Dias depois do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, ter pedido esclarecimentos sobre a alegada discriminação sexual praticada no Colégio Militar, o Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME) demitiu-se.

Ao final da tarde desta quinta-feira, o general Carlos Jerónimo apresentou o pedido de demissão a Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas. Em comunicado, a Presidência adiantou que “aceitou o pedido de exoneração” do CEME, “tendo agradecido os relevantes serviços prestados ao País”.

Ao JPN, o porta-voz do Exército garantiu que as razões evocadas junto do Presidente foram “de índole pessoal”, não comentando uma possível ligação à polémica.

Na sequência da aprovação do Presidente da República, o Ministério da Defesa comunicou que “foram iniciados pelo Governo os procedimentos adequados com vista à nomeação de um novo Chefe do Estado-Maior do Exército” conforme indica a lei, manifestando “apreço e consideração, pessoal e profissional” pelo general.

O Colégio Militar foi, recentemente, alvo de críticas. A polémica começou com uma reportagem do Observador, na qual o subdiretor, António Grilo, afirmou que quando um aluno se assumia homossexual, o colégio convocava o encarregado de educação para que lhe transmitir que o aluno teria acabado “de perder espaço de convivência interna” e a partir daí teria “grandes dificuldades de relacionamento com os pares”, pois seria “excluído”.

“O ministro tomou uma posição sensata e responsável”

Aquando da demissão do Chefe de Estado-Maior, o Bloco de Esquerda (BE) avançou com um requerimento para ouvir o general no Parlamento.

João Vasconcelos, que subscreveu o documento juntamente com o deputado Pedro Filipe Soares, garante que o objetivo é “apurar responsabilidades” e conseguir resposta a “quatro questões fundamentais”. “Queremos perceber se a hierarquia militar sabia desta discriminação, se era essa a orientação da tutela militar, se já se tinham registado casos desta discriminação e se houve medidas para combatê-la”, esclarece o deputado do BE ao JPN.

A aprovação do requerimento é votada no início da próxima semana. Se for provado que a discriminação existe, o bloco ainda não prevê nenhuma medida, salientando que “quer ir por partes”. “A igualdade de direitos é uma questão que prezamos. Vamos esperar pelas declarações dele”, afirma o deputado.

João Vasconcelos salientou ainda a posição do ministro, que para o deputado “agiu muito bem”. “O ministro tomou uma posição sensata e responsável ao pedir de imediato todos os esclarecimentos necessários. Não podemos permitir este tipo de discriminação”, afirma João Vasconcelos.

“O ministro foi fraco”

André Pardal, aluno do Colégio Militar entre 1992 e 2000, tem uma opinião contrária à de João Vasconcelos. “O general esteve muito bem, mas o ministro não soube estar à altura do seu cargo”, afirma.

O deputado do PSD entre 2013 e 2015 assegura que o ministro “pediu explicações ao Chefe de Estado-Maior e nem sequer deu tempo para que houvesse essas explicações”. “O poder politico não protegeu a chefia militar. O ministro foi fraco e esteve refém do Bloco de Esquerda. Deveria ter percebido o que se passou, algo que não acontece num dia ou dois, e deveria ter dado uma explicação lógica para não alarmar a sociedade”, refere André Pardal ao JPN.

Para o antigo aluno, “o Colégio Militar nunca discriminou ninguém”, até porque “tem como princípio fundamental a camaradagem”. No entanto, considera que “o facto de ser internato faz com que a convivência seja permanente” e que isso “pode trazer alguns constrangimentos para o aluno que se assume e para os colegas”, que “têm de partilhar banhos, aulas e dormidas”.

É com o objetivo de “proteger os alunos” e “evitar esses constrangimentos” que André Pardal justifica o facto de o colégio reunir com os encarregados de educação do aluno e “convidá-lo a sair”. Ao JPN, salienta ainda que “quando os alunos optam por ficar, o colégio não se opõe”, mas que muitas vezes “acabam por sair depois, voluntariamente, porque não se enquadram no espírito”.

André Pardal não tem conhecimento se o colégio, ao invés de convidar o aluno a sair, alguma vez optou por tomar medidas contra a discriminação entre colegas. Contudo, o antigo aluno considera “difícil avaliar que tipo de medidas é que se devem tomar num regime de internato para controlar discriminação”.

“A atitude do ministro é reprovável”

O coronel Manuel Cracel, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), considera que “a demissão do Chefe de Estado-Maior verifica-se num contexto muito estranho”, não confirmando a possível ligação à polémica em torno do colégio.

“Estranhamos a forma como o processo foi conduzido. Claro que lamentamos a afirmação do subdiretor. Nós, militares, juramos guardar e fazer guardar a Constituição, não faria sentido que nós déssemos avença a certas atitudes contra a Constituição. No entanto, são situações que podem ser corrigidas, não é preciso fazer este espetáculo à volta do acontecimento”, refere Manuel Cracel ao JPN.

Para o presidente da OAFA,  Azeredo Lopes “poderia ter tratado do assunto de uma forma discreta”, alterando “os procedimentos e comportamentos de modo a equiparar a realidade com a Constituição da República”.

“Não se percebe como é que o ministro vem para a praça publica tecer considerações, em jeito de puxão de orelhas. Muito menos sobre um homem que tem uma estima enorme por todos os comandos e não merecia ser tratado com esta desconsideração”, afirma o coronel.

Manuel Cracel vai mais longe: “O comportamento do ministro foi reprovável e demonstrou falta de consideração pelos militares, pelo Chefe de Estado-Maior e por todas as forças militares, um pilar fundamental do Estado”.

 

Artigo editado por Sara Gerivaz