Dilma Rousseff comparou o processo de que está a ser alvo à perseguição que sofreu na época da ditadura militar. Destaques do discurso da presidente afastada do Brasil.

Na manhã desta segunda-feira (29) – início da tarde em Portugal – a presidente do Brasil estabeleceu um paralelo entre dois momentos de sua história: o primeiro foi quando estava sentada perante o Tribunal de Exceção da Ditadura Militar. O segundo, mais de três décadas depois, aconteceu hoje, de pé em frente ao Senado brasileiro. Dilma Rousseff está novamente no banco dos réus – e clama que pela segunda vez segue acompanhada da democracia.

“Luto pela democracia. Luto pela verdade. Muitos me perguntam: de onde vem minha energia para prosseguir? Vem do que acredito”, discursou Dilma Rousseff ao apresentar sua defesa contra o processo de “impeachment” que responde desde o final do ano passado. “É por ter minha consciência tranquila que me dirijo à presença dos que me julgarão para olhar nos olhos de todos e dizer com serenidade que não cometi crime de responsabilidade”, afirmou Dilma.

Durante sua intervenção, a presidente ressaltou sua jornada contra o processo que se tornou uma ameaça definitiva ao seu governo em maio deste ano, quando foi afastada temporariamente pelo Senado. Dilma afirmou ter percorrido o país para se “aproximar ainda mais do povo” ouvindo seus pedidos e críticas. A caminhada, de acordo com a petista, tornou-a serena para se dirigir aos senadores – algo que não era obrigada a fazer segundo o rito do “impeachment”.

“As acusações contra mim dirigidas são meros pretextos embasados por uma fraca retórica política”, acusou Dilma sobre as peças ouvidas pela acusação, entre elas o auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Antônio Carlos Costa D’Ávila Carvalho Júnior que confessou ter auxiliado o procurador do TCU Júlio Marcelo de Oliveira na elaboração do parecer sobre as contas públicas brasileiras de 2015. A contribuição de Antônio Carvalho Júnior foi vista como “suspeita” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “São pretextos, apenas pretextos, para derrubar um governo legítimo por meio de um processo de ‘impeachment’”, reafirmou Dilma.

Separado na plateia em uma ala destinada aos apoiadores da petista, o mentor e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanhou apreensivo a fala de sua protegida. Dilma precisa garantir 27 votos para se salvar ou assegurar que a ala favorável ao “impeachment” não consiga os 54 necessários para a condenação. Tarefa difícil que muitos consideram impossível de ser feita literalmente de um dia para o outro.

Acusada de ter editado decretos suplementares sem autorização do Congresso e atrasar o pagamento de subsídios ao Banco do Brasil, Dilma clamou mais uma vez ser inocente das ações visto que todas seguiram estritamente os parâmetros legais e técnicos, na sua leitura dos acontecimentos.

Sobre o seu julgamento, a petista acusou parlamentares de aderirem a um conluio formado com interesses da elite econômica e da imprensa brasileira. Além disso, a presidente afastada denunciou que seu processo de destituição foi uma alternativa para muitos políticos que “queriam evitar a sangria” da Operação ‘Lava Jato’, entre eles o antigo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB). O parlamentar é réu nas investigações e foi o responsável pela abertura do processo contra a petista em dezembro de 2015.

“Todos sabem que esse processo foi aberto por uma chantagem descarada de Cunha”, disse Dilma, se referindo à tentativa de acordo do parlamentar com a ala petista. Na época, Cunha buscava o apoio da presidente do país para evitar sua cassação em troca de não aceitar abrir um processo de “impeachment” contra ela. “Contrariei interesses e por isso paguei caro. Arquitetaram minha destruição independente de qualquer fato que justificasse. Encontraram no Cunha o vértice de sua aliança golpista”, exaltou a presidente afastada.

Entre seu clamor pela inocência e acusação contra a legalidade do julgamento, a presidente Dilma Rousseff estabeleceu um paralelo com a sua história pessoal. Garantiu que estava novamente sendo julgada por algo que não cometeu e que novamente iria olhar nos olhos de seus julgadores. Não tem ressentimentos, ela garante. A Dilma Rousseff da época da ditadura militar, com seu olhar sério perante a corte que se tornou icônica na campanha eleitoral, deixou um último recado antes de descer da tribuna: “Lembrem-se do terrível precedente que este processo pode abrir”

O que vem a seguir

Após a defesa de Dilma Rousseff, senadores e advogados da defesa e da acusação questionarão a petista. O debate deve decorrer durante toda a manhã e tarde desta segunda-feira (29) visto que na última contagem divulgada nesse domingo (28) mais de 40 senadores se inscreveram para discutir com a presidente afastada.

Em seguida, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowski, irá resumir os fundamentos da defesa e da acusação aos senadores, que devem votar pelo afastamento definitivo ou pela absolvição de Dilma Rousseff nesta terça-feira (30) com o resultado a ser divulgado, no máximo, na quarta-feira (31).

 

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e reside em Belo Horizonte (Brasil).