Filipa Martins Silva é a melhor aluna de Medicina do Norte de Portugal. A jovem de 25 anos terminou o curso na FMUP em 2015 com a classificação de 17,746 valores. Recebe, no sábado, o Prémio Daniel Serrão.

Escolher a área na qual se quer trabalhar nem sempre é fácil. O caso de Filipa Martins Silva não foi diferente. Ainda no final do Ensino Básico, a escolha da vertente do Ensino Secundário colocou à estudante de Barcelos algumas dúvidas. Lá acabou por optar. “Na altura achei que indo para Ciências ia ter depois mais possibilidades de escolha porque é sempre mais fácil seguir uma área relacionada com Letras ou com Línguas estando na área de Ciências do que o contrário”, começa por contar ao JPN.

Já no final do Secundário, a dúvida persistiu. Afinal, é uma decisão que vai traçar todo o percurso profissional. Escolheu Medicina e entrou em 2009 na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), como primeira opção e com uma classificação de 19,6 valores.

Hoje, passados sete anos, Filipa Silva recebe o Prémio Daniel Serrão, atribuído pela Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (SRNOM) à melhor classificação das três escolas médicas do Norte: FMUP, Instituto de Ciências-Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e Escola das Ciências da Saúde (ECS) da Universidade do Minho (UM). Filipa Silva acredita que o reconhecimento lhe “dá mais alento para continuar a trabalhar”.

A par da distinção de melhor aluna de Medicina do Norte de 2015, Filipa foi somando alguns prémios ao longo dos seis anos do curso, entre eles o Prémio Incentivo da Universidade do Porto no seu primeiro ano. A ex-aluna da FMUP fala com paixão da Medicina, que escolheu por tudo a ela associado.

“O facto de poder chegar mais perto das pessoas e lidar com aquilo que lhes é mais frágil e aquilo que realmente valorizam e ajudá-las” foi o que cativou Filipa Silva. Acabou por conseguir conciliar, na Medicina, duas áreas das quais gostava muito: a área da saúde, mais biológica e a área social, mais humana.

Além disso, nunca acreditou que a Medicina lhe fechasse portas. A jovem natural de Barcelos frequenta atualmente o Internato de Ano Comum no Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) e em 2017 vai especializar-se em Psiquiatria da Infância da Adolescência no Centro Hospital do Porto (CHPorto).

O bichinho da Psiquiatria vem já da altura em que se candidatou a Medicina, mas como “era um plano a seis anos”, nunca quis limitar possibilidades. Depois foi explorando e percebeu que especializar-se na área de crianças e jovens se ajustava ao que realmente gosta de fazer.

Seis anos de aprendizagem, entreajuda e crescimento

Da FMUP, Filipa Martins Silva leva muitas experiências. Como a própria recorda, foram anos “de trabalho árduo, de estudo árduo”, mas que lhe permitiram fazer “amizades para a vida” e levar “bons exemplos para um dia seguir”. Apesar das dificuldades que possam ter surgido, a gratificação era maior a cada etapa ultrapassada.

“Apesar de fechar um ciclo, isto é apenas o início e agora temos uma vida – tanto na área médica como em tudo o resto – pela frente”, lembra. Filipa confessa que no início a ideia de desistir lhe passou pela cabeça, mas foi mesmo só um pensamento.

“Chegámos ao curso de Medicina e foi um choque perceber que é impossível saber tudo, é de todo impossível. É preciso saber selecionar, o que é importante e o que não é, e mesmo perceber que dominar tudo não é uma boa estratégia. Aliás é um convite à exaustão e ao insucesso”, alerta.

Com o apoio da família e dos colegas, as adversidades foram sendo ultrapassadas. Afinal, estavam “todos no mesmo barco” e era importante perceber “as estratégias utilizadas” para contornar os problemas. “Há a ideia que nós somos muito competitivos e que vamos para lá e fazemos a vida negra uns aos outros”, clarifica. Filipa Silva critica a ideia preconcebida de que os estudantes de Medicina são competitivos e pouco prestáveis entre eles.

“Se houve coisa que a faculdade me ensinou em termos de colegas foi que há um processo de entreajuda imenso. As pessoas partilham apontamentos, tiram-se dúvidas. É meio caminho andado para as coisas correrem melhor: confiar nas outras pessoas”, justifica.

“Tratar os doentes como pessoas e não como números”

Aquilo que mais a admira na Medicina é a capacidade de poder, mais do que curar, cuidar das pessoas. Filipa Martins Silva acredita que os jovens médicos podem ajudar a combater a tendência atual e “tratar os doentes como pessoas e não como números”.

“A partir do momento em que se encara as pessoas como números, aquilo que é fundamental e fulcral na Medicina, que é a relação médico-doente, passa a ficar deteriorada a vários níveis. Estragando essa base, que é a relação médico-doente, tudo o resto fica comprometido”, lamenta. Assim, passa pela sua geração lutar por um Sistema Nacional de Saúde (SNS) “público, universal e de qualidade” e travar o ciclo.

A jovem de 25 anos encara esta questão como um dos grandes desafios da profissão e coloca a relação médico-doente como dos aspetos mais importantes a ter em conta. “Mesmo que não cure, pode cuidar. A palavra cuidar é de facto aquilo que mais me fascina na Medicina. É poder estar perto das pessoas, numa situação de fragilidade”, sublinha.

Filipa reconhece que, como em todas as áreas, há bons e maus profissionais, mas que não é justo generalizar. A empatia que o médico deveria criar com o doente é comprometida muitas vezes pelas restrições que o sistema impõe. Como exemplo, a ex-aluna da FMUP fala no tempo que o médico tem para estar com o doente – muitas vezes as consultas são marcadas de 10 em 10 minutos – e a informatização necessária no SNS.

A esperança está nos jovens profissionais de saúde e na vontade de combater a tendência. “É muito fácil esquecer aquilo que nós aprendemos no curso. É preciso uma renovação diária. Eu acho que nós, jovens médicos, conseguimos se calhar mudar um bocado isso”.

Filipa Martins Silva vai receber, ao final da tarde de sábado, o Prémio Daniel Serrão. A SRNOM vai também assinalar o Dia do Médico com homenagens a médicos com 25 e 50 anos de atividade.