“Sabemos que é impossível termos uma equipa para todos os doentes, mas temos noção de que é uma minoria que tem acesso”. Este é o cenário descrito pela diretora do Suporte em Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar do Porto (CHP). De acordo com Elga Freire, quatro dos cinco serviços de cuidados paliativos públicos do Grande Porto encaram esta realidade.

O JPN falou com as diretoras dos serviços de cuidados paliativos do Centro Hospital do Porto e do Hospital de São João (HSJ). Ambas revelaram que as unidades não conseguem chegar a todos os doentes. “Nos últimos tempos, não damos resposta a todos os pedidos em tempo útil. Neste momento, temos dois meses de tempo de espera para a primeira consulta. Se temos doentes mesmo em fim de vida, é muito duro ter este tempo de espera”, lamenta Edna Gonçalves, diretora do serviço no São João.

O Observatório Português de Cuidados Paliativos concluiu que 51% dos doentes internados em grandes hospitais têm necessidade de cuidados paliativos. No entanto, o serviço só chega a 7%, segundo os dados apresentados em janeiro de 2016.

O que são cuidados paliativos?

A Organização Mundial de Saúde definiu, em 2002, os cuidados paliativos como cuidados que pretendem prevenir e aliviar a dor e sofrimento de um doente em estado terminal, com doenças incuráveis ou em fase avançada de doença e com tendência para agravar. O tratamento não pretende intervir apenas na dor física, mas também aliviar o sofrimento psicológico, social e espiritual.

Os cuidados paliativos chegaram tarde a Portugal e o atraso é acentuado em relação à realidade de outros países europeus. O primeiro registo deste tipo de serviço estruturado foi em 1992, numa Unidade de Dor com camas de internamento. Os dados foram retirados do estudo “O desenvolvimento dos cuidados paliativos em Portugal”, desenvolvido por profissionais da área.

Os hospitais do São João, Centro Hospitalar do Porto, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho (CHVNG/E) e Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) não têm ala de internamento de cuidados paliativos. “Falta-nos muito uma unidade de internamento”, reforça Edna Gonçalves. Os hospitais apenas dispõem de uma equipa intra-hospitalar, obrigatória nos hospitais públicos e unidades locais de saúde com serviço médico e cirúrgico de Oncologia.

As equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos funcionam como “consultoras dos serviços hospitalares”. “Damos ajuda às outras áreas e aconselhamos os colegas nos melhores procedimentos”, explica Elga Freire. Estas equipas integram, normalmente, médicos, enfermeiros e um psicólogo, um assistente social e um orientador espiritual em tempo parcial. No entanto, o serviço é disperso e o acompanhamento nunca é total.

 

Os quatro hospitais do Grande Porto possuem ainda serviço domiciliário de paliativos. A Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que integra o Hospital Pedro Hispano, oferece assistência telefónica, disponível das 9h às 15h com o secretariado ou contacto direto com um enfermeiro da Unidade de Cuidados Continuados.

A disponibilidade deficitária dos cuidados paliativos em Portugal tende a agravar-se, caso o reforço deste tipo de cuidados não acompanhe o envelhecimento da população. Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo e as previsões de um estudo realizado em 2015 apontam para um aumento de cerca de 25% do número de mortes em hospitais portugueses.

Faz-se fila de espera para os cuidados paliativos

Para além da lista de espera nas consultas externas apontada por Edna Gonçalves, no Hospital de São João “a equipa domiciliária está no seu limite”. A responsável alerta para o facto de caso o médico do apoio ao domicílio esteja de baixa, “a equipa pode parar temporariamente”.

O Hospital de São João tem à volta de 800 novos doentes a cada ano, em todo o serviço de paliativos. As consultas externas devem ser realizadas até 72 horas depois do pedido do médico. A meta foi cumprida em 79% dos casos, ou seja, cerca de 20% dos utentes não foram atendidos no tempo previsto, “o que é muito”, ressalva Edna Gonçalves.

Já a Unidade de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar do Porto, que serve três hospitais (Hospital Geral Santo António, Centro Materno Infantil do Norte e Hospital Joaquim Urbano), acompanha cerca de 360 doentes por ano. “Nós vamos esticando, mas isto é muito pouco em vista das necessidades. É muito pouco em relação aos doentes que sabemos que precisam de cuidados paliativos”, afirma Elga Freire, do CHP. Sendo um serviço intra-hospitalar é impossível estar em todo o lado, a todo o tempo.

