O investimento na oferta digital dos média tradicionais não são novas no mundo do jornalismo. Antonio Caño, diretor do El País, fez na semana passada um comunicado aos seus colaboradores e leitores sobre algumas mudanças que vão acontecer no diário que mais vende em Espanha.

A mudança já começou: está quase concluída a primeira fase da obra que resultará uma redacção renovada. Caño explicou que é neste novo espaço que se vai desenvolver “um jornal essencialmente digital” que gera “conteúdos que se distribuem noutros suportes”.

“Com uma cobertura global que possa responder à procura de novos e futuros leitores”, este jornal, afirmou o diretor, “vai ser cada vez mais americano” uma vez que é nesse continente que o jornal tem tido um “maior crescimento”. Apesar desta transformação, o El País vai continuar a ter uma edição impressa com “a maior qualidade durante o tempo que seja possível”, ressalva Caño.

O diretor do diário espanhol explicou que “a transferência dos leitores para o digital é constante” e que, agora, “o hábito de compra do jornal em quiosques ficou reduzido a uma minoria.” “A maioria das pessoas, principalmente os jovens, procuram informação noutros suportes e consomem de forma diferente”, acrescenta.

O jornal celebra 40 anos em maio deste ano e, face aos desafios tecnológicos e financeiros, Caño revelou que, apesar dos “danos” que a transformação digital provocou no mundo do jornalismo, o El País tem conseguido contornar estas dificuldades. “As edições digitais têm conseguido, nos últimos dezoito meses, crescimentos espectaculares até converter o El País no meio de comunicação em espanhol mais visitado e lido no mundo”, ressalvou o diretor.

Apesar da estratégia do “El País” passar a estar centrada na oferta digital, Antonio Caño admite que a situação a este nível “continua a ser incerta”. Cada vez mais os leitores têm uma “cultura de gratuitidade” e os bloqueadores de publicidade tornam-se uma “ameaça” para os jornais online. O diretor do “El País” rematou dizendo que “a passagem do papel para o digital, é apenas um e não o maior dos muitos passos que os jornais têm de dar”.

O apego ao papel

Ao JPN, Tony Hernández-Pérez, professor na Universidade Carlos III de Madrid (UC3M), especializado em Ciências da Informação, explica que “durante algum tempo, a nostalgia do papel vai permanecer” e que as pessoas “continuam apegadas ao culto da escrita em papel”.

“Muitos jornais locais vão permanecer em formato de papel porque o seu público são populações muito específicas habituadas ao papel”, admite o professor da UC3M. Para além disso, “os custos de distribuição [dos jornais locais] são menores”.

A mesma realidade não se verifica nos grandes jornais nacionais. Tony Hernández observa que, apesar de estes jornais, como o “El País”, continuarem a ter uma versão impressa, a verdade é que “já todos migraram para o digital, de alguma forma”.

Mudança gradual e há muito anunciada

Hélder Bastos, professor de jornalismo na Universidade do Porto, especializado em ciberjornalismo, sublinha que a aposta dos jornais tradicionais no digital tem vindo a ser gradual.

Tony Hernández acrescenta que, no caso do El País, “se trata de uma transformação há muito anunciada e prevista pelo primeiro diretor do jornal Juan Luis Cebrián, há mais de dez anos.” “O custo do papel, da tinta e da logística de transporte é muito elevado para se continuar a mantê-lo”, justifica o professor da UC3M.

O professor da UC3M recorda que a transição do analógico para o digital acontece noutras áreas: “Aconteceu com a música e agora há pessoas que compram canções por 1 euro”. “A informação é um setor muito competitivo. A gratuitidade estará no básico, mas os conteúdos ‘premium’ não serão gratuitos”, prevê Tony Hernández.

Quanto à publicidade, o professor espanhol alerta que ninguém gosta de publicidade intrusiva e que “os jornais e os anunciantes vão aprender a estudar, analisar, segmentar e personalizar as suas audiências”. “Os bloqueadores de publicidade são um simples remendo até se encontrar um novo modelo de negócio”, observa Tony. O professor dá um exemplo de uma alternativa: “Por 10 segundos de publicidade, deixo-o aceder a um conteúdo ‘premium’ ou coisas do estilo”. Hélder Bastos concorda com a necessidade de haver um novo modelo de negócio.

“Uma tendência global”

A tendência não é exclusiva do El País nem de Espanha. O jornal britânico “The Independent” anunciou em fevereiro que vai deixar a edição em papel a 26 de março. Os jornais portugueses têm seguido esta tendência de investirem mais na oferta online ao longo dos últimos anos.

“Será uma tendência global”, asegura Tony Hernández.  “Os custos da distribuição em papel são demasiado altos” e “as novas gerações consomem informação em formato digital quase de forma exclusiva”, reforça o ex-jornalista espanhol.

Para Hélder Bastos, a grande solução da transformação do papel para o digital, passa pela qualidade dos conteúdos e por uma reinvenção do jornalismo.