Já todos ouviram falar nas obras da ala pediátrica “Um lugar para o Joãozinho”. Desde o início do mês de março que os trabalhos estão parados, após a retirada das construtoras por falta de “frente de obra”. Em dezembro de 2015 o Centro Hospitalar de São João (CHSJ) já tinha deixado de desimpedir o espaço a que se tinha comprometido.

O projeto é antigo. Desde 2009 que o hospital angaria fundos para tornar esta ala possível e, em 2014, convidou Pedro Arroja para se associar ao projeto e pôr a “obra a andar”. O professor de Economia é o líder da associação humanitária “Um lugar para o Joãozinho” criada para reunir verbas que tornassem o projeto real. “Comecei por reunir uma série de potenciais mecenas, propondo-lhes um projeto, e fiz mais de uma centena de visitas”, conta Pedro Arroja ao JPN.

“Quando me convenci que esta obra era fazível, lancei um concurso de construtoras, em que declarei que, para já, só tinha um milhão de euros, e que pegassem nesta obra não como um negócio normal, mas como uma obra que íamos fazendo à medida que íamos conseguindo fundos”, continua. As construtoras Lucios e Somague “chegaram-se à frente com espírito humanitário”.

Com uma verba de um milhão de euros – metade angariada anteriormente pelo hospital – e com construtoras asseguradas foi celebrado um contrato entre a associação, o hospital e o consórcio construtor. Segundo Pedro Arroja, “cada uma das construtoras comprometeu-se a contribuir com 30 mil euros por ano para a obra, durante dez anos” e o hospital tinha como “única obrigação desocupar o espaço da obra”.

A nova ala pediátrica do CHSJ tem um custo estimado de 25 milhões de euros. A obra começou com apenas um milhão. “O CHSJ começou a desocupar o espaço e a construtora foi fazendo os trabalhos de demolição”, indica Pedro Arroja. Para o economista “tudo correu bem” até que, “inexplicavelmente, no dia 11 de dezembro, o CHSJ parou os trabalhos de desocupação do espaço”. Apesar disso, “a construtora continuou a trabalhar” na área desimpedida até à data.

Três meses depois, em março de 2016, as construtoras pararam a obra. Segundo a carta enviada a Pedro Arroja, o motivo pelo qual cessaram os trabalhos deveu-se à “não disponibilização das frentes de obra necessárias à execução dos trabalhos, objecto do supra identificado contrato, nem tão pouco foram definidas quaisquer datas para a respetiva libertação”.

“Eu decidi vir a público”

“Desde meados de dezembro, que procuro obter uma explicação e nunca obtive”, expõe Pedro Arroja sobre o facto de o hospital não desimpedir o local. O líder da associação “Um lugar para o Joãozinho” tentou contactar a administração do hospital que “não deu nenhuma resposta”. No entanto, em fevereiro, foi “recebido pelo novo presidente” que prometeu “uma breve resposta. Até hoje”.

“Como eu não estava a conseguir resolver isto em privado, e como esta obra é boa e feita com dinheiro de mecenas, eu decidi vir a público”, desabafa Pedro Arroja. Essa decisão levou o professor a publicar, a 13 de março, no blogue “Portugal Contemporâneo”, um texto no qual explica a situação e acusa o novo Governo de António Costa, de ter mandado o hospital parar a obra.

“Foi então que caí em mim e reuni todos os sinais, e todos apontavam na mesma direção. A conclusão era óbvia, mas só agora se tornava clara ao meu espírito: logo depois de ter tomado posse,  o Governo, através da tutela – o Ministério da Saúde -, deu ordens à administração do CHSJ para boicotar a obra”, pode ler-se no texto escrito no blogue.

Após tornar pública toda a história, começaram a chegar algumas respostas de entidades que até então não se tinham pronunciado. “A primeira coisa que obtive foi uma nota de imprensa, que o CHSJ publicou e fiquei a saber coisas que diretamente nunca soube”, revelou.

