A Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) quer acabar com 500 vagas do curso num espaço de cinco anos. Se essa vontade se concretizar, o número de vagas do curso passaria das atuais 1.800 para 1.300 em 2020/2021.

Para inverter o esgotamento da capacidade de formação de médicos, a ANEM concluiu que é preciso reduzir o número de estudantes aceites. A solução implica extinguir 3% das vagas oferecidas pelas sete escolas de Medicina de Portugal, a cada ano, durante cinco anos. A essa redução, soma-se a imediata extinção do contingente adicional de 15% das vagas que os cursos reservam para licenciados.

Seguindo a fórmula da ANEM, a redução no próximo ano seria de cerca de 320 lugares.

Proposta da ANEM

“(…) a ANEM vem por este meio propor ao Governo o seguinte:

  1. Extinção imediata do contingente adicional de 15% de vagas para licenciados a admitir nos cursos de Medicina, criado pelo Decreto Lei n.º 40/2007, de 20 de fevereiro;
  2. Redução fraccionada, de 3% ao ano (em relação ao valor inicial), em cinco anos, do número de vagas nas Escolas Médicas portuguesas, num total de 15% ao final de cinco anos”.

A proposta foi enviada aos ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) e da Saúde no dia 6 de março. Trata-se do “Planeamento integrado da formação médica em Portugal”, no qual são explorados vários problemas no ensino da Medicina. O problema mais preocupante é o excesso de estudantes para as capacidades formativas de que o país dispõe.

O presidente da ANEM relembra, em entrevista ao JPN, que a formação de um médico, só ao nível pré-graduado, demora seis anos. Por isso, mesmo que no próximo ano letivo haja menos 320 estudantes a entrar, esta medida só se vai sentir daqui a seis anos e “durante esse tempo vamos continuar a ter médicos que excedem a capacidade formativa pós-graduada”.

André Fernandes, presidente eleito no início deste ano, explica que o problema na aprendizagem da profissão passa por duas vertentes: a formação pré-graduada (até à obtenção da licenciatura) e pós-graduada (depois do mestrado integrado).

No segundo caso, “estamos a falar de licenciados médicos que não têm acesso a uma especialidade, porque não há capacidade de formar mais especialistas”. A ANEM quer ver respeitadas, assim, as duas “capacidades formativas”, antes e após a licenciatura.

As soluções encontradas

Vários desafios da atividade pedagógica são enunciados no planeamento da ANEM, entre os quais o número de tutores e respetivo número de estudantes.

“Existem, em média, cerca de oito estudantes por tutor no ensino clínico pré-graduado, sendo que em alguns casos este número atinge o valor de 18. Além de hipotecar a qualidade da formação, um rácio estudante-tutor desta ordem não respeita a privacidade e dignidade dos doentes”, relata o documento da autoria da associação.

Na visão da organização que representa os estudantes de Medicina do país, a solução passa por diminuir o número de alunos que as escolas podem receber cada ano, já que “as capacidades formativas estão esgotadas ao nível pré-graduado”.

“De certeza que as escolas não estão satisfeitas com os seus rácios tutor-estudante, mas os recursos são limitados e quanto a isso não podemos fazer nada”, frisou o presidente em entrevista ao JPN.

Uma outra forma de contornar a situação já está a ser praticada, segundo o estudante de Medicina: aumentar o número das afiliações hospitalares (os alunos praticarem em outros hospitais). No entanto, esta medida prejudica os estudantes, por implicar o aumento das despesas monetárias e de tempo, “resultantes das deslocações para unidades de saúde distantes da sua Escola Médica de origem” – como se lê no documento.

A ANEM defende que a redução do número de ingressos por ano, não deverá levar à redução do financiamento das escolas médicas: “Uma redução proporcional no financiamento das Escolas Médicas poderá inviabilizar, por exemplo, a correção dos rácios estudante-tutor (…). Poderá ainda condicionar o investimento em áreas como a investigação e desenvolvimento, fundamentais para um ensino médico completo.”

O documento usou uma conclusão do Grupo de Trabalho de Revisão do Regime do Internato Médico (GTRRIM), de 2012, que sugeria “uma redução para dois terços (valores globais) do ‘numerus clausus’ de acesso às Escolas Médicas com o fim imediato do concurso especial para acesso ao curso de Medicina para titulares do grau de licenciado.”

Segundo André Fernandes, o “’numerus clausus’ foi criado com dois propósitos. Em primeiro lugar, garantir a qualidade da formação e distribuição adequada dos recursos, que são limitados. Em segundo, garantir que a formação é dada de acordo com a política de recursos humanos do país”. A ANEM defende assim que o indicador seja diminuído.

A ANEM não está sozinha

A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), que representa, de momento, uma das especialidades mais carenciadas em profissionais, subscreve o documento, o que é “bastante positivo”, para o presidente da ANEM, pois demonstra que reconhece a veracidade dos resultados.

A Ordem dos Médicos (OM) subscreve a redução do numerus clausus, “a ideia por trás do documento”, mas não a totalidade do planeamento. Já em dezembro do ano passado as duas entidades defenderam esta mesma solução.

André Fernandes explica melhor a posição da OM: “Convergimos no reconhecimento de que as capacidades formativas pré-graduadas estão esgotadas. Mais, concordamos que os médicos devem ter uma especialidade, mas vemos que não é possível, porque as capacidades têm a escala lotada”.

Em jeito de conclusão do planeamento, a ANEM refere: “Apenas com estas medidas, e não com a geração indiscriminada de diplomados em Medicina, será possível assegurar a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, a qualidade da prestação de cuidados e o bem-estar da população”.

A proposta foi enviada para o MCTES, Ministério da Saúde, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) e para todos os partidos políticos com assento parlamentar. O Governo ainda não teve reação pública.

“Pretendemos que exista um diálogo real e estruturado entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e o Ministério da Saúde, porque o primeiro define o número de vagas e o segundo torna possível o internato médico”, explicou o presidente da ANEM ao JPN.