É em Miragaia que João Vieira Andrade passa parte dos seus dias. É voluntário na Associação de Veteranos de Guerra do Porto e viveu o 25 de Abril de 1974 com o entusiasmo com que muitos portugueses o viveram. Tinha 28 anos e já tinha passado pela guerra colonial.

“O 25 de Abril foi bom para acabar com a matança da guerra”, conta ao JPN o reformado de 70 anos. Os dias que se seguiram à Revolução já estão longe na memória, mas João recorda que foi nessa altura que “veio a liberdade, veio a democracia”.

Na Escola Secundária Rodrigues de Freitas, em Cedofeita, ouve-se a campainha a tocar. Muitas raparigas descem as escadas em direção à saída. Na escola, que já foi só de rapazes, trabalha Laurinda Nogueira. É chefe da secretaria e já ali trabalhava à época da Revolução. Os dias que se seguiram foram de “atitudes fortes e extravagantes” por parte dos estudantes.

Laurinda Nogueira já trabalhava na Escola Secundária Rodrigues de Freitas e assistiu à agitação da escola nos dias a seguir à revolução dos cravos

Laurinda Nogueira já trabalhava na Escola Secundária Rodrigues de Freitas e assistiu à agitação da escola nos dias a seguir à Revolução dos cravos Foto: Catarina Andrade

“Os alunos começaram a querer sanear alguns professores, faziam muitas reuniões gerais de alunos, interrompiam as aulas”, recorda Laurinda. “Nos primeiros tempos, também começaram a formar-se aqueles partidos políticos, até tinham umas banquinhas onde vendiam umas coisas alusivas aos partidos, havia todas as correntes políticas”, explica a funcionária da escola que tinha 23 anos na altura.

A agitação foi tal na escola que houve necessidade de intervenção. “Tivemos uma altura em que os militares do COPCON vinham para aqui para pôr um bocado mais de calma aos alunos porque eles tinham atitudes fortes e extravagantes”, conta Laurinda.

 

“Como um pássaro que sai de uma gaiola”

Não foi só nas escolas que as pessoas se revoltaram e mudaram de atitude. As mulheres também o fizeram. Maria José Ribeiro foi presa três vezes pela PIDE durante o Estado Novo. Trabalhava numa empresa de seguros e acidentes de trabalho e, aquilo que lhe chamou mais a atenção no pós-25 de Abril, foi “a reação das mulheres”.

“As mulheres de todas as classes começaram a levantar a cabeça e a ir para a rua”, lembra Maria José. “As primeiras eleições depois do 25 de Abril foram em 75 e foi uma coisa incontável, as mulheres foram todas votar. Eram cidadãs. As mulheres portuguesas conquistaram a rua”, remata.

Para quem esteve preso, “esta data tem um significado especial”. Mas Maria José realça que também tem “para toda a gente”. Conta que não sentiu muita diferença no que diz respeito ao que podia ou não dizer:“Eu trabalhava numa empresa que tinha um ambiente muito respeitador. Tínhamos que ter cuidado, mas havia uma forma de estar um bocadinho diferente. E, portanto, quando passou o 25 de Abril havia gente que ainda olhava para o lado antes de falar, mas eu não me lembro [de ter cuidado para falar]”.

Sobre o que aconteceu nas escolas, Laurinda Nogueira conta com um brilho nos olhos: “Acho que foi muito interessante porque eles estavam aqui todos muito fechadinhos com medo de falar e, de repente, é quase como um pássaro que sai de uma gaiola”.

Hoje “está-se pior do que antigamente”

João Vieira Andrade é voluntário na Associação de Veteranos de Guerra do Porto e vê aspetos positivos e negativos na revolução do 25 de abril

João Vieira Andrade é voluntário na Associação de Veteranos de Guerra do Porto e vê aspetos positivos e negativos na Revolução do 25 de Abril Foto: Catarina Andrade

Apesar da “liberdade” que se respirou, João Vieira Andrade desabafa que “aquilo que se esperava não aconteceu”. “Aconteceu, mas foi só para meia dúzia de gente”, continua.

Para o ex-combatente, nos dias de hoje “pode-se dizer o que se quer, mas está-se pior do que antigamente”. “Antigamente a juventude tinha trabalho, agora não tem”, remata.

Laurinda Nogueira também vê, nos dias de hoje, coisas que não correspondem às expectativas daquele tempo. “Eu acho que ao longo dos anos, eles [os alunos] foram perdendo interesse pela política”, explica a chefe de secretaria. “Raramente ouço um miúdo a falar-me sobre o país, não vejo muito interesse. É isso que me faz muita pena”, lamenta. “Acho os miúdos muito parados, demasiado parados para o meu gosto”, conclui Laurinda.