Angola é o país africano com maior produção de petróleo e o país do mundo onde morrem mais crianças. Tem a cidade mais cara do mundo e a terceira mais suja de África. E, surpresa, são a mesma, Luanda.

De acordo com um relatório recente da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Angola é, a par da Nigéria, o país africano com maior produção petrolífera. Ainda assim, o Banco Mundial indicou, em 2009, que 70% da população vivia com menos de dois dólares por dia, e as Nações Unidas dizem que a taxa de mortalidade infantil do país é a mais alta do mundo.

Luanda é a cidade mais cara para expatriados. Na capital de Angola, o aluguer de um apartamento T2 custa em média por mês quase 5.800 euros, e uma refeição rápida cerca de 15. Os números foram divulgados em junho, no inquérito anual sobre custo de vida da consultora internacional “Mercer”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Luanda é a terceira cidade mais suja de África, produzindo diariamente uma média de três mil toneladas de lixo. A falta de uma central de tratamento de resíduos e de pontos de depósito de lixo suficientes juntam-se à redução do orçamento disponibilizado para a limpeza da capital. Sem dinheiro para pagar a várias empresas de recolha de resíduos, o trabalho concentra-se na Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda, que assume-se incapaz de fazer face às necessidades.

Ao pé do lixo e da doença, vive o luxo numa redoma, onde as casas sem saneamento básico contrastam com as casas alugadas por 25 mil dólares mensais. Numa reportagem da Pública, agência brasileira de jornalismo de investigação, surge Fernando Joaquim, antigo combatente da Guerra Colonial. Hoje sente a amargura de quem “lutou pela liberdade do país” e “trabalhou para bem de todos”, para que tudo lhe esteja a ser retirado. A casa foi-lhe destruída seis vezes para serem construídos empreendimentos de luxo. Enquanto aguarda a casa prometida há 10 anos pelo governo, vive num coberto com placas de zinco, num musseque (bairro de lata).

Como Fernando, mais 16 mil pessoas da população urbana viverão nessas condições, segundo uma estimativa de José Patrocínio, coordenador da ONG Omunga e ativista na defesa dos direitos humanos.

OMS: Angola tem “
a pior epidemia desde há 30 anos”

As montanhas de lixo que inundam as ruas de Luanda podem explicar a propagação daquela que é, segundo a OMS, “a pior epidemia desde há 30 anos”, a febre-amarela. De dezembro do ano passado até março, a doeça vitimou mortalmente 218 pessoas, dos 493 casos confirmados. A par do flagelo do lixo, a falta de saneamento, a falta de medicamentos nos hospitais – provocada pela crise financeira que o país está a atravessar – e as chuvas intensas, são alguns dos motivos que explicam a recente multiplicação dos casos. A OMS manifestou, esta segunda-feira, a necessidade de vacinar 19,3 milhões de angolanos de forma a travar a epidemia.

A guerra: “África é dos africanos”

O período de 27 anos de guerra civil em que Angola viveu, que separou os cinco séculos como colónia portuguesa e os 36 anos sob a égide de um sistema presidencialista, tornou Angola um campo de batalha da Guerra Fria.

Em 1961, começaram a surgir movimentos pró-independência, apoiados pela União Soviética e combatidos pelos Estados Unidos. Iniciada a Guerra da Independência de Angola, o país só viria a ter a ilusão de paz em 1974, quando o 25 de Abril prometia devolver “África aos Africanos”.

Daí em diante, o problema foi outro: a que africanos? Em 1975, os dois principais movimentos de libertação começaram uma guerra pelo poder: o Movimento Popular de Libertação de Angola  (MPLA), de influência marxista-leninista, liderado por Agostinho Neto, e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), anticomunista, liderada por Jonas Savimbi.

O MPLA, que já governava o país desde a independência, acabou por conseguir a vitória em 2002, já Neto tinha morrido e já José Eduardo dos Santos o tinha sucedido no cargo.  Desde 1979 até à atualidade, o líder do partido é o presidente de Angola, tendo sido eleito em 2012 para um mandato com término no próximo ano. Dos Santos já declarou que se vai ausentar da vida política ativa em 2018.

A guerra civil causou mais de 500 mil mortes e obrigou à deslocação no território de mais de um milhão de pessoas.

O Hip Hop como crítica social

A mudança de paradigma na realidade angolana não pôs fim à opressão. Quando, em 2003, um lavador de carros foi preso e executado pela Guarda Prisional por cantar um rap reivindicativo – denunciou o “Maka Angola” de Rafael Marques -, o descontentamento social intensificou-se.

“Rappers” que nunca poderiam transmitir a sua música na Rádio Nacional de Angola foram forçados a desenvolver outros métodos de distribuição. Começaram a surgir rádios-pirata, e aumentou o recurso à Internet, a vendedores ilegais, a “pens” e CD. Os “candongueiros” (taxis) começaram a ser usados como forma de difundir mensagens de descontentamento pelos passageiros estrangeiros.

Em 2011, surgiu o Movimento Revolucionário de Angola, formado pelos ativistas detidos em junho, entre muitos outros que continuam a marcar protestos. Por norma, quando há ações de rua contra o poder instaurado, acontecem em simultâneo contra-manifestações “organizadas pela JMPLA” que pretendem abafar os protestos. Ao que apurou o jornal “O País”, as manifestações são marcadas por  “violência policial” e pela detenção de manifestantes e de jornalistas que não pertençam à imprensa pública. Numa dessas manifestações, em novembro de 2014, Laurinda Gouveia, condenada na semana passada a quatro anos e seis meses de prisão, disse ter sido gravemente torturada e verbalmente violentada.

De acordo com a entrevista que deu à Pública e com fotografias que a própria apresentou, Laurinda alegou ter sido espancada durante quatro horas seguidas por comandantes do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado.

Os jovens que se conheceram por irem às mesmas ações de rua acabaram por formar espaços de debate, frequentados pelo ativista e jornalista angolano Rafael Marques, e “outro tipo de infraestruturas” para veicular a informação de forma mais “organizada e credível”. O músico Luaty Beirão foi um dos jovens que quis mostrar não ser só “um maluquinho numa manifestação ou duas” e que acreditava que podia replicar a Primavera Árabe no seu país.

A conexão entre o hip hop e a consciência social fez com que o diretor da Human Rights Foundation pedisse a Nicki Minaj que cancelasse o concerto para a família do Presidente, como forma de protesto pela prisão dos ativistas. A cantora não acedeu ao pedido e elogiou o poderio de Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos.

No país da mulher mais rica do mundo, as disparidades são enormes. E é contra essas disparidades que tanta gente tem vindo a lutar. Os que contestam Eduardo dos Santos falam em desaparecidos e noutros agredidos até à morte. E há os que estão presos por lerem e debaterem um livro.

Pouco mais de uma semana depois da condenação dos 17 ativistas angolanos, o país volta aos jornais do mundo, desta vez por causa de um pedido de apoio ao FMI. O governo do país garante que não está em situação de resgate financeiro, mas a pedir assistência técnica para diversificar a economia.