Poucas horas após o Senado brasileiro cassar o mandato de Dilma Rousseff (PT), os discursos da petista e do atual presidente Michel Temer (PMDB) ecoaram pelo país. Enquanto ela acusou o julgamento de impeachment de “fraude”, ele considerou o afastamento de Dilma como “uma decisão democrática e transparente”.

Em pronunciamento no Palácio da Alvorada, onde recebeu a notificação de seu afastamento, a ex-presidente Dilma Rousseff, que se prepara para apresentar recurso no Supremo Tribunal Federal do Brasil, classificou sua condenação como “inequívoca eleição indireta”.

“Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de responsabilidade”, afirmou Rousseff. “Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar”.

A petista clamou que a sua cassação foi resultado de uma aliança entre os candidatos derrotados nas eleições presidenciais com aqueles que buscam fugir das investigações da Lava Jato.

Sem citar diretamente, Dilma se referia a conversas envolvendo o ex-ministro do Planejamento durante a gestão interina de Temer, Romero Jucá (PMDB) e o presidente da Transpectro, Sérgio Machado, um dos delatores da operação. No áudio, o político diz que a “solução mais fácil era botar o Michel [Temer]” em um “grande acordo nacional”. A defesa de Jucá negou que o político buscava interferir na Lava Jato, mas a divulgação das conversas custou-lhe o Ministério.

Rousseff também disse que a condenação no processo de impeachment é o segundo golpe que sofreu na vida, sendo o primeiro o golpe militar. “O segundo foi desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo”. A petista afirmou que seu projeto progressista e inclusivo foi substituído por uma “força conservadora e reacionária”.

Temer não vai “levar ofensa para casa”

Michel Temer

Michel Temer Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Enquanto um tapete vermelho foi estendido para a passagem de Dilma Rousseff em seu discurso de despedida do Palácio da Alvorada, outro tapete semelhante foi usado por Michel Temer em sua posse. Após ser oficialmente notificado pelo Senado, Temer passou a ser o 37º Presidente da República Federativa do Brasil.

Se os tapetes foram semelhantes, pouco se pode dizer das cerimônias. Dilma falou longamente ao lado de apoiadores e cercada pela imprensa. Temer foi empossado acompanhado pelos senadores em uma reunião rápida. Até os discursos foram divergentes: o de Dilma foi cheio de acusações aos seus julgadores. Temer rebateu no mesmo tom e disse que não irá tolerar ser chamado de “golpista” durante seu mandato.

“Golpista é você que está contra a Constituição Federal. Não estamos propondo ruptura constitucional” rebateu Temer, em sua primeira reunião ministerial no Planalto como presidente efetivo. “Agora não vamos mais levar ofensa para casa”.

Temer também classificou como “pequeno embaraço” a ação de parlamentares da base de seu governo votarem para manter os direitos políticos de Dilma Rousseff, mesmo após sua condenação. O presidente afirmou que o resultado não foi uma derrota do seu governo, mas que os senadores tomaram uma posição sem o consultar.

“Se é governo, tem que ser governo. Quando não concorda com uma posição do governo, vem para cá e converse conosco, para nós termos uma ação conjunta. O que não dá é para aliados nossos se manifestarem lá no plenário sem ter uma combinação conosco” cobrou Temer, dizendo que aliados não devem tomar medidas que desvalorizem a postura de seu governo.

Na televisão, Michel Temer anunciou que em sua gestão colocará “o país nos trilhos” por meio de medidas econômicas. O rápido discurso de cinco minutos mencionou a proposta de criar um teto para gastos públicos e reforma previdenciária. Em tom que pregava a “união nacional”, o presidente defendeu a modernização de leis trabalhistas e o diálogo com “todos os setores da sociedade”.

“Presente e futuro nos desafiam. Não podemos olhar para frente, com os olhos do passado”, concluiu Temer.

Três presidentes em um dia

Após a reunião ministerial, Michel Temer embarcou para a China conforme planejava para representar o Brasil na cúpula do G-20. Em seu lugar, assumiu o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM) como presidente interino. Esta foi a primeira vez que o Brasil teve três presidentes em apenas um dia.