Em Rojava, no norte da Síria, está em curso uma experiência política baseada em princípios de democracia direta e igualdade de género. O JPN falou com a representante externa da região, que esteve pela primeira vez em Portugal.

Quando lhe falam da Primavera Árabe, Sinam prefere que lhe chamem a Primavera dos Povos. Reflexos de quem está habituado a que se tome por árabe tudo o que se passa no Médio Oriente. A Síria é um bom exemplo disso. “Não podem fechar os olhos ao facto de existirem muitas nações a viver na Síria”, diz-nos em entrevista depois de uma conferência dada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde esteve esta semana.

A representante na Europa da Administração Democrática de Rojava, o autoproclamado governo curdo do Norte da Síria, implementado desde janeiro de 2014, esteve em Portugal pela primeira vez.

Na FLUP, onde esteve num evento organizado pelo Centro de Estudos Africanos com o apoio da Associação de Estudantes, foi falar do momento atual do conflito sírio e apresentar o projeto político em marcha na região norte e nordeste da Síria, inspirado no chamado “confederalismo democrático”, com ênfase na gestão local.

A região é maioritariamente curda, mas Sinam garante que nesta administração estão representados todos os grupos étnicos da região – curdos, árabes, assírios, armenos, turcomanos – e que esse é um dos segredos do sucesso que atribuem ao projeto.

Mapa com os cantões de Rojava no Norte da Síria.

Mapa com os cantões de Rojava no Norte da Síria. Foto: D.R.

Outra das suas características distintivas está no papel atribuído às mulheres: “A liberdade da sociedade começa com a liberdade das mulheres”, afirma ao JPN. As mulheres em Rojava estão na administração e nas forças de segurança.

Ao nível político, estão em todos os níveis de governo, do comunitário ao regional e ainda no conselho geral, que reúne os representantes dos três cantões de Rojava – Afrin, Kobani e Jazira. Em todos se aplica o sistema de co-presidência, isto é, têm um homem e uma mulher a presidir ao órgão. O mesmo se passa nos comités, que aqui chamaríamos de ministérios. Cada cantão tem 14 ministérios. Um deles é o das mulheres.

Na segurança, têm uma força militar própria, as YPJ – Unidades de Proteção das Mulheres – que andou pelas bocas do mundo na resistência e combate ao Estado Islâmico em Kobani, em finais de 2014.

Estas unidades juntaram-se às YPG – Unidades de Proteção do Povo -, e a outros grupos. Em conjunto formam, desde outubro de 2015, as Forças Democráticas da Síria onde “14% são árabes”, assegura Sinam.

A passagem da representante externa da Administração de Rojava pelo Porto ficou ainda marcada por um encontro com a família de Mário Nunes, um jovem de 22 anos, apontado como o primeiro português a viajar para a Síria para combater o ISIS.

Foi na qualidade de voluntário das YPG que faleceu a 3 de maio. Há diferentes versões sobre as circunstâncias da sua morte – abatido, vítima de um acidente automóvel, suicídio. Sinam Mohamad não esclarece. “Posso dizer que ele estava em Rojava a combater os terroristas. É nosso mártir agora”.