“Não há jornalismo desportivo, há jornalismo”. Foi assim que Fernando Eurico iniciou a sua intervenção, na quarta-feira, na palestra “Comunicação, Desporto e Sociedade”, organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (AEFLUP) no Pólo de Ciências da Comunicação da UP. Para o jornalista da Antena 1 e colaborador na Sport TV, mais importante do que falar sobre o seu percurso é refletir sobre a menorização dos jornalistas da área desportiva.

João Ricardo Pateiro, jornalista na TSF e colaborador na Sport TV e n’O Jogo, concordou e acrescentou que o importante é não menosprezar “uma área que é tão válida como qualquer outra área”. Os dois jornalistas afirmaram que o jornalista desportivo pode cobrir tanto um jogo, como um incêndio ou um congresso, mas o mesmo não acontece se pedirem a um colega para relatar um jogo.

Fernando Eurico sublinhou que uma notícia será sempre uma notícia e “o relato de futebol são 90 minutos de atualização de uma notícia”, uma parte “extremamente difícil e extremamente exigente” dentro do jornalismo desportivo.

E a parte da emoção? Essa é, para o jornalista da Antena 1, a parte mais difícil. Por isso, “fazer um relato de futebol é tremendo” porque a barreira entre a razão e a emoção é extremamente ténue. Até porque, para um grande universo, o golo de um jogador do FC Porto terá mais impacto do que um do Arouca – é natural que o golo pareça mais emotivo ou espetacular no primeiro caso.

Fernando Eurico também iniciou um dos tópicos mais transversais a toda a palestra: as diferenças do relato de futebol na rádio e na televisão. Os tipos de linguagem e enquadramentos são diferentes, por isso a postura difere nos dois meios.

O também colaborador da Sport TV defendeu que a rádio é “imaginativa”, ao passo que a televisão é mais “redutora”. “Tens uma liberdade que a televisão não te permite”, contou o jornalista da Antena 1. A linguagem da rádio torna tudo mais “exuberante”, mais espetacular.

João Ricardo Pateiro voltou a concordar. Mas “fazer rádio em televisão é um disparate”, indicou. Ainda assim, o jornalista da TSF defendeu que se tem que “caminhar para uma maior espetacularidade”.

A mesma espetacularidade que permite a estes jornalistas terem uma assinatura própria –  como “Grita que é golo”, a frase marcante de Fernando Eurico, ou as canções que Pateiro dedica aos jogadores que merecem ser elevados a condições de estrelas. Ou até “queimar” 30 segundos a dizer golo. É uma cedência ao entertenimento que o relato de futebol faz.

Ver os jogos de futebol pelos olhos dos jornalistas

E porque o público também é importante, não foi esquecido o “feedback” que se recebe, seja ele positivo ou negativo.

Roberto Rivelino não tinha nenhum momento marcante para relatar mas realçou que, principalmente nas redes sociais, as pessoas acham que “é um robot” que está ali, tornando a experiência, por vezes, negativa.

Fernando Eurico contou que a preocupação está em fazer diferente e, por isso, demora cerca de três horas a preparar um jogo. O jornalista da Antena 1 acrescentou ainda que o público “sabe muito mais” que o próprio jornalista, em especial na área de desporto, e muitas vezes está à espera da primeira asneira que o jornalista diga.

“O conhecimento sobre a matéria é quase idêntico, ou por vezes superior, a quem está a fazer o trabalho. Qualquer gaffe é imediatamente detetada”, explicou João Ricardo Pateiro.

Mas, para os radialistas, há alguns momentos que marcam. Pateiro recordou um telefonema de um invisual que lhe pediu para não deixar de relatar. O jornalista da TSF explicou que outros jornalistas continuariam o trabalho dele, haveria muita mais gente para relatar. Mas a resposta do ouvinte deixou-o, depois, sem palavras: “Eu habituei-me a ver com os teus olhos e não é fácil a meio da vida trocar de olhos”.

Fernando Eurico já teve quem desse o seu nome a um filho e teve também um moçambicano que se tornou jornalista de desporto pelos seus relatos. “É o que eu vou levar. É sentir que pelo menos eu consegui influenciar alguém”.

“É muito gratificante”, concluiu o jornalista da TSF João Ricardo Pateiro.

“Cair aos trambolhões” na arte de falar sobre desporto

Eles dizem nunca ter pensado em seguir jornalismo. Foi um acidente, mas daquele acidentes felizes que dão gozo quando se revive o passado. João Ricardo Pateiro e Fernando Eurico iam seguir carreira militar. Um jornalista de desporto a faltar e outro doente fizeram com que os dois seguissem aquilo que “estava na cara”, como contou Pateiro.

“Esse dia mudou a minha vida. Fiquei com o bichinho da rádio”. Inicialmente os relatos ficavam-se pelos matraquilhos, mas, a partir desse dia, a paixão ficou mais séria. Fernando Eurico partilha a paixão. “A rádio é linda, sedutora, é a mulher mais linda do mundo”, expressou, numa dedicatória ao meio radiofónico.

Mas se a paixão pela rádio é forte, pelo futebol pode não ter descrição. “Às vezes é engraçado, nós gostamos de um desporto e esse desporto é que nos dá vida e nós não notamos. Foi o meu caso, confesso-vos”, desabafou Fernando Eurico.

Roberto Rivelino, o mais novo dos três, criou o projeto digital “O Mundo dos Guarda-Redes” por achar que as aulas do curso de Ciências da Comunicação não eram “satisfatórias” para o que “devia ser o jornalismo”. Começou como página de Facebook, cresceu para site e até já teve referências em jornais.

A apostar nos “eliseus” do desporto, “O Mundo dos Guarda-Redes” criou o Dia Nacional do Guarda-Redes e votações para distinguir para os melhores da área, distinguindo-o no meio.

Para futuros jornalistas, deixaram alguns conselhos. Nunca pensarem que atingiram o ponto máximo, em que não precisam de aprender ou terem a humildade para aceitar as críticas foram algumas das dicas dos profissionais.

A conversa “Comunicação, Desporto e Sociedade” fez parte da segunda Semana do Desporto promovida pela Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Artigo atualizado às 16h40 do dia 20 de maio de 2016 com a referência à organização do debate pela AEFLUP

Artigo editado por Sara Gerivaz