Há uma semana, o ciclismo chorou a morte de Antoine Demoitié. O JPN recorda outros casos, não tão graves mas que levantam as mesmas dúvidas sobre a segurança dos ciclistas. Delmino Pereira, Joaquim Gomes e Luiz Flores comentam.

Há exatamente uma semana, a clássica belga Gent-Wevelgem ficou marcada por alguns acidentes, mas o de Antoine Demoitié foi o mais grave. Quando passava Sainte-Marie-Cappel, no Norte de França, o belga caiu juntamente com três ciclistas e foi atropelado por uma moto oficial da organização, tendo sido transportado de imediato para o hospital de Nice, onde acabou por falecer.

Nos últimos anos, o caso de Antoine foi o único que acabou tragicamente. No entanto, vários incidentes com veículos de apoio e dos média têm forçado corredores de todo o mundo a desistir das provas.

Um dos raros casos onde tal não aconteceu data de 1999, no “Giro” de Itália. Giuseppe Guerini tinha acabado de fazer uma das subidas mais icónicas da história do ciclismo e estava perto de alcançar a vitória da sua carreira, quando um fotógrafo se atravessou à sua frente. A queda foi aparatosa, mas Guerini conseguiu levantar-se e não só terminou a prova, como ganhou a etapa.

Johnny Hoogerland não teve a mesma sorte. Na nona etapa do “Tour” de França em 2011, o ciclista holandês foi atropelado por um carro de um canal de televisão francês e esbarrou contra uma cerca de arame farpado, acabando por levar 33 pontos na perna. A equipa de Hoogerland ponderou mesmo processar o canal, que desrespeitou a ordem de ficar atrás dos veículos de apoio dos ciclistas e tentou ultrapassar o pelotão numa estrada estreita, tendo provocado o acidente. A organização da prova disse que não teve culpa do sucedido, uma vez que foi uma irresponsabilidade do motorista do carro.

Há também um português na lista dos afetados pelos meios de comunicação. Sérgio Paulinho foi abalroado por uma mota da televisão pouco depois do início da 11ª etapa da “Vuelta” de Espanha, em setembro de 2015, tendo levado 17 pontos na perna esquerda e abandonado a prova.

Na mesma edição da “Vuelta”, Peter Sagan foi também abalroado por uma mota da organização. O eslovaco envergava a camisola verde e preparava-se para tentar a sua segunda vitória quando, a oito quilómetros da chegada, foi tocado por uma mota e lançado para o asfalto. Sagan sofreu ferimentos e escoriações de primeiro e segundo grau mas ainda terminou a etapa. Contudo não voltou a arrancar no dia seguinte.

Já este ano, em fevereiro de 2016, Stig Broeckx também foi atropelado por uma mota na prova Kuurne-Bruxelas-Kuurne. O ciclista belga partiu a clavícula e foi levado para o hospital, tendo abandonado de imediato a corrida.

De quedas está o ciclismo cheio, mas a gravidade desportiva ou mesmo pessoal de algumas levanta invariavelmente dúvidas sobre se a segurança dos corredores está a ser devidamente acautelada.

“Precisamos de exigir mais junto dos condutores”

Em Portugal, não são conhecidos acidentes de grande gravidade provocados por veículos de apoio ou de média. Algo que Delmino Pereira, presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), atribui ao facto de “muitas das viaturas” estarem “devidamente regulamentadas”. “É preciso perceber a lógica do ciclismo. Todos os carros que lá estão, têm a sua missão. Tudo isto foi desenvolvido para garantir a segurança e a verdade desportiva. E pretendemos sempre evoluir neste sistema”, explica Delmino Pereira ao JPN.

A regulamentação associada aos veículos em prova tem, de facto, evoluído. O presidente da FPC assegura que nos últimos anos “o número de viaturas foi limitado”, em especial dos meios de comunicação. “No passado, os jornalistas podiam andar em prova, neste momento não. Apenas o fotógrafo oficial, um operador de camara, a Agência Lusa e ‘A Bola’ podem andar em motas da organização, e o condutor tem de estar filiado [na Federação] e apto para andar em prova”, esclarece.

Os “motards” que acompanham as provas “não têm formação específica”, mas Delmino Pereira garante que “a organização avalia as capacidades e os conhecimentos de ciclismo dos candidatos”, assim como “os anos de experiência” e “o número de voltas em que já participou”.

