Centenas de pessoas juntaram-se na Avenida dos Aliados, no Porto, em protesto contra a cultura de violação e o “ódio institucionalizado” pelas mulheres.

“Machismo Mata”, “Não te devo nada”, “A vida é minha e estou com quem quiser inclusive outra mulher”, “Mexeu com uma, Mexeu com todas” ou “Todas contra trinta”. Estas eram algumas das frases que se podiam ler nos vários cartazes que encheram a Avenida dos Aliados, no Porto, ao final da tarde desta quarta-feira.

A manifestação “Por Todas Elas” partiu como uma onda de solidariedade com Beatriz, a rapariga de 16 anos que foi violada por 33 homens, no Rio de Janeiro, Brasil, mas as centenas que se juntaram uniram-se pelo repúdio de qualquer forma de violência sob as mulheres. No Brasil, em Portugal e no resto do mundo.

Ao mesmo tempo que “todas elas” se juntavam no Porto, em Lisboa, Coimbra e em 50 cidades brasileiras o mesmo acontecia. As mulheres deixaram de ficar caladas.

“Acho que chegou a altura de dizer um basta”, afirmou ao JPN Milena Croff, estudante de 17 anos. A jovem esteve recentemente no Brasil e sentiu a realidade intensa que por lá se vive. Milena acredita que, apesar das violações estarem a “aumentar de dia para dia”, “isto tem que acabar”.

A falta de liberdade imposta às mulheres em escolhas tão simples como o que vestir deixa a jovem indignada. “As mulheres não podem andar na rua como querem, vestidas como querem porque passam e recebem sempre algum piropo. Nunca podem andar à vontade, nunca podem andar tranquilas às tantas horas da noite com medo que aconteça alguma coisa”, denunciou.

Com a palma das mãos pintadas de vermelho e palavras como “vadia” escritas no corpo, as manifestantes começaram por contar até 33, o número de homens que violou Beatriz, mas a contagem que gritavam “não é não”.

Mas se a maioria das manifestantes eram mulheres, algumas dezenas de homens não quiseram deixar em branco esta situação. Algo que as organizadores agradeceram.

A Nuno Silva, estudante de 20 anos, a situação toca-lhe particularmente. “Vim cá porque eu já passei por situações de agressão e sei como é complicado. Para além de que a minha mãe foi vítima de violência doméstica”, por isso, era “mais que justo vir apoiar” a causa.

“Somos cada vez mais e somos cada vez mais fortes”

Bruna usou o megafone para passar uma mensagem a todos os presentes. “Na periferia do Rio de Janeiro, o feminismo branco não chega. Tal como não chega ao Cerco, a Campanha, ao Lagarteiro. Essas mulheres não têm um grito de guerra”. E, para ela, é preciso que o feminismo chegue aos lugares onde as mulheres são mais violentadas.

Alexandra também quis ter voz e contou que quando veio morar para o Porto a mãe lhe deu gás pimenta. Para a jovem, esta “cultura de medo”, que já vem das mães,  tem de acabar. Até porque Alexandra defende que as mulheres “não são mais frágeis”.

“Há um ódio pelas mulheres institucionalizado”, disse Inês, num discurso emotivo. A jovem afirmou que não se podem desculpabilizar os atacantes porque “não é doença, é um ódio pelas mulheres”. “Somos cada vez mais e somos cada vez mais fortes”, afirmou terminando em lágrimas.

Quando uma das manifestantes usou o megafone para perguntar “quem já pensou duas vezes antes de sair à noite sobre a roupa que deve usar”, “quem já pensou se deve ir sozinha para casa” ou “quem já foi tocada num sítio público sem consentimento”, as mãos ergueram-se. Não uma nem duas, mas as de quase todas as presentes. O caso pode ser brasileiro, mas a cultura da violação sente-se em todo o lado.

O clima era tenso. Sentia-se a dor de todas as mulheres que passaram por algo que não era suposto. Mas também se sentia o festejo por estarem juntas naquela avenida emblemática, por serem mais e “mais fortes”.

Os cânticos entoados nas manifestações do país tropical também não foram esquecidos e, numa adaptação “aportuguesada” versos como “Posso estar c’os copos, não te devo nada/Posso estar drogada, não te devo nada/Co’as mamas de fora, não te devo nada/Faça o que fizer, não mereço ser violada” desceram até ao final dos Aliados.

Foi precisamente a ideia de “faça o que fizer, não mereço ser violada” que foi sublinhada por cada uma das mulheres – porque ser drogada ou prostituta não é estar “a pedi-las”, porque “a culpa nunca é da vítima”.

Os corpos femininos são vistos “como propriedade alheia, como propriedade dos homens, do Estado, da igreja, das religiões”, por isso o Governo de Michel Temer não foi esquecido. O novo projeto lei quer diminuir o acesso ao aborto, apenas legal em casos de violação, o que vai dificultar a vida de muitas mulheres que passam pelo trauma do “estupro”.

Eliany Oliveira é enfermeira e está em Portugal a desenvolver uma pesquisa para o pós-doutoramento que está a realizar na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Brasileira, Eliany sabe bem que a situação das mulheres brasileiras em Portugal não é fácil, é, na realidade, “muito negativa”.

Por isso, decidiu avaliar a saúde mental e física dessas imigrantes, pedindo ajuda através das redes sociais e dos consulados. “Estado de Saúde e Qualidade de vida de Imigrantes Brasileiras em Portugal” pretende desencorajar a chegada de brasileiras porque “não é fácil estar em Portugal”. “Muitas vivem em subempregos ou prostituem-se”, revelou a enfermeira. Por isso, a “ideia veio por essa militância na saúde mental de mulheres e essa preocupação com as brasileiras que vivem aqui”, concluiu Eliany.

Muitas das pessoas que passavam não sabiam na Avenida dos Aliados de que se tratava. Foi o caso de um turista francês. De imediato lhe pareceu que eram “feministas”. Quando percebeu que era um repúdio à violência que persiste na realidade feminina, sorriu, acenou em jeito de aprovação e depois aplaudiu. Também ele apoia a causa.

Lúcia Santos, de 56 anos, também não sabia o que se passava. Assim que lhe explicaram, a resposta foi pronta: “não há nada como tentar”.

Artigo editado por Sara Gerivaz