O “graffiti”, a ilustração e a arte contemporânea vieram revitalizar o Mural Coletivo da Restauração. Após um processo de seleção, seis intervenções foram terminadas até ao passado sábado. Durante um ano, vão dar mais cor ao muro que sustenta os Jardins do Palácio de Cristal, na Rua da Restauração.

O JPN falou com quatro dos artistas portugueses que interviram no mural legalizado. Lara Luís, “The Caver”, “Kest” e Paulo Jesus falaram sobre as suas peças, sobre como gerir a presença online desta arte interventiva e que nem sempre anda lado a lado com a justiça nem com as entidades municipais.

Retratos da arte urbana

Lara Luís

Designer gráfica, diretora criativa, mas acima de tudo ilustradora, assim se define Lara Luís. A jovem portuense, tem um estilo inconfundível e inúmeras intervenções um pouco por todo o Porto. Diretora criativa na Circus Network,  agência de criativos e espaço de co-working e galeria de arte da cidade invicta. Esta foi a primeira vez que Lara concorreu a uma iniciativa municipal de legalização de uma parede.

O JPN falou com ela na passada quarta-feira enquanto Lara pintava numa “corrida contra o tempo” para terminar a obra que tem o tema da selva urbana. Apesar de não se considerar “graffiter”, tem experimentado esta forma de expressão da sua arte após “contacto com outros artistas” e tem pintado onde pode, até porque, ironiza, não chega “a lugares muito altos”.

The Caver

Na mesma quarta-feira, o JPN falou com “The Caver”, “graffiter” desde 1998, que concorreu pela oportunidade de “pintar com amigos”, como Lara Luís. O “artista mercenário”, no bom sentido, já que consegue viver da sua arte, é de Lisboa e trabalha como designer gráfico e tatuador. No mural da Restauração, pintou uma homenagem à cidade do Porto, com elementos inspirados na Estação de São Bento e com um guerreiro lusitano em grande plano.

Kest

O JPN falou ao telefone com Kest, artista que desde há seis ou sete anos pinta “quase todas as semanas”. Kest conheceu Dub na sua terra natal, em Aveiro, numa iniciativa de “graffiti” e decidiram concorrer conjuntamente ao mural da Restauração. A obra da dupla Dub & Kest, “República das Bananas”, apresenta dois macacos obcecados pelas bananas ao centro e pretende ser uma crítica à classe política do país.

Paulo Jesus

Paulo Jesus é um “caloiro” nas andanças da “arte urbana”. Artista plástico de formação, já tem mais de dez anos de experiência em exposições de arte contemporânea, sendo também educador para a arte na Fundação Serralves e co-fundador da revista de arte “Park Magazine”. Concorreu pelo desafio e pela oportunidade de expôr a obra de forma mais “direta” com o público. A sua peça, “Composição em Azul”, tem o objetivo de desconstruir a linguagem da internet até uma representação mínima: um retângulo sólido de “azul social” contornado pelos “Ws”, imagem de marca do meio online.

Da rua para a internet

O JPN quis saber como gere o artista urbano do seculo XXI a sua presença online. Com a maior parte dos trabalhos em paredes não-legalizadas ou em espaços devolutos, como decidir o que divulgar?

Para Lara Luís, é preciso “ter cuidado”, “há quem arrisque mais com a exposição online”, mas por “ser importante promover o trabalho, até pela hipótese de colaborações ou oportunidades que possam surgir” e por as suas obras “não estarem em locais muito problemáticos”, Lara publica as suas obras online. “É preciso alguma sensibilidade, mas no geral não há problema”, rematou.

“The Caver” prefere que o público veja as suas obras ao vivo, no entanto considera a internet uma boa ferramenta de “promoção” da sua arte, até porque muitas obras são inacessíveis para o público. Concorda que é difícil encontrar um “equilíbrio” entre divulgar peças em paredes não-legalizadas, mas contextualiza: “Se for um ‘graffiti’ numa fábrica abandonada, não acho que haja problema”, exemplifica.

Kest considera que depende da atitude da pessoa. Quando se começa no “graffiti”, a visibilidade é importante e o “melhor local para o ‘graffiter’ pode ser o pior para os proprietários”. No seu caso, tenta “pensar um bocadinho antes de fazer uma peça”: “Será que vou arranjar algum problema? Se a casa fosse minha eu gostava? E tento pensar para não prejudicar nenhuma pessoa individualmente”, sempre com o objetivo de “dar cor às cidades e revitalizar edifícios”, garante.

Como não é “graffiter”, Paulo Jesus não quer comentar a fundo a questão, mas reitera que apesar de “ironizar” sobre o tema, não vê o meio online, nem as redes sociais como algo nocivo e reforça que pode ser uma boa ferramenta de promoção para os artistas.

Murais: solução, complemento ou “gaiola dourada”?

Em entrevista ao JPN, em fevereiro, Capicua falava dos murais legalizados como uma gaiola dourada, pelos limites ao caráter interventivo que podem ser impostos pelos regulamentos dos concursos. Perguntámos aos quatro artistas a sua opinião. Solução, complemento ou gaiola dourada?

Lara Luís considera que a legalização de murais é apenas um complemento para a arte urbana. “Acho que estas são boas iniciativas, mas nunca se vai conseguir controlar todas as paredes”. Apesar de ser a primeira vez que concorre, tem experiência acumulada na Circus a lidar com estes assuntos burocráticos da legalização. Considera que na cidade do Porto tem existido um esforço de “aproximação” aos artistas. Quanto às peças em paredes não-legalizadas, considera não haver um “critério percetível” quanto à limpeza das mesmas.

“The Caver” vê na pergunta a resposta. “É um pouco de cada um”, pois considera que a legalização pode ser uma boa solução para algumas paredes que de outra forma não se conseguem controlar mas, tal como Lara, crê que nunca se vai conseguir controlar totalmente este tipo de intervenção. Por fim, concorda que estes concursos podem diminuir o impacto interventivo do “graffiti”, mas que depende do artista passar uma mensagem coerente com o que acredita.

Para Kest, o exemplo desta “República das Bananas” ilustra o compromisso presente nestas paredes legalizadas. “A crítica que fazemos, se fosse mais direta, provavelmente não seria selecionada”, pondera. Levanta também o caráter contraditório desta abertura de entidades municipais: “Por um lado, estes murais são legalizados, por outro continuam a apagar uns ‘graffitis’ e outros não, portanto parece que seleccionam de alguma maneira, não sei bem qual”.

O artista plástico Paulo Jesus considera que, tal como o exemplo da curadoria no mundo da arte contemporânea, estas iniciativas publicas podem ser grandes oportunidades para os artistas se mostrarem, mas tem noção que, como em todas as áreas da sociedade, existe sempre algum “filtro” e pode ser difícil “entrar no mundo da arte” por esta via.

O Mural Coletivo da Restauração conta também com as intervenções de um artista espanhol. O projeto foi selecionado através de um concurso que recebeu 53 propostas. As seis criações inauguradas no passado sábado podem ser visitadas, durante um ano, na Rua da Restauração.

 

Artigo editado por Filipa Silva

Artigo corrigido às 15h54 do dia 21 de março de 2016 com as alterações das legendas do trabalho de “Dores de Fome”