IPO: Um caso singular

Uma realidade distinta conhece o Instituto Português de Oncologia (IPO). O IPO alberga a maior unidade de cuidados paliativos em Portugal, em funcionamento desde 1994. Esta instituição foi a primeira a adotar este tipo de serviço e é a única que dispõe de internamento.

Ao contrário do panorama descrito pelos restantes, Ferraz Gonçalves garante que a Unidade de Cuidados Paliativos do IPO é suficiente. O diretor do serviço destaca a oferta completa que o IPO Porto dispõe: para além do internamento disponível para 40 utentes, a unidade realiza consultas externas, apoio domiciliário e tem uma equipa intra-hospitalar de apoio à especialidade que trata o doente.

O serviço dispõe de 40 camas, agora todas elas integradas no próprio Instituto. “Antes pertencia à Rede Nacional de Cuidados Continuados, mas agora são todas do IPO porque precisamos delas”, destaca o diretor do serviço. Segundo Ferraz Gonçalves, a taxa de ocupação ronda os 100%. Só este ano, o médico estima que tenham sido atendidos 200 utentes pela equipa intra-hospitalar de cuidados paliativos do IPO.

O serviço está nas mãos de seis médicos, um deles destacado para a assistência domiciliária. Há cerca de 24 enfermeiros para cada 20 camas e várias assistentes operacionais.

No Instituto, o tempo de espera “é variável, mas é curto”. O diretor do serviço enfatiza que é necessário humanismo neste tipo de trabalho e no investimento a ser feito pelos hospitais: “O serviço de internamento é essencial”.

“Os cuidados paliativos podiam ter sido melhor se tivessem entrado antes”

Os cuidados paliativos “não são só para os últimos dias de vida”, defende Elga Freire. Para a especialista, estes cuidados são para aliviar a dor, não necessariamente antes da morte. Também Edna Gonçalves reconhece que recebe muitos pedidos por parte dos médicos para doentes nos últimos dias de vida. “A nossa mediana de tempo de seguimento dos doentes é de ainda um ou dois meses, o que é muito pouco. Muitas vezes, os cuidados paliativos podiam ter sido muito maiores se tivéssemos entrado antes”, esclarece.

O que faz um médico de cuidados paliativos?

A Medicina Paliativa não é uma especialidade reconhecida pela Ordem dos Médicos, apesar desta “mostrar abertura para que o seja”. “Para ser médico de cuidados paliativos não chega ser internista, não chega ser oncologista, cirurgião, psiquiatra nem médico de família. Mas todos estes são importantes. O paliativista deve saber discutir um tratamento com um oncologista, opções terapêuticas sobre esclerose lateral amiotrófica e saber até onde os profissionais podem ir com os tratamentos”, defende Edna Gonçalves.

Para além dos médicos, a população também associa os paliativos ao fim de vida: “À medida que os paliativos vão entrando mais cedo, as pessoas vão deixando de ter medo. As famílias saem de modo geral da consulta externa a pensar que afinal não era nada do que estavam a pensar.”

Esta associação é frequente, uma vez que a grande maioria dos doentes tratados pelos serviços paliativos dos hospitais do Porto são oncológicos. No Hospital de São João, o número chega aos 80%.

Para Elga Freire, é necessário “mudar mentalidades e formar a sociedade e os profissionais de saúde”. De acordo com a responsável do serviço no CHP, “todos os profissionais de saúde, não só os médicos” deviam ter formação. O problema da falta de conhecimentos específicos tem origem nas próprias faculdades: nenhuma das oito escolas médicas do país têm uma disciplina obrigatória sobre cuidados paliativos. Uma boa formação de todos os profissionais pode reduzir a lista de espera e otimizar o funcionamento dos cuidados paliativos.

 

Morrer no hospital

O serviço de cuidados paliativos é importante? Os últimos dados do Observatório Português dos Cuidados Paliativos indicam que 62% das mortes em Portugal ocorrem no hospital. O que significa que cerca de 65 mil pessoas morreram em contexto hospitalar no país.

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Artigo editado por Sara Gerivaz