Há exatos 110 dias, Dilma Rousseff (PT) deixava o Palácio do Planalto após o Senado brasileiro votar pelo seu afastamento temporário. Em clima melancólico, a presidente discursou que lutaria até o último momento pelo cargo. Mudou-se para o Palácio da Alvorada e lá montou uma força-tarefa contra o que chama de “golpe à democracia”. Foram 110 dias até esta segunda-feira (29) em que Dilma presta um último testemunho – aos senadores e ao povo brasileiro – de sua defesa antes do veredito final.

“Estão me condenando por algo fantástico, um não crime. Não cometi crime”, discursou Dilma Rousseff durante um evento da Frente Brasil Popular na última quarta-feira (24) em Brasília. Classificando o atual presidente em exercício Michel Temer como “golpista”, Dilma argumentou que o processo de impeachment é consequência da insatisfação de partidos de oposição que perderam os últimos pleitos presidenciais.

“Na quarta [eleição], entornou o caldo para eles, quando fui reeleita. É disso que se trata. Nas eleições diretas, milhões discutiram o programa [de governo]. Na indireta, só 81 [senadores] discutem. É isso que foi feito no nosso país e não podemos concordar”, afirmou.

O discurso de Dilma, no entanto, precisa se materializar em algo mais tangível que a retórica para garantir o seu retorno à presidência: votos. Nos placares divulgados pelos jornais “O Estado de S. Paulo” e “Folha de São Paulo”, 52 senadores possivelmente votarão a favor do “impeachment”. São necessários 54 votos para assegurar o afastamento definitivo da presidente. Ao subir para declarar sua defesa, Dilma fica encarregada da missão de mudar esse cenário.

“Nossa disposição é de fazer perguntas duras, técnicas, sobre os crimes cometidos pela presidente para que ela possa se manifestar sobre eles”, afirmou a jornalistas o senador Aécio Neves (PSDB-MG), um dos opositores ao governo Dilma Rousseff e segundo nas eleições presidenciais de 2014. Sobre o tom que senadores do seu partido irão adotar nas perguntas a Dilma, Aécio Neves afirmou que será “à altura” do que a presidente utilizar na sua fala.

Na base de governo do atual presidente em exercício, Michel Temer, os senadores afirmaram que irão optar por um discurso “respeitoso”, mas não aceitarão provocações ou acusações por parte de Dilma Rousseff ou de seus aliados. “A decisão tomada é de tratar a presidente com todo o respeito que ela merece como presidente afastada, como uma pessoa que comparece ao Parlamento cumprindo o rito constitucional do ‘impeachment’”, declarou à imprensa o senador Agripino Maia (DEM-RN).

Dilma Rousseff discursa às 9h00 no horário de Brasília (13h no horário de Lisboa) e terá trinta minutos para apresentar sua defesa, tempo que pode ser estendido por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandoski, que também preside a sessão. Em seguida, a presidente afastada será interrogada pelos senadores.

A petista é acusada de editar em 2015 três decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso e atrasar o pagamento de subsídios ao Banco do Brasil. A ação, chamada “pedaladas fiscais”, teria sido usada para aliviar as contas públicas e mascarar a situação fiscal do governo.

Crime ou não crime?

Nos primeiros dias do julgamento, que começou na última quinta-feira (25), testemunhos da defesa e da acusação se chocaram ao discutir se as medidas adotadas por Dilma Rousseff configuram ou não crime de responsabilidade.

“Os decretos foram emitidos sem a observância deste mandamento constitucional. O Executivo editou decretos considerados como incompatíveis com a obtenção da meta [fiscal]”, declarou o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União Júlio Marcelo de Oliveira, que reiterou a responsabilidade de Dilma nos crimes. O procurador afirmou que a presidente afastada não poderia ter editado as medidas fiscais sem autorização do Congresso Brasileiro.

A declaração de Júlio Marcelo, no entanto, foi ouvida como o de um informante e não como testemunha, conforme planejava a acusação. O motivo foi a participação do procurador no movimento político “Vem Pra Rampa”, que segundo a defesa de Dilma, pressionou ministros do Tribunal de Contas da União a rejeitarem as contas de 2015 da petista. Como informante, Oliveira apenas prestou informações técnicas e não foi tratado como prova do processo.

No lado oposto, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou como informante da defesa que Dilma foi “excessivamente responsável” com as medidas fiscais de 2015 e que seu afastamento é um “atentado à democracia”. Segundo o especialista, o impacto da aprovação dos decretos por Dilma, mesmo sem a autorização do Congresso, foi “ridículo”.

O dia seguinte

Após o discurso de Dilma Rousseff, os senadores votarão na terça-feira (30) ou quarta-feira (31) o afastamento definitivo da presidente. Caso seja condenada, Dilma entrega o cargo ao presidente interino Michel Temer (PMDB) e deixa o Palácio da Alvorada sem pisar novamente no Palácio do Planalto, sua antiga residência. Além disso, também fica impossibilitada de se candidatar a qualquer cargo em oito anos. Caso seja absolvida, Dilma retorna à presidência do País.

Enquanto isso, tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente em exercício Michel Temer aguardam com expectativa o desfecho do “impeachment”. Para Temer, o resultado pode ser a condecoração com a faixa presidencial brasileira até 2018 e a possibilidade de participar da Cúpula de Líderes do G-20 no próximo mês como Presidente do Brasil. Para Lula, o julgamento é a última salvação do plano de governo petista iniciado em 2002 com sua ascensão ao Palácio do Planalto.

Para Dilma Rousseff, a contagem de votos será a demonstração da eficácia de sua força-tarefa “contra o golpe” realizada nos últimos 110 dias. Pode ser o retorno à Presidência ou a condenação ao ostracismo político.

[Com Agência Brasil]

 

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e reside em Belo Horizonte (Brasil).