Brincar aos pais e às mães é muito comum entre as meninas. Carolina Guimarães e Inês Tomé, ambas de 20 anos e estudantes de Ciências da Comunicação, preferiram sempre outro tipo de brincadeiras.

“De vez em quando, brincava às bonecas com as minhas primas. Elas diziam que queriam ter filhos e até já sabiam o nome das crianças, quantas queriam, se queriam meninas, se queriam rapazes. Eu nunca senti isso, achava que não era para mim”, conta Carolina.

Inês sempre gostou de Barbies, no entanto, nunca as viu como mães e donas de casa, imaginava-as antes “com os amigos e com os namorados.” A estudante de Ciências da Comunicação, explica também que gostava de se “dedicar a 100% a uma carreira” e que ter filhos seria “um entrave”, “sem querer parecer egoísta”, ressalva.

Sónia Osório tem 27 anos. Há vários motivos que a levam a não querer ser mãe. Um deles prende-se com a sua saúde. “Tenho dois problemas de saúde que associados a uma gravidez trazem alguns riscos que não estou preparada para correr”, conta ao JPN.

A funcionária da Sonae vê na adoção uma alternativa. No entanto, “devido aos processos de adoção, que são muito demorados e complicados”, essa opção não é muito viável.

As questões financeiras são também um entrave para Sónia. “Não estamos numa situação confortável atualmente para ter uma criança”, indica ainda Sónia.

Adelaide Oliva Telles é psicóloga na Universidade do Porto (UP) e garante que “as mulheres têm o direito de dizer: ‘Eu não quero ter um filho’ e não o têm de explicar”. Acrescenta que “a gravidez não é um dever, é um direito”.

“Tenho medo de não ser boa mãe”

Carolina Guimarães confessa que também há “incertezas” e “medos” que a assustam no que toca à maternidade. Para além de ter receio de “não poder ser uma boa mãe”, Carolina desabafa: “Há feitios que são incompatíveis entre pais e filhos. E se me sai um filho desses na rifa?”, questiona.

A psicóloga da Universidade do Porto explica que “Todas as mulheres têm medo de ser mães, porque é uma situação que nos põe à prova. Esse medo inicial é mesmo real”.

Para além dos argumentos mais “emocionais” como o “medo de tudo o que envolve coisas médicas”, Carolina assegura que tem argumentos racionais e que a decisão de não ter filhos é algo em que pensa muito.

“A perspetiva de ter uma criança neste mundo nas condições caóticas em que ele está”, é um dos argumentos da jovem estudante. Carolina explica melhor: “Os valores modificaram-se” e “tenho uma total descrença na juventude de hoje”. Apesar da crítica, a jovem de 20 anos, não sabe se faria melhor.

A perda de identidade individual e do casal é algo que também preocupa Carolina. “As pessoas deixam de ser a Joana ou o João para serem o ‘pai’ e a ‘mãe’. Acrescenta que os casais com filhos mudam de vida: “Perdem-se hábitos saudáveis enquanto casal – saídas, idas ao cinema, jantares – e enquanto pessoa, em idas ao ginásio, por exemplo, é algo que me impressiona e que, a longo prazo, acho que traz consequências”, avalia.

Adelaide Oliva Telles defende que as mulheres que se dedicam aos filhos e se esquecem de si mesmas “vão ter dificuldade em ser um elemento que transmite segurança”. “Só perde a identidade quem não distingue o eu e o outro”, acrescenta.

“Não querer ter filhos é um bloqueio”

Quando se fala em não querer ter filhos, as reacções são as mais variadas. O preconceito é algo com que estas mulheres lidam muitas vezes. É comum a todas as entrevistadas dizerem-lhes: “Isso muda, tem calma!”.

Inês Tomé mostra-se “aborrecida” quando lhe dizem que está “a ser egoísta”. A estudante remata: “Não estou a tirar espaço a ninguém, a vida é minha”.

A psicóloga da UP explica ao JPN que “a sociedade acha que a mulher que não quer ter filhos é egoísta”. “É aquela questão das minorias. Se a maioria tem filhos, é sempre estranho. Compete às mulheres, como até agora, lutar pelo direito de não ser mãe. Quando não se aceita o direito da mulher a não ser mãe, estamos a reduzi-la à maternidade”, continua.

Carolina tenta justificar a atitude das pessoas: “É uma coisa um bocado cultural. Durante muitos anos as mulheres eram feitas para ser mães, para cuidar da casa e para dar continuidade à família.”

Todas referem que a pressão para serem mães vem muitas vezes das mulheres. Apesar disto, Sónia Osório dá o exemplo de homens para quem ter uma relação com uma mulher que não deseja ser mãe seria um “problema”. A funcionária da Sonae acredita que, por vezes, “não querer ter filhos é um bloqueio”.

Adelaide Oliva Telles admite que “se a mulher não quiser ter um filho, isso pode comprometer uma relação.” Mas acrescenta que uma mulher não deve “ter um filho só porque o companheiro quer”. “Isso não é uma coisa que se faça por favor ou para agradar. Ele tem direito a ser pai, mas não tem de ser com ela, não tem de ser com a sua barriga”, conclui.

Outro dos preconceitos da sociedade, é que se uma mulher não quer ser mãe é porque não gosta de crianças. Sónia recusa a ideia: “Adoro crianças e sou criança quando estou ao pé delas”.

Para as duas estudantes de Ciências da Comunicação, a decisão não é definitiva. Ambas realçam que, por serem tão jovens, a sua ideia de não terem filhos, pode mudar. “Eu não quero dizer que não mude, eu estou aberta à mudança”, realça Carolina.

Já Sónia tem uma ideia fixa. “Nunca tive uma vontade que viesse de dentro de mim e me fizesse querer ser mãe”, remata.

Infografia - Mulheres que não querem ser mães