Um total de 157 cidades, incluindo oito portuguesas, aderiram à Marcha Europeia pelos Direitos dos Refugiados, este sábado. No Porto, a rua que liga a Praça da Liberdade ao edifício da Câmara Municipal foi uma “passagem segura” para as dezenas de pessoas que se manifestaram pela livre entrada dos refugiados na Europa.

Tal como aconteceu na caminhada que fizeram pelo meio da rua, sem o perigo dos carros e com o acompanhamento da força policial, os manifestantes pediram uma mudança no tráfego, também para o resto do mundo.

A ideia de realizar uma marcha à escala europeia partiu da Associação Coragem Disponível, com núcleo no Porto, que pretendia alertar a União Europeia para as violações dos direitos dos refugiados. Quer dos que querem entrar na Europa, quer dos que já entraram e não veem cumprido o que as Nações Unidas estabeleceram.

“São milhares os casos de migrantes que chegam cá e não têm os apoios que lhes foram garantidos”, explica Helena, uma das organizadoras da marcha. Por outro lado, a voz mais alta da multidão ressalva a união dos cidadãos que “foram capazes de fazer o que os governos não fizeram.”

No meio da multidão, está Sandra. Faz parte de uma equipa que acompanha os refugiados nos “países de espera” e traz de lá histórias de um “sofrimento que ninguém consegue imaginar”. Na sexta-feira, esteve a fazer barquinhos de papel para colocar em frente à Câmara do Porto. A poucos metros está um homem embrulhado num cobertor de alumínio. Chama-se Leonel. Sobrou-lhe um de quando esteve em Lesbos, na Grécia, a prestar apoio a quem fugiu da guerra e perdeu o que tinha. Serve para os abrigar do frio e da chuva. E hoje, neste sábado à tarde, é ele que se abriga.

O vento faz cair algumas das bandeiras de países agrafadas aos guarda-chuvas dos manifestantes. O receio de Cláudia Florença, uma das participantes, é que isso aconteça na questão do abrigo aos refugiados. Veio de São João da Madeira para dizer que “os governos não podem fechar as portas a quem não tem para onde ir” e que “certos países europeus não se podem esquecer que já passaram pelo mesmo”. Os manifestantes suportam bem o mau tempo. Em uníssono gritam que “aqui está frio, mas lá está um gelo”.

“Fim às mortes no Egeu”, gritam também. Querem trajetos seguros e legais que permitam aos refugiados chegar ao ocidente, sem o risco de naufragarem nas travessias marítimas, ou sem terem de andar “três mil quilómetros com filhos ao colo e malas nas mãos”, como se lê num pedaço de cartolina.

Outro dos apelos passa pela criação de vistos humanitários – que permitam que os refugiados viajem a salvo do contrabando e requeiram asilo à chegada ao espaço europeu -, já que são muitos os que não têm os documentos necessários para um visto normal.

Porque querem “abaixo a burocracia e acima a dignidade”, os manifestantes são da opinião que a Europa devia optar pela reunificação de famílias, facilitando o encontro entre requerentes de asilo e familiares que já estejam integrados. Isso diminuiria o número de “Famílias Separadas” – lê-se num dos muitos barcos de papel postos no chão.

Ao mesmo tempo que a Avenida dos Aliados se enche de palavras de ordem, em mais 156 cidades do mundo empunham-se cartazes e grita-se “Passagem segura, já!” em diferentes idiomas. Começou por ser uma marcha europeia, mas a adesão dos Estados Unidos, Canadá, Turquia e Israel, tornou-a mundial. Em Portugal, além do Porto, também Lisboa, Coimbra, Braga, Viana do Castelo, Lagos, Ponta Delgada e Funchal se juntaram à iniciativa.

Passaram quase duas horas de chuva e os barquinhos de papel colocados em cima de dois lençóis azuis estão caídos e desfeitos. “Na realidade, é mesmo assim”, diz Sandra.

Crise dos refugiados e um possível colapso do Espaço Schengen

“Abram as portas”. Esta é uma das frases repetidas nos últimos três dias na fronteira da Grécia com a Macedónia. Cerca de seis mil pessoas estão bloqueadas na rota dos Balcãs, depois das autoridades macedónias terem barrado, há uma semana, a passagem a refugiados afegãos. Segundos os dados da RTP, o campo em que estão seis milhares de pessoas tem apenas capacidade para 2.500.

Não há mantimentos nem tendas para todos e as condições meteorológicas não têm ajudado a atividade dos voluntários. Sandra Coelho, que também já esteve a ajudar num campo de refugiados, destaca que a situação “está cada vez pior, ao contrário do que fazem parecer”.

Os refugiados, que até então passavam pela Grécia rumo à Europa central e Grã-Bretanha, ficam agora retidos na capital grega e na zona fronteiriça. As autoridades internacionais, entre as quais o Alto Comissário da ONU para os Refugiados, têm feito críticas severas ao fecho das fronteiras na região dos Balcãs, mas está prestes a iniciar-se a segunda semana sem que as pressões tenham surtido efeito.

Desde o início da crise dos refugiados, sete dos 26 países assinantes do Tratado de Schengen suspenderam o acordo. Na passada terça-feira, a Bélgica reintroduziu o controlo de documentos e colocou restrições à passagem de refugiados na fronteira com a França. A medida deveu-se ao desmantelamento do acampamento de Calais, no Norte de França, que acolhe mais de quatro mil refugiados.

Também a Turquia tem negado a entrada a civis sírios feridos e a Hungria quer referendar o plano de distribuição dos imigrantes proposto por Ângela Merkel.

Entretanto, dez países dos Balcãs reuniram para discutir a crise migratória. O encontro entre a Áustria, Albânia, Bósnia, Bulgária, Kosovo, Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Eslovênia tinha em cima da mesa a possibilidade de bloqueio efetivo das fronteiras com a Grécia. Também a República Checa, a Hungria, a Polónia e a Eslováquia já se reuniram com o mesmo objetivo.

Para além da crise humanitária criada nas fronteiras, esta situação tem criado divergências entre vários países da Europa. A pressão é particularmente acentuada entre a Grécia e a Áustria, a Bélgica e a França.

 

Artigo editado por Filipa Silva