Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Neptuno e… Não. Plutão já não está lá. Para quem aprendeu a lenga-lenga ainda na escola Primária, ditar a lista de planetas do Sistema Solar sem Plutão dá a sensação de uma escada falhada à descida. Já estamos no patamar, mas o corpo obedece a um impulso de quem pode garantir que ainda havia um degrau. Desde 24 de agosto de 2006 que não há.

Foi nesse dia, com base no conhecimento que ao longo do tempo foi possível recolher em matéria de sistemas planetários, que a União Astronómica Internacional (IAU) decidiu criar uma nova categoria para definir planetas que orbitam o Sol e têm massa suficiente para estar em equilíbrio hidrostático, mas que, ao contrário dos oito mencionados no início do texto, não “limparam” a sua órbita e não correspondem a luas.

O Sistema Solar em agosto de 2006

O Sistema Solar em agosto de 2006 Foto: The International Astronomical Union/Martin Kornmesser

Plutão foi assim excluído do grupo dos nove e passou a figurar no Sistema Solar com o estatuto de planeta anão, em conjunto com Éris e Ceres. Em 2008, juntaram-se mais dois a esta liga: Makemake e Haumea.

A efeméride vai merecer destaque no Planetário do Porto que, a partir desta quarta-feira, vai dar destaque a Plutão nas suas sessões imersivas.

“Temos sempre uma parte ao vivo nas sessões. Como o sistema digital nos permite fazer essa viagem pelo universo, durante essa parte, vamos fazer uma viagem até Plutão, vê-lo de perto, falar um pouco sobre ele”, explica Ricardo Cardoso Reis, do Planetário do Porto – Centro de Ciência Viva ao JPN.

O planeta anão encerra ainda muitos mistérios. Só em julho do ano passado foi observado de perto pela primeira vez, pela sonda New Horizons. “Antes da sonda passar, pensávamos que Plutão era uma bola de gelo, sem qualquer característica que o distinguisse e, no entanto, a sonda observou grandes planícies geladas, mas também enormes montanhas com mais de 3 mil metros de altitude, zonas muito claras, zonas muito escuras, uma série de características que evidenciam atividade geológica que nós não estávamos à espera”, conta Ricardo Cardoso Reis.

E além de Plutão a incógnita é ainda maior. “Plutão faz parte de uma parte do Sistema Solar chamada a Cintura de Kuiper, que é uma das partes mais distantes, mas não a parte mais distante. Além da Cintura de Kuiper ainda há uma espécie de nuvem esférica de objetos gelados chamada a Nuvem de Oort e essa nós nem sequer sabemos até onde irá”, declara Ricardo Cardoso Reis.

“Despromoção” na secretaria

O processo de reclassificação de Plutão como um planeta anão foi precipitado pela descoberta de corpos celestiais na Cintura de Kuiper, que Plutão integra, com dimensões semelhantes à do agora planeta anão. Entre estes Éris, descoberta por Mike Brown, da CalTech, que na altura se julgava ser maior que Plutão. A IAU sentiu então a necessidade de estabelecer critérios para definir o que é um planeta. Plutão não cumpre um requisito: o de ter “limpo” a órbitra.

“A reclassificação foi largamente aceite pela maioria da comunidade astronómica mundial, pois mesmo antes da despromoção, Plutão era visto como algo que não encaixava no grupo dos planetas – nem era um planeta telúrico como a Terra, nem era um gigante como Júpiter”, descreve Ricardo Cardoso Reis.

O especialista destaca que “este tipo de despromoção já aconteceu antes. Ceres foi descoberto no início do séc. XIX, sendo de imediato classificado como planeta. Mas nas décadas seguintes, com a descoberta de cada vez mais objetos semelhantes, basicamente na mesma órbita, foi criada uma nova categoria para os classificar – os asteroides. Na altura a despromoção também foi polémica, no entanto hoje ninguém põe em causa que Ceres não é um planeta.”

Mas a despromoção não convenceu todos. Entre aqueles que rejeitam a posição assumida pela IAU está Alan Stern, investigador principal da missão New Horizons, lançada quando Plutão ainda era um planeta, com o objetivo de o estudar, a ele e à Cintura de Kuiper, em janeiro de 2006. O cientista considera que a IAU criou um problema para si e para a astronomia ao criar uma fórmula impraticável para decidir o que é e o que não é um planeta.

Numa entrevista concedida por altura dos cinco anos da despromoção de Plutão a planeta anão, o cientista argumenta que se a Terra estivesse localizada onde está Plutão, então não seria considerada um planeta: “Suponha um Sistema Solar exatamente igual ao nosso, mas no qual você coloca a Terra na órbita de cada um dos nove planetas clássicos. À medida que se avança para fora do sistema solar, atravessa-se um limite a partir do qual a Terra deixa de ser capaz de “limpar” a sua zona porque essa zona é demasiado vasta”, exemplificou.

Acontece, prossegue Stern, que isto acontece à volta da órbita de Neptuno e, talvez, de Urano: “Assim, teríamos nove objetos idênticos, a seis deles poderíamos chamar planeta e a três não. Seriam idênticos em todos os aspetos exceto no local onde estão. Não sei de outro ramo da ciência com algo tão absurdo: ‘vamos chamar-lhe uma vaca, exceto quando está no meio de um rebanho”.

Ricardo Cardoso Reis considera que o argumento pode ser atacado. “A maior lua do Sistema Solar (Ganimedes) é maior que o planeta Mercúrio. Ora, se estivesse diretamente em órbita do Sol (e cumprisse as outras características, claro), seria considerada um planeta. Mas como está em órbita de Júpiter, é ‘apenas’ uma Lua. Objetos quase idênticos, em locais diferentes, um é planeta e o outro não”, conclui.

As sessões imersivas do Planetário do Porto – Centro de Ciência Viva acontecem, durante as férias de verão, de segunda a sexta às 11h00, 14h00 e às 15h00. Ao fim de semana, durante todo o ano, as sessões são às 15h30 e 16h30. Têm uma duração aproximada de 45 minutos. Os preços dos bilhetes individuais variam entre os 3 e os 5 euros.