Numa altura em que o mandato de Ban Ki-moon está a chegar ao fim, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa convidou o Secretário-Geral das Nações Unidas para uma visita de despedida a Portugal, ocasião que terá sido aproveitada para promover a candidatura de António Guterres ao cargo de Secretário-Geral da ONU.

Ban Ki-moon termina o mandato no final deste ano e o JPN aproveitou a sua visita para fazer um balanço do legado que deixará na Organização das Nações Unidas (ONU) e dos 10 momentos mais marcantes do seu mandato.

Uma década de crises económicas e sociais, conflitos armados e também escândalos de abuso de poder que o JPN revisita numa viagem da atualidade para o passado recente.

1. Crise dos Refugiados 

Atualmente, a crise dos refugiados é um dos assuntos prioritários da ONU, tendo em conta que é considerada a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Os milhares de migrantes, provenientes maioritariamente do Médio Oriente, África e Ásia tentam chegar à Europa em busca de melhores condições de vida.

Em 2015, o fluxo migratório atingiu níveis alarmantes, pois registou-se um aumento exponencial de refugiados a solicitarem asilo na Europa. Estas pessoas fogem dos seus países devido a conflitos, catástrofes, fome, violação dos direitos humanos e guerras como, por exemplo, a guerra na Síria.

refugiadosNo início desta semana, a ONU anunciou que pretende reinstalar anualmente 10% dos refugiados. Ban Ki-moon, propôs um novo “pacto global sobre partilha de responsabilidade” para enfrentar a crise dos 60 milhões de refugiados e deslocados em todo o mundo. O plano do Secretário-Geral das Nações Unidas pretende pressionar mais os países para acolherem os migrantes, de forma a aliviar alguns países em desenvolvimento.

De acordo com o relatório da ONU, a resposta mundial para combater a crise dos refugiados tem sido inadequada e é necessário garantir os direitos humanos, a segurança e a dignidade dos migrantes.

Ban Ki-moon afirmou que a reunião de Alto-Nível sobre o Movimento de Migrantes e Refugiados, que se realiza a 19 de setembro, será uma “oportunidade única” para os líderes mundiais debaterem a questão. Para o chefe da ONU, “os Estados-membros devem encontrar uma forma eficaz de proteger as suas fronteiras e ao mesmo tempo proteger os direitos humanos de todos os migrantes e refugiados”.

Durante a visita a Portugal, Ban Ki-moon destacou ainda que mais do que “uma crise de refugiados, há uma crise de solidariedade”.

2. Ameaça terrorista

O Estado Islâmico e os ataques terroristas têm deixado todo o Mundo em alarme. Em 2015, a ONU autorizou, após os atentados de 13 de novembro em Paris, que todos os países com capacidade tomassem “todas as medidas necessárias” para combater o EI e os grupos ligados à Al-Qaeda, na Síria e no Iraque. Apesar desta resolução não invocar o artigo que autoriza o uso da força, deu apoio político internacional para combater o grupo extremista.

isisDe acordo com a ONU, atualmente o Daesh tem perdido algum terreno no Iraque e na Síria, o que não significa que se possa subestimar a ameaça.

Em janeiro deste ano, o chefe da ONU apresentou o seu Plano de Ação para Prevenir o Extremismo Violento que conta com 70 recomendações para conter a propagação dos grupos terroristas. Ban Ki-moon alertou que o grupo jihadista “está a propagar-se como um cancro” por todo o mundo e apelou aos estados para aplicarem políticas nacionais assentes nas cerca de 70 recomendações deste plano de ação.

3. Escândalos sexuais na República Centro-Africana 

Ao longo do mandato de Ban Ki-moon, a ONU tem enfrentado diversos escândalos sexuais. Os capacetes azuis são acusados de abusarem sexualmente de jovens e crianças na República Centro-Africana.

Em 2014, uma menina de sete anos e um menino de nove relataram terem sido vítimas de abusos sexuais cometidos por membros das tropas francesas.

rca aljazeeraEm janeiro deste ano, a ONU denunciou um novo escândalo sexual que envolveu uma menina que foi obrigada a ter atos sexuais em troca de água e biscoitos pelas tropas da organização. Recentemente, surgiram novas acusações que podem elevar a 26 o número de casos de abusos sexuais perpetrados por forças de paz da ONU. As vítimas seriam quatro jovens submetidas a exploração sexual em Bangui, por três soldados de diferentes nacionalidades.

A ONU já anunciou a abertura de uma investigação sobre as acusações.

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, aconselhou os países membros das missões, a punirem severamente os casos de abusos sexuais.

Os escândalos sexuais por parte dos capacetes azuis diminuem drasticamente a credibilidade das Nações Unidas e a confiança que as populações depositam na ONU.

