Uma brasileira, uma cabo-verdiana e uma portuguesa encontram-se retidas num aeroporto norte-americano. Não, não é o início de uma anedota. Mas o humor está lá, a espaços, para nos lembrar que “o primeiro passo para nos conhecermos melhor é aceitarmos que nos conhecemos tão pouco”.

As palavras são de João Branco, encenador da peça “Estrangeiras”, que traz ao Teatro Rivoli, na sexta-feira e no sábado, um exercício de questionamento da lusofonia. “Apesar de falarmos a mesma língua, não falamos a mesma língua”, nota o encenador. E a questão vai além das variações linguísticas. É sobretudo cultural.

“O que os portugueses e os cabo-verdianos conhecem do Brasil é muito indiciado pelas telenovelas. O Brasil em relação a Portugal não é preciso nem falar porque as principais anedotas que se contam são sobre portugueses. Portugal e Cabo Verde têm algo mal resolvido em relação à questão colonial. E a visão que quer o Brasil quer uma parte de Portugal têm de Cabo Verde é uma visão de “África Minha”, muito idealizada, quer pelo cinema, mas também pela informações, por onde só passa a fome, a miséria, os animais selvagens”, exemplifica o encenador.

A língua não chega para unir o que o desconhecimento e o preconceito separam. Nessa medida, João Branco deixa transparecer a crítica à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e à transformação da lusofonia num conceito mais institucional do que cultural. “Conhecemo-nos muito pouco ao nível cultural. Ao nível da música a coisa funciona um pouco melhor, mas no resto é trágico”, considera.

O texto da peça é original e foi escrito por José Luís Peixoto. A ideia do projeto nasceu há 10 anos, no Mindelo, quando o escritor português passou por lá com o Teatro Meridional. A ligação ao arquipélago não ficou por aqui. José Luís Peixoto viveu cerca de um ano na Cidade da Praia.

João Branco, por sua parte, “sente” em si os três países. Filho de pais portugueses – vai estrear a peça no auditório que homenageia a mãe, Isabel Alves Costa – é casado com uma brasileira e pai de três cabo-verdianas.

As três nacionalidades estão representadas na equipa que produz o espetáculo e o texto vai ser editado em livro pela “Rosa de Porcelana”, que edita em Portugal, Cabo Verde e Brasil. “É croché cósmico”, brinca João Branco.

Três mulheres comuns

Francisca Lima, Janaina Alves e Sílvia Lima dão corpo às personagens da peça. Janaina, a personagem brasileira, destaca o facto de José Luís Peixoto ter escrito a peça “para essas três mulheres”. “Ele foi pesquisar a vida de cada uma, a um ponto tal que o sobrenome das personagens é igual ao nosso”, diz-nos no final do ensaio.

“Em particular, o Brasil, está fora de tudo. Eu não sabia o que era sequer Cabo Verde. Há mapas em que nem aparece”, conta a atriz que agora vive no arquipélago do Atlântico.

“Estrangeiras” estreia no Porto, mas vai levar a sua mensagem também ao Brasil e a Cabo Verde, nas terras de origem das personagens. Em finais de agosto, sobe à cena em Teresina, no Piauí, e em setembro vai integrar a programação do Mindelarte – Festival Internacional de Teatro do Mindelo, em Cabo Verde.

“Vai ser interessante porque as plateias vão tomar partido. As piadas, os risos, as reações vão ser outras. E essa constatação, de como o espetáculo é recebido, é também em si a constatação de como somos diferentes”, observa João Branco.

“Estrangeiras” é uma coprodução do Teatro Municipal do Porto e do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo. Vai estar em cena no Rivol na sexta e no sábado, a partir das 19h00, num espetáculo com duração a rondar a 1h10. O preço dos bilhetes é de 5 euros.