Quem passeia pela rua de Santa Catarina, no coração da cidade do Porto, não fica indiferente aos artistas que por lá passam. Desde a arte circense aos músicos e pintores, são muitos os que vão animando o dia a dia de portuenses e turistas. Ainda assim, há quem não esteja satisfeito com a falta de regras que regule a atividade.

É na papelaria Fidélia que o JPN faz a primeira paragem. O negócio de família ocupa o tempo de mãe e filha, Erminda Fontes e Fátima Fontes, há quase cinco décadas, e já desde 1985 que Fátima testemunha a convivência entre os comerciantes e artistas de rua. A comerciante é da opinião que “nem todos são artistas”, para isso “é preciso ter alguma qualidade“.

Um dos problemas apontados por Fátima é a obstrução da entrada, que afasta os clientes. A comerciante informa que já contactou a Câmara do Porto (CMP), a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Associação de Comerciantes do Porto (ACP), que afirmam “não ter meios de tirar os artistas” da rua. A obstrução das portas e das montras não é o único problema: também o uso de animais nas atuações tem suscitado algum desagrado junto de transeuntes e comerciantes. “Aconteceu há coisa de duas semanas: uma mãe vinha com duas crianças, com os seus nove, dez anos, a comer uma sandes e os cães atiraram-se aos miúdos”, lembra Fátima.

A solução, para a comerciante, passa por um conjunto de regras com base no respeito mútuo. O pagamento de uma licença seria uma opção. “Se os vendedores de castanhas estão registados e licenciados, têm um sítio específico para vender e pagam a sua licença, porque é que os artistas de rua não hão-de pagar também? Estão a ocupar um espaço público, por isso deviam pagar uma licença, por mais pequena que seja”, explana Fátima. Ainda assim, para a comerciante, o consenso não será fácil.

Da montra da sua bijuteria, Adelaide Pinheiro, sorri ao ouvir a tuna que toca ao fundo da rua. Para a comerciante todos os artistas de rua são bem-vindos e contribuem para a animação já característica de Santa Catarina. Já o hotel em frente “implica um bocadinho”: “Ainda no outro dia estava aqui um grupo de raparigas universitárias durante a tarde a dar uma alegria. As pessoas batiam palmas e estavam todas felizes e ele [o funcionário do hotel] veio dizer: ‘Está em frente ao hotel, está a incomodar os hóspedes.’ Não gostei nada!”, conta Adelaide.

Contactado pelo JPN, Ricardo Almeida, vereador da CMP, refere que “a música na rua é algo importante” no entanto, “não pode ser é uma selvajaria como alguns pontos começam a ser.” Para contornar esse problema, são necessárias algumas regras. A eventual regulamentação passaria pela “definição de períodos, de que tipo de acústica é que podem ter, que tipo de licenciamento”.

Da loja de Adelaide ao sítio onde a tuna universitária está a atuar, vão alguns metros de distância. David Reis, é o responsável pela tuna da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Questionado sobre a hipótese de ter que pedir licenças para atuar, o aluno da FMUP admite que a tuna poderia ter de procurar outro sítio porque “não têm capacidades jurídicas para o fazer”. Apesar de o estudante nunca ter recebido nenhuma queixa, revela que já lhes foi pedido “para se afastarem um bocadinho”.

Entre a plateia que se delicia com as tradicionais músicas da tuna, há um palhaço que também anima miúdos e graúdos. Gosta de ser tratado por “O Esgravata” e está na rua de Santa Catarina desde fevereiro do ano passado. Para o palhaço “há coisas que não dão para legislar”. Ao contrário das tunas, não atua para mostrar o seu trabalho, mas para subsistir: “Se eu não tenho um palco para trabalhar, vou viver de quê? Vou trabalhar onde?”. Para ele, a chave é o respeito até porque “há muita gente que não sabe estar na rua.”

Mais ao fundo, o som de uma concertina é a banda sonora da esplanada do Majestic. Patrícia Pereira já passou por outras cidades portuguesas e encontra no Porto uma liberdade que não encontrou nas ruas de Lisboa, onde era necessária uma licença para atuar e o pagamento de uma mensalidade à câmara municipal. A artista explica que a regulamentação não é um bicho de sete cabeças. “Tinha um papel sempre comigo que atualizava de mês a mês e, se por porventura a polícia viesse ter comigo, eu mostrava o papel”, explica. Apesar de haver pessoas que não aceitam tão bem os músicos, Patrícia considera que “o balanço final é positivo”.

Acima de qualquer divergência, tanto comerciantes como artistas, concordam que o bom senso é a chave para uma convivência harmoniosa. “Podemos conjugar e conviver todos, uns lá fora e outros cá dentro” reforça Fátima Fontes. Já Patrícia Pereira fala do seu próprio caso: “Já me aconteceu estar a tocar e colocarem-se mesmo ao meu lado. Eu quando vou tocar tenho sempre o cuidado de olhar para a rua e verificar se não vejo nem ouço nenhum músico”.

O assunto da regulamentação dos artistas de rua já foi levado a uma reunião da CMP e o vereador Ricardo Almeida garante que o presidente Rui Moreira já “se comprometeu a olhar para esta questão”.

 Artigo editado por Sara Gerivaz