O segundo dia do festival tinha demasiado bons nomes para escolher o cabeça de cartaz, mas cedo se percebeu que a disputa seria entre James Bay e Kodaline. Jimmy P e Dengaz abriram as hostilidades e mostraram que o Marés Vivas também é hip hop.

Ainda não eram 16 horas e a fila em frente à entrada do festival aumentava a passos largos. Enquanto se caminhava para lá, o cartaz que dizia “Dia 15 esgotado” e desiludia quem achasse que podia comprar o bilhete no dia. Como o conseguir no dia mais cobiçado?

A fila era enorme, por isso, por volta das 18h00, ainda havia muita gente a entrar. Pela mesma altura, a banda rock Plus Ultra, a primeira a atuar no palco secundário, acabava a “lição diabólica” que proferia às poucas pessoas presentes.

Ainda era cedo para grandes animações e a maior parte dos festivaleiros repartia as atenções entre as várias barracas, principalmente as dos brindes – os chapéus-de-sol eram a oferta mais procurada, já que a tarde de calor não perdoava.

Às 18h30 seria altura dos Jibóia atuarem, mas faltava menos de uma hora para o concerto de Jimmy P, há um ano num palco secundário e esta sexta-feira a aquecer as hostes do local principal do festival Marés Vivas, e as pessoas, de forma acelerada, tentavam marcar lugar no palco mais concorrido.

Jimmy P e Dengaz “partiram a loiça toda”

O gaiense começou com o tema “Warrior”, em que divide rimas com Dengaz, mas este tocaria uma hora depois. Por isso, a música terminou mais cedo, mesmo a tempo de Jimmy P dizer que “o Porto é a minha family”, o suficiente para mostrar o apreço pelas duas cidades que o fazem sentir em casa (Porto e Vila Nova de Gaia, “sem divisões”).

Durante cerca de uma hora, o rapper percorreu os três álbuns já editados (“#1”, “FVMILY F1RST” e “Essência”) com temas como “Storytellers”, “Marcha”, “On Fire” e “Valer A Pena”. Sempre acompanhado pelo “irmão” Jêpê, Jimmy P mostrou ser uma promessa cumprida do panorama urbano musical português, até porque se é para ficar, ele já ficou.

Os temas rebeldes e mexidos deram lugar a um dos momentos mais emotivos do dia. Com a ajuda de Diogo Piçarra e do público, de telemóveis ao alto, com luz a iluminar, Jimmy P relembrou quem já partiu com “Entre Estrelas”.

E depois de “a rua oito estar no mapa” foi a vez de Dengaz tomar o palco de assalto. O artista que, uma semana antes, revelou estar “com a pica no máximo” mostrou saber como cativar o público.

Num misto de músicas que não deixam de tocar na rádio (“Tudo Muda” ou “Dizer Que Não”) e temas conhecidos por quem o segue desde o início (“Encontrei” e “From The Heart”), Dengaz não parou um segundo. Os “porras” do músico também foram constantes – que dizer quando o público salta e grita com ele?

“Nada Errado” trouxe o dueto tão certo de Dengaz com António Zambujo, uma mistura de estilos que mostra a união da música portuguesa e que deixa todo o público mais feliz. Mas muitos outros foram os momentos que marcaram este concerto. “See You Again” contou com a voz da poderosíssima Di Noise para lembrar as vítimas dos atentados; “Eu Consigo” serviu de dedicatória para a seleção nacional, principalmente para Éder, por ter sido tão criticado e nunca ter desistido; e “Ta Tranquilo, Ta Favorável” marcou o momento mais bizarro, quando Dengaz e toda a banda que o acompanha vibraram ao som do tema brasileiro.

Já se estava próximo das 22 horas quando o rapper de Cascais terminou a atuação. Cerca de três horas depois de Jimmy P ter aberto o palco, os pés cansados já eram muitos. Os dois rappers tinham “partido a loiça toda” e era tempo de James Bay entrar em palco. Mas ainda havia um compasso de espera até o britânico subir ao palco. O que fazer? A Rádio Comercial, autora de um “hino” do festival e parceira do mesmo, resolveu o problema ao trazer algumas vozes emblemáticas da sua rádio, como Vasco Palmeirim e Nuno Markl, para por toda a gente a cantar o “hino” memorizado.

O poeta com voz de anjo

A maior parte das pessoas aglomeradas junto ao palco principal tinham duas grandes razões para estar ali e, se a primeira não era Kodaline, certamente era James Bay. Até porque o aumento do número de pessoas no recinto fez-se logo notar.

Já passava das 22 horas, quando Bay, franzino e de chapéu preto, num verdadeiro ‘look’ pessoano, subiu ao palco. Com uma mecha de cabelo metodicamente colocada atrás da orelha, o cantautor britânico apresentou-se como ele próprio, num espetáculo simples, por não ter grandes alaridos, onde a voz frágil e os dotes guitarrísticos foram as estrelas.

“Collide” marcou o início agitado do set do artista que, a cada música, mostrava um pouco mais de si, entregando-se em cada nota. “Let It Go”, “Scars”, “Best Fake Smile” e “Craving” captaram a atenção de todos, mesmo daqueles que só queriam ver Kodaline.

Sem grandes conversas com os presentes, um ‘habitué’ nos festivais, o rapaz de Hitchin (uma cidade mercantil do leste de Inglaterra) mostrou que o seu concerto é movido por música e não adereços que desviam a atenção do seu dom. Ainda assim, sendo parco em palavras, não o foi em ações. Quando desapareceu, no que indicaria um final de concerto sem o hit “Hold Back The River”, voltou para o cantar, mas exibindo uma t-shirt do Futebol Clube do Porto. É caso para dizer que a cidade, e os portuenses, o conquistaram.

Os rapazes de Dublin que cantaram para os “campeões da Europa”

Atrasados dez minutos. Era o que algumas fãs comentavam ao passar das 23h35, hora prevista para o início do concerto dos Kodaline. Mas assim que o quarteto começou a tocar os primeiros acordes, tudo ficou esquecido. Era provável que este fosse mesmo o concerto da noite.

“One Day” introduziu a voz melancólica de Stephen Garrigan, capaz de nos transportar para os momentos mais felizes ou tristes. Mas esta noite ele tinha ajuda, o público português, o “fantástico público” português, não descurava no acompanhamento, sincronizando as suas vozes às dos irlandeses.

Os esperados “High Hopes” e “The One” não foram esquecidos, assim como as interações com o público. Stephen tantas vezes disse “Portugal” que, quando lembrou que tínhamos ganho um Campeonato da Europa, o público mostrou o patriotismo que se faz sentir, gritando por Portugal e por Éder. Stephen sorria – o Marés Vivas estava com ele.

Os rapazes de Dublin tanto gostaram dos portugueses que não “cumpriram” a esperada uma hora de concerto, dando tempo para cantar, em plenos pulmões, “Way Back When” ou “Honest” ou “Raging”.

Os telemóveis captavam todos os momentos – foi este o concerto que mais lhes gastou a bateria – e o Stephen Garrigan cantava, tocava (guitarra ou piano), erguia a bandeira portuguesa e sorria… e voltava a sorrir.

“All I Want” marcou a despedida dos Kodaline, mas deixou uma certeza: tudo o que se quer é que eles voltem – e parece que eles são da mesma opinião.

Com o concerto chegado ao fim, uma enchente procurava um local para se sentar, era tempo de repor energias. Quem ainda tinha tudo para dar, seguiu no palco principal, ao som do ‘house’ de Lost Frequencies.