As falhas na gestão da carreira de profissionais de alta competição são a causa de Tarantini. O jogador concluiu que muitos chegam à falência em pouco tempo. O projeto vai ser apresentado publicamente no final do mês.

A problemática da gestão das carreiras de alta competição é um tema pouco abordado em Portugal. Ricardo Vaz, vulgo Tarantini no mundo do futebol, quer promover o debate, com a apresentação do projeto “A Minha Causa” no final do mês.

O capitão do Rio Ave procura “despertar consciências, alertar e alterar mentalidades de uma geração de desportistas”.

Em entrevista ao JPN, o jogador de Baião conta que se baseou na história de André Leonardo, contada no livro “Faz Acontecer”. Tarantini não deu uma volta ao mundo de mochila às costas, mas recordou “toda uma experiência de vida”. Ao olhar para as principais divisões portuguesas, estima que “mais de 90% dos jogadores profissionais vai ter de continuar a trabalhar após o futebol”. No estrangeiro a realidade não é muito diferente. Todos consideram um problema, embora “pouco ou nada se faça”.

Com a ajuda de parceiros, o médio quer “chegar ao máximo de desportistas possível”, para “mostrar quão grande é este problema”. Para tal, propõe-se a agir em três frentes: promover palestras com agentes do futebol; realizar entrevistas e pequenos documentários inspiradores; desenvolver estudos em Portugal sobre esta matéria.

Do sonho de uma carreira à realidade da vida

Conciliar uma formação académica com o futebol profissional “nunca foi uma tarefa fácil”. Contudo, “nada é impossível”, admite Tarantini. Basta recuar a 2014, ano em que concluiu o Mestrado em Ciências do Desporto na Universidade da Beira Interior (UBI). Ao mesmo tempo, ajudou o clube vila-condense a chegar a três finais nacionais (Taça da Liga, Taça de Portugal e Supertaça) e às competições europeias.

Naquele que considera ter sido o “melhor ano do Rio Ave”, o médio teve de fazer algumas cedências. Mas nunca abandonou a formação académica, no sentido de precaver surpresas desagradáveis. Tarantini realça que a academia “não é sinónimo de trabalho, é muito mais do que um diploma. Dá uma experiência de vida, um método de estudo, uma maneira diferente de encarar a vida”.

O capitão rioavista acredita que “construir uma vida [à volta do futebol] faz parte do sonho”, desde que com “uma retaguarda bem assegurada”. Afinal, nem todos vão lá conseguir chegar, devido a “milhares de coisas que podem acontecer”. Por outro lado, os jogadores de futebol normalmente “acabam a carreira quando a maioria das pessoas estão a começar”. Estão, portanto, “no sentido contrário da sociedade.”

“Toda a gente vai atrás do dinheiro”

Tarantini vinca que “foi atrás dos seus objetivos”, algo que “nem sempre acontece no futebol português”. Porém, “o sonho do futebol, ainda que idílico para muitos, fica muitas vezes aquém do que se pensa ou deseja”, lembra. Há, inclusive, “casos de jogadores que chegam ao topo, ganham bom dinheiro, são ídolos dos adeptos mas muitos deles acabam falidos”. Há vários motivos, como divórcios, encargos familiares, ausência de pensamento pós-futebol ou más opções de vida.

Mas o “caso mais flagrante” é a inexistência de planeamento financeiro. O médio natural de Baião afirma que “toda a gente vai atrás do dinheiro”. Mas o jogador não é o único culpado: “os próprios agentes, os treinadores, os pais e os clubes também são responsáveis por aquilo que acontece”. Até porque “no futebol há dinheiro, mas não há educação”, ao invés de outras modalidades.

Tarantini recorda os dramas vividos por António Veloso, Fernando Mendes e Jorge Cadete, que foram reportados há dois anos no programa da SIC “Fora de Jogo”. E não se esquece de Fábio Paim, ex-colega de equipa na equipa rioavista: “aos 17 anos era considerado uma promessa mundial”, mas não passou de um talento perdido.

Carreiras duais serão uma certeza, mas não no futebol

Apesar do percurso traçado, Tarantini não acha que a escolha de uma carreira universitária seja obrigatória. “Nem toda a gente tem de ir para uma universidade para assegurar uma bela carreira. Há vários caminhos que as pessoas podem tomar para construir uma vida. A formação académica é apenas um caminho possível”, argumenta.

Moldar uma vida à volta do futebol “exige condições específicas”. É aqui, na questão das carreiras duais, que as universidades desempenham um “papel fundamental”. O jogador do Rio Ave pede “pontos de equilíbrio” entre os clubes e as academias. Até porque “o número de candidatos aumentaria” se as universidades dessem “condições aos desportistas para conciliar carreiras”.

O caminho será sempre complicado, pois “falamos em políticas de educação”. Mas Tarantini não duvida que “as carreiras duais em Portugal sejam um ponto assente no futuro”, ainda que apenas noutras modalidades. É que, ao contrário do modelo nacional, na realidade desportiva norte-americana “a base de recrutamento é universitária” e o estatuto de profissionais depende do rendimento escolar.

Artigo revisto por Filipa Silva