Se leu já alguma notícia que lhe pareceu inacreditável, esteja atento porque pode mesmo ser mentira. O Dia das Mentiras é uma tradição à qual as redações e os jornalistas não escapam. A oportunidade perfeita para deixar a realidade de lado e dar largas à imaginação. Mas já foi mais assim.

Enquanto jornalista do JN, Jorge Vilas, conta ao JPN que escreveu uma “peta” para tentar enganar os leitores. “Fiz uma [notícia] relacionada com o Palácio de Cristal, já depois do 25 de abril, que anunciava que a Câmara do Porto (CMP) tinha deixado de cobrar taxas de entrada no Palácio”, contou.

Um dos repórteres fotográficos alinhou com Jorge na brincadeira: “Fez uma fotografia da entrada principal do edifício, que foi trabalhada de maneira a não mostrar os portões que estavam fechados”.

Quanto às repercussões da notícia, o jornalista refere que “algumas pessoas telefonaram lá para o jornal a dizer que ‘sim senhor, assim é que era bom'”. No entanto, no dia seguinte, a informação teve de ser desmentida.

Jorge Vilas afirma que na altura, “a cultura do Dia das Mentiras era muito firme na sociedade portuense”.

Joaquim Fidalgo foi Provedor do Leitor do jornal “Público”. Considera que as partidas do dia 1 de abril nos jornais são uma coisa de “jornalistas mais velhos”. Confessa que nunca achou muita piada, mas que esta “brincadeira” adotada pela comunicação social era utilizada como uma espécie de crítica social. “Às vezes falava-se sobre uma estrada que já não estava em obras ou uma ponte que se andava a querer há muito tempo”, descreve Joaquim Fidalgo.

O Provedor do Leitor não recorda qualquer queixa relativa a mentiras publicadas pelo “Público” a propósito deste dia, também porque acha que as falsas notícias eram feitas de forma a que o leitor percebesse que não seriam verdadeiras. “Era uma maneira de mandar uma piada mas deixar o rabo de fora”, afirma.

Ricardo Vasconcelos, jornalista do desportivo “Record”, confessa nunca ter escrito nenhuma falsa notícia. Esta prática é mais comum na redação principal, que se situa em Lisboa. Mas na redação do Porto, a curiosidade é muita: “aqui no Porto, há sempre muita curiosidade, ainda ontem estávamos todos a tentar adivinhar qual seria a mentira de hoje”.

O jornal de desporto “Record” é um dos que ainda entra na “brincadeira”. Ricardo vê esta como uma prática a cair em desuso, muito devido à economia atual. “Há uns anos atrás havia maior visibilidade, mas agora perdeu um pouco a importância. O papel está caro”, relembra o jornalista. Antigamente, as falsas notícias do dia 1 de abril poderiam até ser chamadas à primeira página, para as pessoas comentarem e tentarem desvendar a “mentira” do dia.

Apoiante desta brincadeira, o jornalista recorda algumas notícias, como a transferência do avançado Lima, na altura do Sporting de Braga para o Benfica. “Na altura, toda a gente se riu. O que é verdade é que acabou por se confirmar” mais tarde.

Falsas notícias que correram o mundo

Lá fora, a moda também passa pelos jornais e algumas manchetes ficaram para a posteridade. Em 1981, por exemplo, o “The Guardian” avançou que a meteorologia tinha sido dominada pelo ser humano, o que garantia um dia de sol radiante para o casamento de Carlos e Diana, que decorreu a 29 de julho desse ano, e previa chuvas diluvianas para as zonas menos fiéis à coroa.

O “Daily Mail” chegou a noticiar buscas por um atleta japonês, que participava na maratona de Londres e que teria confundido as 26 milhas da corrida com 26 dias.

Portugal também não escapa ao humor britânico. Em 2011, o diário “The Independent” quis pôr Ronaldo na seleção espanhola e anunciou que o jogador tinha sido vendido ao país vizinho por 160 milhões de euros.

Por cá, em 2013, a revista Exame Informática publicou que a Troika e o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, decidiram implementar mais medidas de austeridade, que passavam por descer a velocidade máxima de Internet no país para os 6 “megabites”, e por limitar os “downloads” a 50 “megabites” por dia. A Câmara de Lisboa (CML) já esteve para ser transferida para um hotel e o festival Eurovisão ia ser transmitido sem som.

Até os deputados do Parlamento já tiveram direito a uma pintura do artista surrealista Salvador Dali, enquanto que o médico Gentil Martins foi chamado ao Kremlin para tratar de Brejnev.

Autocarros de três pisos, a estadia de Bin Laden no Algarve e o alagamento do Centro Cultural de Belém (CCB) foram algumas das mentiras publicadas nos jornais que gostavam de manter a tradição do primeiro de abril.

A verdade da mentira

As origens deste dia remontam ao reinado de Carlos IX da França, entre 1560 e 1574. Na época, as comemorações do ano novo começavam a 25 de março, com o início da primavera, e prolongavam-se por cerca de uma semana, terminando assim no dia 1 de abril. No decorrer do ano 1562, o papa Gregório XIII instituiu um novo calendário – o gregoriano – segundo o qual o ano novo começaria a 1 de janeiro.

O rei Carlos IX demorou dois anos a seguir o decreto papal e, mesmo depois disso, a população francesa resistiu à mudança, mantendo as comemorações nas anteriores datas (de 25 de março a 1 de abril).

Os mais adeptos do anterior calendário – Juliano – começaram, então, a ridicularizar as novas datas, enviando presentes e convites para festas que, na realidade, não existiam.

A “brincadeira” acabou por se espalhar por todo o país e, cerca de 200 anos depois, foi levada para a Inglaterra e, mais tarde, para todo o mundo. Hoje, as partidas do dia 1 de abril ainda vigoram, mas não com o entusiasmo de outros dias.

 

Artigo editado por Filipa Silva