A área de intervenção da obra do Joãozinho ocorre em três espaços do hospital São João. No comunicado emitido pelo hospital consta que “a libertação do corpo B, correspondente ao atual Serviço de Imunohemoterapia e que se encontra em pleno funcionamento, obrigaria à deslocalização e à construção de instalações provisórias, o que a curto prazo não seria possível sem pôr em risco a prestação de cuidados de saúde”.

Segundo o contrato celebrado com Pedro Arroja, “o CHSJ comprometia-se a libertar o espaço de modo a tornar exequível a obra desde que ‘…a execução da obra não afete ou condicione a prestação de cuidados de saúde pelo CHSJ…’”.

Para o São João, “não há razões imputáveis ao CHSJ que justifiquem a paragem dos trabalhos”, uma vez que, dois dos três corpos já foram desimpedidos pelo hospital. Pedro Arroja contrapõe estes factos: “Eles assinaram que nos cediam o espaço” e as construtoras “precisavam daquele local e já não tinham mais frente de obra”.

A obra só será possível com “investimento público”

O CHSJ refere também no comunicado que “o modelo de financiamento da nova ala pediátrica do CHSJ não teve os resultados que os seus promotores desejavam” e que, tal é visível pelo “desfasamento entre as verbas angariadas e o orçamento total da obra”.

As verbas com as quais se iniciaram os trabalhos foram de meio milhão de euros, transferidos pelo CHSJ para a associação “‘Um lugar para o Joãozinho”. Para o hospital, a construção da nova ala “só será possível através do recurso a investimento público”. Confrontado com o comunicado, o professor afirma: “Se eram aquelas as razões pelas quais a obra estava parada, já mas deviam ter dado”.

“Eu vou falar com o Marcelo”

Após ter tornado o caso público, Pedro Arroja reconhece que já está a colher frutos: “O secretário de Estado já me vai receber na quarta-feira e o CHSJ já se sentiu na obrigação de dar explicações”.

Para além disso, tem outras medidas em mente para lutar pela causa do “Joãozinho”. O professor revela ao JPN que, dentro de uma semana, vai pedir uma audiência ao atual Presidente da República porque “ele é, realmente, um amigo do Joãozinho”. “Eu vou falar com o Marcelo para tirar o Governo do caminho”, reforça.

Quando confrontado com a possibilidade de recorrer à justiça, o economista exalta-se: “Nem pensar! O dinheiro que os mecenas entregam à associação para as obras do Joãozinho, não são para andar a pagar a advogados e tribunais”.

“Ele tem sido amigo desta obra”

A 16 de março, o PSD/Porto emitiu um comunicado no qual questiona o “silêncio total” de Rui Moreira e da Câmara Municipal do Porto (CMP). Pedro Arroja mostra-se surpreendido com este comunicado e afirma que o autarca “é um amigo deste projeto”. “Lamento essa associação que o comunicado do PSD fez”, acrescenta.

No evento “Prémios Inovação NOS”, no Mosteiro de São Bento da Vitória, na passada quinta-feira, Rui Moreira foi confrontado com as declarações do PSD/Porto. “Não conheço os detalhes dos comentários dos outros partidos, nem comento”, afirmou o autarca.

“A única coisa que digo é que relativamente a isso, quer com a anterior administração do hospital, quer com a nova, a Câmara Municipal do Porto trabalhou no licenciamento muito rápido do projeto e no sentido da isenção de taxas e licenças”, rematou.

O lugar do Joãozinho no Hospital de São João é incerto. Ainda há muito a percorrer para construir a nova ala pediátrica. Pedro Arroja sabe disso e não pretende desistir: “Eu Pedro Arroja, vou tirar este Governo do caminho! Não é porque eu tenha muita força, mas tenho a força da razão”.

O JPN contactou as construtoras, o Hospital de São João, a Câmara Municipal do Porto e a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP). O Hospital de São João indicou que não havia “disponibilidade para uma entrevista sobre esse tema”.

A SPP preferiu não comentar o caso. Num primeiro contacto, as duas construtoras – Lucios e Somague – mostraram disponibilidade para comentar o caso, mas até à altura de publicação do artigo não foi possível agendar uma entrevista.

Artigo editado por Sara Gerivaz