Nove dias passaram desde que o Tribunal de Luanda condenou os 17 ativistas a penas de dois a oito anos de prisão, pelos crimes de tentativa de rebelião e associação de malfeitores. O JPN faz agora um apanhado dos acontecimentos que mais marcaram o caso angolano desde 28 de março, data da condenação.

As mais recentes preocupações da Amnistia Internacional (AI) recaem sobre o estado de saúde de dois ativistas, Nito Alves e Nuno Dala, para quem pedem assistência médica imediata. Dala, académico e ativista de Direitos Humanos, cumpre esta quarta-feira o 28º dia de uma greve de fome. Sem conseguir ingerir líquidos, Dala terá pedido soro, que terá sido negado no hospital-prisão em que se encontra.

As informações, recolhidas pelos escritórios regionais da AI, originou uma ação de protesto. O objetivo da intervenção consiste em replicar uma mensagem de apelo a cuidados médicos na página de Facebook da Embaixada de Angola. De acordo com a AI, a Embaixada de Angola está a apagar as publicações e bloquear os utilizadores que as postam.

Dala reclama ainda o acesso à conta bancária e a outros bens que lhe foram retirados no momento da detenção.

Ativista escreve carta de suicídio e denuncia “violações aos direitos fundamentais”

As condições a que estão a ser alegadamente submetidos levaram a que Osvaldo Caholo, condenado a 4 anos e 6 meses de prisão, tenha escrito uma carta de suicídio. Preso no Estabelecimento Prisional de Calomboloca, Caholo ameaçou pôr termo à vida num futuro próximo, “em nome da fraqueza e do respeito pela dignidade humana”.

No documento de quatro páginas, que a própria mãe entregou ao jornal Voz da América (VOA), o único militar dos condenados descreveu aquilo que, no seu entender, têm constituído “violações aos direitos fundamentais”, salvaguardados pela Constituição.

A “falta de água e de banhos”, a alimentação “deficiente e sem horários”, a “colocação de necessidades fisiológicas em sacos de plásticos”, e os colchões que “nem para animais devem servir” são algumas das queixas do ativista. Caholo denuncia ainda a forma como os familiares estão a ser tratados, criticando as “autorizações de visitas a bel-prazer das autoridades”.

Em relação à conduta que as autoridades têm para com a família dos ativistas, a Amnistia Internacional reitera. Ana Monteiro, coordenadora de campanhas, falou ao JPN sobre as barreiras impostas aos familiares, durante as sessões de julgamento que constituíram, na ótica da AI, apenas “um dos muitos atentados aos direitos humanos”.

Ana Monteiro enumerou as “ilegalidades” que marcaram todas as etapas do caso, desde o contexto que levou ao momento da detenção e do excesso de dias de prisão preventiva, até ao processo de julgamento. Segundo a representante da Amnistia, os “observadores estrangeiros” foram impedidos de assistir ao julgamento e os jornalistas só puderam presenciar as sessões a partir do oitavo dia, sem gravar ou fotografar, sendo que esse registo pertenceu apenas à imprensa pública angolana.

Ana Monteiro criticou ainda a veiculação das notificações durante o processo, e a mudança de condenações nas alegações finais.

Manifestação a exigir libertação dos ativistas não se realizou

O “Movimento Revolucionário de Luanda”, do qual faziam parte os ativistas detidos em junho, organizou, na passada segunda-feira, em Benguela, uma manifestação que acabou por não se concretizar. Ao que a Lusa apurou, ainda que sem confirmação da Polícia Nacional de Angola, o protesto foi inviabilizado pelas autoridades policiais angolanas, que acabaram por deter dez participantes.

O objetivo da manifestação marcada para o dia que assinala o fim da guerra civil no país – 4 de abril -, era exigir a José Eduardo dos Santos a libertação dos ativistas condenados no dia 28 de março por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores.

Segundo a Lusa, o último protesto solidário convocado pelo “Movimento Revolucionário de Luanda”, a 30 de outubro, terminou com 18 detidos, condenados em tribunal a pagar uma multa pela distribuição de panfletos.

Esta terça-feira, foram tornadas públicas páginas de um caderno de Luaty Beirão, que terão sido escritas entre julho e novembro, durante o período em que esteve preso. No diário, Luaty lamenta que os “exemplos de honra, dignidade e decoro” estejam à mercê de “um bacanal de arbitrariedades e (graves) violações de direitos humanos elementares perpetuados por aqueles que deveriam ser os arautos da dignidade”.

O ativista luso-angolano acrescentou que “raros são os que se inibem de usar os seus pequenos poderes (deles abusando) para conseguir incrementar então os salários dos quais auferem”.

Petição da Amnistia Internacional já reúne 42 mil assinaturas

A petição pública da Amnistia Internacional, relativa ao pedido de libertação dos “presos de consciência”, conta já com 42 mil assinaturas desde que foi criada, “logo no início do processo”.

A petição atualizada consoante os desenvolvimentos. De acordo com Ana Monteiro, há ainda o cuidado de “enviar, semanalmente, a petição para todos os alvos, de modo a fazer pressão”.

A porta-voz da Amnistia considerou que “todo o julgamento foi uma afronta à justiça” e que “o sistema de justiça penal está a ser utilizado para silenciar as opiniões dissidentes”.

 

Artigo editado por Sara Gerivaz