Depois de casos como o “LuxLeaks” e o “SwissLeaks”, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa) revelou mais uma investigação jornalística que expõe 11,5 milhões de documentos internos da firma de advogados Mossack Fonseca, sediada no Panamá.

Ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung foram revelados emails, contas bancárias, bases de dados, passaportes e registos de clientes de quase 215 mil sociedades criadas em “offshore” e com ligação a mais de 200 países. Quando o jornal alemão recebeu estes dados pediu ajuda ao consórcio e, ao longo de cerca de um ano, jornalistas de todo o mundo analisaram estes documentos.

As informações até ao momento divulgadas, no âmbito da investigação “Panama Papers“, serão apenas a ponta de um “iceberg” de um sistema de corrupção a nível global.

Fundação

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação é uma organização constituída, segundo os próprios, por cerca de 190 jornalistas, de mais de 65 países, que, em rede, colaboram para desvendar casos que precisam de uma profunda investigação jornalística.

O ICIJ foi fundado em 1997, pelo jornalista americano Chuck Lewis e é tutelado pelo Centro para a Integridade Pública para reforçar o papel do jornalismo fiscalizador, particularmente focado em questões transnacionais, como a criminalidade além-fronteiras, a corrupção e as influências de figuras poderosas no mundo dos negócios e da política. Atualmente, é dirigido por Gerard Ryle, um jornalista de investigação com 26 anos de carreira, dividido entre a Irlanda e a Austrália.

Comité Consultivo

O comité consultivo da organização é composto por referências da área como Bill Kovach, Rosental Alves, Phillip Knightley, Gwen Lister, Goenawan Mohamad, Reginald Chua e Brant Houston.

O Centro para a Integridade Pública disponibiliza um conjunto de especialistas em registos públicos, “fact-checkers” e advogados que, em conjunto com os repórteres e editores do ICIJ fornecem recursos em tempo real a jornalistas do mundo todo. Os jornalistas trabalham com os homólogos de outros países e com a equipa da sede, em Washington, para produzir conteúdos.

Ainda assim, os meios de comunicação enfrentam também uma falta de recursos. Muitas emissoras e jornais fecharam as delegações do exterior, cortaram orçamentos de viagens e dispensaram equipas de investigação. “Estamos a perder os nossos olhos e os nossos ouvidos em todo o mundo, precisamente quando mais precisamos deles”, pode ler-se no “site” do ICIJ.

Para além disso, tem-se assistido a constantes ameaças, prisões e mortes de jornalistas. No ano passado, 67 jornalistas foram mortos no exercício da sua profissão, de uma lista de 110 que perderam a vida em circunstâncias relacionadas com o trabalho, segundo dados da Organização Não-Governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Na última década, 787 profissionais foram mortos no contexto de trabalho.

Casos desvendados

Ao longo dos anos, as equipas do consórcio têm exposto nomes por trás de empresas “offshore” e paraísos fiscais. A denúncia de “offshores” ilícitas não é exclusiva do caso “Panama Papers”. Em abril de 2013, o ICIJ publicou uma lista de pessoas e de entidades com sociedades “offshore” ilícitas, que expôs as identidades de milhares de titulares de contas estrangeiras, incluindo a esposa de Igor Shuvalov, da esfera de influência do primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev.

Em janeiro de 2014, o ICIJ expôs a elite chinesa que desviaria dinheiro para paraísos fiscais “offshore”.

Em novembro de 2014, o consórcio revelou o “LuxLeaks,” um processo que inclui milhares de documentos que mostram a relação comprometedora do Luxembrugo com a evasão fiscal de mais de 300 empresas multinacionais, como a AIG, Amazon, Apple, IKEA, Pepsi, em países terceiros. Este caso envolveu Jean Claude-Juncker, o presidente da Comissão Europeia, que foi investigado na qualidade de antigo primeiro-ministro luxemburguês.

Em fevereiro do ano passado, a “Swiss Leaks” foi exposta. Um esquema de evasão fiscal, alegadamente protagonizado por clientes do banco suíço HSBC, num total a rondar os 119 mil milhões de dólares.

Para além de casos ligados à evasão fiscal, o ICIJ já desvendou casos de contrabando de tabaco em empresas multinacionais e divulgou detalhes de contratos de guerra do Iraque e do Afeganistão.

Tobacco Underground” é um projeto do consórcio, no qual durante 2000 e 2001, uma equipa de jornalistas decompôs uma série de histórias que expuseram a relação promíscua entre as principais empresas de tabaco internacionais e redes criminosas de contrabando de tabaco em todo o mundo.

O consórcio esmiuçou mais de 70 empresas e indivíduos americanos – mecenas das campanhas presidenciais de George W. Bush – que ganharam cerca de oito mil milhões de dólares em contratos de trabalho no Iraque e no Afeganistão, no pós-guerra, ao longo de dois anos.

Estas são algumas das descobertas que resultam da investigação concertada entre jornalistas de todo o mundo, conduzidas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. A investigação do caso “Panama Papers” contou com a participação, em Portugal, do semanário Expresso e da TVI.

Prémios

Os trabalhos do ICIJ têm sido premiados com os principais galardões da área jornalística: “George Polk Award”, “Overseas Press Club Award”, “John Oakes Award”, “Editor, Publisher Award, Society of Professional Journalists”, o “Investigative Reporters and Editors Award” e um “Pulitzer”.

O jornalista da CPI, Chris Hamby, ganhou o Prémio Pulitzer 2014 com a peça “Breathless and Burdened: Dying from Black Lung, Buried by Law and Medicine“, a história de médicos e advogados que trabalhavam para a indústria do carvão e que anulavam pedidos de benefícios para os trabalhadores das minas de carvão que tinham contraído uma doença pulmonar.

Quem financia?

O ICIJ é uma organização sem fins lucrativos e, de acordo com informações que constam no seu “site”, é financiado por mecenas e fundações como a Adessium Foundation, a Open Society Foundations, a David and Lucile Packard Foundation, o Sigrid Rausing Trust, a Fritt Ord Foundation, o Pulitzer Center on Crisis Reporting, a Ford Foundation, a Pew Charitable Trusts and Waterloo Foundation e por doações individuais.

 

Artigo editado por Sara Gerivaz e Filipa Silva