Contudo, o antigo ciclista admite que a solução para evitar este tipo de incidentes pode passar por condutores ainda mais experientes e uma nova redução do número de viaturas. “Todos ficamos indignados com o acidente que matou Antoine. Precisamos de exigir mais junto dos condutores das motas. Pode acontecer ao maior dos profissionais, até porque o condutor que o atropelou tinha anos de experiência, mas terão de ter maior tempo de acompanhamento antes da prova. Vamos continuar a procurar zelar pelos interesses dos atletas. Neste momento, se por questões de segurança for necessário diminuir ainda mais o número de viaturas, fá-lo-emos sem hesitar”, assegura o presidente da FPC ao JPN.

No entanto, a organização de cada prova pode abrir exceção a mais meios de comunicação, desde que estes se façam acompanhar por motards aprovados, segundo as condições enunciadas pelo presidente da Federação. É, por exemplo, o caso da RTP, que todos os anos acompanha de perto a Volta a Portugal.

“Os ciclistas não são prejudicados pelos média”

Luiz Flores, que acompanha a Volta a Portugal e o “Tour” de França há 24 edições, assegura que os motards que o transportam “são bastante experientes”, mas admite que “é muito difícil fazer com que tudo funcione a 100%”. “No meio daquela confusão toda, quando as estradas nem sempre são as melhores, mesmo com muita formação, mesmo com muito conhecimento, os acidentes acontecem. É uma situação em movimento, com muitos percalços pelo caminho”, explica ao JPN.

O jornalista e repórter de imagem da RTP acredita que “os ciclistas não são prejudicados pelos média”. “A distância de segurança que eles têm é bastante grande. Sabemos que não lhes podemos cortar a frente e não os podemos distrair. Não é chegar ali e pôr os carros e as motas. Aquilo tem normas e regras”, explica.

Luiz Flores garante mesmo que “nunca ninguém privilegiou uma fotografia em detrimento de uma pessoa”. “Não temos a ideia que a minha fotografia é mais importante do que a segurança daquele ciclista”, afirma.

Ex-ciclistas podem ajudar

Na Volta a Portugal de 1991, Joaquim Gomes foi também protagonista de um acidente com um veículo da organização. Hoje diretor da prova-rainha da competição velocipédica em Portugal, garante que o excesso de veículos é algo comum nas provas de ciclismo de estrada e que “são estritamente necessários” para o bom funcionamento e segurança da corrida.

“Independentemente deste grave acidente que infelizmente roubou a vida a um ciclista profissional ter acontecido por falta de atenção ou de responsabilidade do condutor, há algo que fica. Pelo menos nos próximos tempos todos nós vamos tentar reforçar a atenção a estes pormenores e tentar fazer com que estes acidentes possam ser evitados”, confessou Joaquim Gomes ao JPN.

E para tal, o diretor defende “a contratação de ex-ciclistas para a condução destes veículos”, que começariam “por escalões menos mediáticos, em que haja menos pressão quer desportiva, quer da presença de órgãos de comunicação social”, no sentido de “evitar que aconteçam duas provas: corrida de ciclismo e corrida de veículos de estrada”. Algo que, segundo Joaquim Gomes, já acontece na Volta a Portugal: “Uma percentagem muito grande de motoristas, quer de motas, quer de automóveis, está a cargo de ex-ciclistas”, garante.

Quanto aos meios de comunicação, Joaquim Gomes defende que “é importante promover a reportagem” porque é com ela que se consegue “um bom retorno da exposição das marcas”. Algo a ter em conta, uma vez que “são os patrocinadores que permitem colocar na estrada estes eventos”. “Deve-se reduzir ao máximo essa presença [dos meios de comunicação], sem condicionar a reportagem, o fenómeno da difusão da prova aos milhões de adeptos, e ao mesmo tempo proteger os atletas do elevado número de poluição a que são expostos”, refere ao JPN.

Para o diretor da Volta a Portugal em Bicicleta, o ciclismo é um desporto que envolve algum risco e os acidentes podem sempre acontecer. Contudo, deseja que estes “estejam completamente integrados em questões de sorte e azar” e nunca devido a “circunstâncias completamente aleatórias que nada tenham a ver com o saber estar ou com cuidados dos responsáveis dos veículos que circulam.”

Artigo editado por Filipa Silva