4. Guerra no norte do Mali

O conflito no norte do Mali começou em 2012, devido a uma rebelião separatista contra o governo do país que foi levada a cabo, inicialmente, pelo Movimento Nacional de Libertação do Azauade (MNLA). Após um golpe de Estado que resultou na deposição do presidente Amadou Toumani Touré, a instabilidade prossegue desde que o norte foi ocupado por milícias islâmicas, algumas ligadas à Al Qaeda.

maliApesar das milícias terem sido expulsas por uma operação militar das tropas francesas, a violência continua. Em 2015, foi efetuado um ataque contra um acampamento da ONU em Kidal que matou pelo menos cinco membros das forças da paz.

Em 2016, um acordo de paz chegou a ser assinado entre o governo do Mali e grupos armados, entre os quais rebeldes tuaregues. No entanto, o conflito armado continua.
Ban Ki-moon afirmou que os ataques constituem crimes de guerra sob direito internacional. Contudo, de acordo com o Secretário-Geral, estes atentados não vão fazer com que a ONU deixe de apoiar a retoma da estabilidade.

Esta é uma das missões de paz na qual mais membros da ONU morreram.

5. Crise política e humanitária no Sudão do Sul

O Sudão do Sul tornou-se um estado independente durante o mandato de Ban Ki-moon, em 2011, bem como um estado-membro das Nações Unidas.

O conflito no Sudão do Sul começou em 2013, e envolveu duas fações do exército sudanês, que se dividiu devido à rivalidade entre o presidente Salva Kiir e o ex-vice-presidente Riek Mashar. A guerra foi motivada por um conflito político-étnico e já resultou em milhares de mortos e mais de dois milhões de deslocados.

A crise humanitária do país foi considerada, este ano, pela ONU “uma das mais horrendas do mundo”. Os civis são vítimas de esquartejamentos, enforcamentos e violações sexuais coletivas. Os crimes são cometidos maioritariamente por forças do governo contra civis que estão a favor de grupos da oposição.

sudao sulRecentemente, Riek Machar regressou ao país e tomou posse como primeiro vice-presidente do governo de unidade nacional. Este progresso político foi elogiado por Ban Ki-moon. Contudo, as Nações Unidas afirmaram que sem justiça e reconciliação não será possível a “cura das feridas novas e antigas do conflito sul-sudanês”, particularmente se não for abordada a impunidade.

Existem ainda restrições impostas pelo governo à mobilidade da Missão da ONU no terreno do Sudão do Sul, o que impede a assistência humanitária de auxiliar algumas pessoas que necessitam de ajuda.

O Sudão do Sul continua a ser considerado um dos países mais pobres do mundo e regista elevadas taxas de mortalidade infantil, tendo em conta que a fome e desnutrição infantil alcançam níveis alarmantes.

6. Guerra Civil na Líbia

Em 2011, rebentou uma Guerra Civil na Líbia que resultou na queda do regime ditatorial de Muammar Kadhafi. Nesta altura, a ONU criou uma Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia (UNSMIL) para garantir a transição para a democracia, a promoção do Estado de Direito e a proteção dos direitos humanos.

Em 2014, uma aliança de milícias apoderou-se de Tripoli e forçou o Governo a refugiar-se na parte leste do país. O autoproclamado Estado Islâmico promoveu a instabilidade e implantou-se no país.

libiaDevido a questões de segurança, o emissário das Nações Unidas para a Líbia, Martin Kobler, abandonou o país, que enfrenta uma crescente ameaça terrorista de grupos leais ao Estado Islâmico ou afiliados à Al-Qaeda.

Em 2016, o emissário das Nações Unidas para a Líbia anunciou o regresso da missão de apoio e foi criado um governo de unidade nacional apoiado pela ONU para tentar unificar o país e combater as ameaças terroristas.

7. Guerra no Iraque

A guerra no Iraque, por sua vez, começou em 2003, com a invasão dos EUA e prolonga-se até aos dias de hoje. Aquando do começo da guerra, a ONU criou uma Missão de Assistência das Nações Unidas no Iraque (UNAMI), com o objetivo de oferecer ajuda humanitária.

Nesse mesmo ano, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o brasileiro Sérgio Vieira de Melo, é morto na sede local da ONU, em Bagdade, juntamente com outras 21 pessoas, num atentado cuja autoria foi reclamada pela Al Qaeda.

iraqueAs tropas americanas permanceram em território iraquiano em força até 2011, altura em que se inicia uma nova fase de hostilidades com o governo iraquiano a lutar contra grupos extremistas, nomeadamente organizações jihadistas, o que levou a que os Estados Unidos voltassem a bombardear o país em 2014.

Em 2013, as Nações Unidas retiraram oficialmente as sanções que tinham sido aplicadas ao país desde a época de Saddam Hussein e deram ao país a possibilidade de começar legalmente um programa nuclear civil, de assinar acordos internacionais de armas químicas e nucleares e encerraram oficialmente o programa “Oil-for-food”.

