Se antes apenas tinham de “comprar as coisas, pedir os documentos, guardar os documentos e na altura do IRS colocar essas despesas para poder comprovar a compra”, agora cada contribuinte tem de verificar, no site das finanças, como é que está a sua situação: “se há documentos pendentes de validação por diferentes motivos”.

Esta passagem de responsabilidade para os contribuintes é considerada pelo profissional como algo “negativo” e “inaceitável”. “Nós somos apenas contribuintes, nós não deveríamos ter trabalhos administrativos, não deveríamos ficar preocupados com verificar se as nossas coisas estão bem ou não, isto competia ao Estado como competiu até agora”, frisa Paulo.

Ainda assim, este novo método não abrangeu a totalidade dos contribuintes. Aqueles que não possuem acesso à Internet ou vivem isolados, “se não tiverem a ajuda de familiares ou pessoas a acompanhá-las ou a ajudá-las” podem até, de acordo com Paulo, “perder dinheiro”. O contabilista vai mais longe e considera que só por “descuido” o Estado pode se pode ter esquecido destas pessoas.

Já António Cardoso sugere que cabe às juntas de freguesia e às câmaras “desenvolver todo o apoio às populações”, uma vez que estão mais próximas delas.

A introdução deste sistema eletrónico e a evolução das tecnologias pode vir a aumentar a procura de contabilistas. Quem o diz é Paulo Ferreira, mas salienta que é uma procura temporária. “Daqui a um ano ou dois, isto vai normalizar e, no fundo, o que vai acontecer é que as pessoas quando forem preencher o IRS pela ‘net’, ele já vai aparecer pré preenchido, o que vai acabar por se tornar mais fácil e as pessoas vão se habituar”, indica Paulo Ferreira. O necessário à profissão é a permanente atualização e conhecimento.

Artigo editado por Sara Gerivaz