O auditório da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) estava longe de estar cheio, mas nem por isso a plateia se inibiu. Na altura de falar, uma espectadora do debate sobre violência no namoro, que se realizou na quarta-feira, partilhou que acredita que a sociedade culpabiliza fatores externos pela violência. “Quer seja no namoro, na família, ou entre pares a violência existe e precisa de ser identificada pelo indivíduo e que o próprio chame a si o poder de escolher não ser violento”, sugere.

Feminista e doutorada em Sociologia, Ana Matos foi uma das oradoras do debate. É mais conhecida como Capicua, o nome artístico com o qual assume as suas canções, nas quais também já abordou temas como a violência.

Ana Matos quis deixar bem presente que o tema em discussão não era apenas um “fait-diver”, afirmando que se “tratam de vidas, das vidas das pessoas e, em muitos casos, na morte das pessoas, sobretudo de mulheres”.

“Eu que faço música e cresci a fazer ‘graffiti’, no associativismo e a alimentar um partido de esquerda e tudo o mais, sentia que, na maior parte das vezes, quem me acompanhava eram só rapazes”, relembra a “rapper”. Capicua quis deixar presente que considera a sociedade atual “automatizada” para as “meninas serem meninas e gostarem de maquilhagem e roupas e namoricos” e os rapazes não se preocuparem tanto com isso.

Durante a sessão, foram citados provérbios da língua portuguesa que, segundo Marlene Matos, professora e investigadora na área da violência, podem desculpabilizar socialmente a violência no namoro. “Amor com amor se paga” ou “Amores arrufados, amores dobrados” são alguns exemplos.

Ainda no contexto dos provérbios populares, a professora abordou o crime publico que é a violência doméstica. “Entre marido e mulher não se mete a colher já não é verdade. O crime é publico e isso significa que pode ser denunciado por qualquer pessoa”, o que ao olhar da investigadora muda todo o panorama.

Estudos

Num estudo realizado a adolescentes, foi colocada a questão “Já alguma vez te fizeram (…)?”. Mas o questionário foi mais longe. Neste estudo não se procuraram só as vítimas. Também os perpetradores. O estudo concluiu que 30% dos adolescentes já praticou atos de violência para com os parceiros.

A rapper do Porto, durante o seu discurso, abordou a necessidade de aprovação masculina, por parte da maioria das mulheres, especialmente em idade jovem, culpabilizando a sociedade e prevendo essa como uma das causas para a violência: “Eu acho que isto não é culpa das mulheres, é uma culpa coletiva”.

O debate contou também com a exibição de um vídeo onde crianças do sexo masculino eram abordadas para, inicialmente, fazer “um carinho” a uma colega do sexo feminino e depois era-lhes pedido que lhe dessem “um estalo”. O que acontecia era que as crianças aceitavam fazer o carinho, mas recusavam dar o estalo.

A investigadora Marlene Matos vê este como um sinal de mudança das novas gerações, no entanto, a autora de estudos sobre o tema em debate, concluiu que a violência no namoro foi um dos preditores da violência doméstica. “Muitos dos casais nos quais existe violência, quando se puxa a fita atrás, a violência já estava lá, mas não foi significada como tal”, confirma.