Em 2015, o Conselho de Segurança prolongou a UNAMI por mais um ano, tendo em conta a violação dos direitos humanos e a violência dos confrontos armados no país, devido ao controle do Estado Islâmico no Iraque e do Levante (ISIL) nalgumas regiões.

8. Guerra no Afeganistão

A guerra no Afeganistão iniciou-se em 2001, com a invasão do país pelos americanos. Apesar das Nações Unidas não terem autorizado a invasão, o objetivo dos EUA, juntamente com a Aliança do Norte e outros países ocidentais, era encontrar Osama bin Laden, destruir a Al-Qaeda e tirar o regime talibã do poder.

afeganistaoEm 2009, os talibãs atacaram a casa de hóspedes da ONU em Cabul, o que resultou na morte de 13 pessoas, incluindo seis funcionários da ONU. A Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA), missão política da ONU criada a pedido do governo afegão, condenou o ataque e reafirmou a constante ajuda ao país no estabelecimento da paz e do desenvolvimento. Ban Ki-moon afirmou ainda que as Nações Unidas continuarão “a estar ao lado do povo afegão, na sua procura de estabilidade e de paz”.

Em 2011, as forças especiais dos Estados Unidos mataram o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, durante uma operação na cidade paquistanesa de Abbottabad. O Secretário-Geral da ONU saudou a morte de bin Laden e afirmou que foi um “divisor de águas” na luta contra o terrorismo.

No entanto, o conflito não abrandou e registou-se uma forte ofensiva talibã em todo o país, sendo que os atentados terroristas têm provocado milhares de mortos no país. Estima-se que mais de quinze mil pessoas morreram em 2015 na guerra do Afeganistão, o que se poderá dever à retirada das tropas estrangeiras do país.

9. Conflitos na República Democrática do Congo 

A guerra na República Democrática do Congo iniciou-se em 1997. Apesar do fim do conflito ter sido declarado oficialmente em 2003, o país continua a ser alvo de diversos confrontos.

Embora tenha sido celebrado um acordo entre as partes beligerantes para ser criado um governo de unidade nacional, continuam a existir diversos problemas no país como a subnutrição, várias doenças e as atrocidades sexuais de que as mulheres são alvo.

congoEm 2013, as forças da ONU no país, lideradas pelo general brasileiro Carlos Alberto Cruz, usaram pela primeira vez a força militar com perfil ofensivo de larga escala contra os rebeldes. Esta missão tornou-se histórica porque o Conselho de Segurança deu uma autorização sem precedentes para que as tropas recebessem armamento pesado e lançassem ofensivas contra os grupos rebeldes.

A instabilidade política e a repressão relacionada com o processo eleitoral que tem data de fim prevista para novembro deste ano com a eleição presidencial, têm preocupado as organizações internacionais. O processo eleitoral tem sido marcado por execuções sumárias, ameaças de morte, detenções arbitrárias, abuso de poder por parte das forças de segurança e restrições à liberdade de expressão.

Em março deste ano, o Conselho de Segurança estendeu o mandato da Missão das Nações Unidas de Estabilização da República Democrática do Congo (MONUSCO), que tem como objetivo proteger os civis, nomeadamente as mulheres e crianças da exploração sexual.

No entanto, as forças congolesas  e a própria ONU têm colocado em risco a confiança da população, tendo em conta que soldados das Nações Unidas estiveram relacionados com escândalos sexuais, nos quais exigiam favores sexuais em troca de alimentos.

10. Conflito Israelo-Palestiniano

As raízes do conflito israelo-palestiniano remontam aos fins do século XIX, no entanto, este é um conflito que parece não ter fim à vista. Os confrontos entre israelitas e palestinianos devem-se, entre outros aspetos, ao facto de tanto Israel como a Palestina considerarem o território de Jerusalém sua propriedade.

Em 2012, a ONU reconheceu a Palestina como um “Estado observador não membro”, deixando de ser apenas uma “entidade” observadora, o que permitiu aos palestinianos a sua participação em debates da Assembleia Geral. Quase 70% dos membros da Assembleia Geral da ONU reconhecem a Palestina como um Estado.

palestinaDepois de um período mais tranquilo, a violência entre israelitas e palestinianos reacendeu após confrontos em setembro de 2015 na mesquita de Al-Aqsa, local sagrado para os muçulmanos em Jerusalém e devido ainda a confrontos na Cisjordânia.

Em abril do presente ano, Ban Ki-moon avaliou a conjuntura do Médio Oriente e afirmou que não acredita que as negociações em prol de uma solução de dois Estados estejam próximas de uma conclusão e que o estabelecimento de paz entre Israel e a Palestina está “mais distante do que nunca”.

A ONU é acusada de não agir devidamente no estabelecimento da ordem e paz, no entanto, a sua falta de ação pode dever-se ao facto dos EUA terem assumido unilateralmente o papel de mediadores.

 

Artigo editado por Filipa Silva