O Freedom Theatre é um grupo de teatro que escuta, cria e resiste. Foi fundado no campo de refugiados de Jenin, na Palestina, em 2006, um território no norte da Cisjordânia, fortemente afetado pela ocupação israelita.

O campo é isolado do resto da Palestina, o teatro é uma forma de libertação.  Além de coletivo, o Freedom Theatre é também a primeira escola profissional de teatro da Palestina.

Resitência Cultural

A missão do Freedom é a emancipação de jovens palestinianos através do autoconhecimento. Nabeel Al-Raee, o diretor artístico, explicou ao JPN que “só é possível lutar se conhecermos a nossa história”. “Ser ator ajuda-nos a questionar a realidade e libertarmo-nos da bolha em que vivemos”, reflete. O Freedom Theatre vê no teatro uma forma de resistência cultural à ocupação israelita.

Em 2012, Nabeel foi preso durante duas semanas pela polícia israelita para interrogatório acerca do assassinato de Juliano Mer-Khamis. O diretor artístico conta que as perguntas sobre o assassinato foram escassas e que o interrogatório girou quase sempre à volta do Freedom Theatre e das relações dos membros do grupo. “Israel não gosta de nenhum tipo de movimento cultural. Sempre foi assim, mas agora tentam parar-nos silenciosamente. Antes tinham orgulho nisso. Por exemplo, quando assassinaram o Kanafani”, acusa Nabeel.

Um dos mais recentes trabalhos do Freedom Theatre, que vai ser apresentado no Teatro do Bolhão esta quinta-feira, intitula-se precisamente de “Kanafani”. Baseia-se na vida e obra de Ghassan Kanafani, que foi morto aos 36 anos pela Mossad israelita.

Micaela Miranda, atriz e encenadora portuguesa, diretora da escola de teatro do Freedom, conta que “a peça é importante na Palestina, porque os jovens precisam de conhecer este autor. Mais de 12 romances estão metidos na peça de forma bastante criativa. É um desafio ao público – conheces este romance? se não conheces tens que ir ler.”

Regresso a Portugal

A distância geográfica entre Portugal e a Palestina é grande, mas o Freedom Theatre propõem-se a encolher a distância emocional. O grupo palestiniano já passou por Lisboa e pela Maia. Depois do Porto, vai passar por Gaia (20), Santa Maria da Feira (20 e 21) e Tondela (24 e 25). Nabeel diz que a digressão “é uma tentativa, uma experiência. Até agora o público tem-se conectado muito emocionalmente a ver o ‘Regresso à Palestina’. Se não compreendem alguma coisa fazem perguntas.”

A vontade de saber mais foi o que levou a portuguesa Micaela Miranda a mudar-se para a Palestina. “Em 2008, li um artigo sobre o Freedom Theatre. No mesmo dia, convidaram-me para substituir uma atriz, em Israel, numa sátira sobre o exército chamada Guns n’ Noses.” Aproveitou a viagem e deu um workshop no Freedom Theatre. O diretor pediu-lhe para ficar porque queria abrir uma escola de teatro profissional. “Adorei a ideia e com o tempo fui percebendo que naquele sítio podia aprender muito mais sobre teatro e sobre política.” Hoje é casada com Nabeel.

“As pessoas não compreendem claramente o que lá se passa”, explica Nabeel, “quando se diz guerra, pensamos em dois lados a lutar. Não é isso, é uma ocupação. Não é fácil sair de lá.” O grupo teve que transpor quatro fronteiras para chegar a Portugal: a da Autoridade Palestiniana, a de Israel e da Jordânia. A estas, acrescenta-se a portuguesa. “Se existe algum problema nas fronteiras, não podemos viajar. É uma realidade muito diferente da que vocês vivem aqui na Europa.”

Playback Theatre: Contar histórias reais e manter o diálogo aberto

A peça “Regresso à Palestina”, apresentada no Teatro do Bolhão esta sexta, sábado e domingo, vem precisamente explicar como é a vida na palestina. “A nossa filosofia é trabalharmos nas histórias pessoais dentro de cada comunidade”, diz Micaela, encenadora da peça. Assim, esta foi criada com base em histórias reais contadas por habitantes de várias comunidades palestinianas.

As histórias são recolhidas ao longo da Freedom Ride. Uma digressão que já existe desde 2012 e que passa por várias áreas. Porquê uma digressão? “As comunidades vivem em diferentes realidades. Portanto, começamos a sentir a necessidade de contar as histórias viajando de uma comunidade para a outra.”

“Vamos às comunidades e dizemos: ‘nós somos atores, não preparamos uma peça, mas vimos aqui ouvir as vossas histórias’, depois improvisámos na altura”, explica Micaela, “é uma forma de teatro interativo, o Playback Theatre”. Foi com base nestas histórias que se criou o “Regresso à Palestina”, que promete desmistificar a vida na Palestina.

O diálogo e o mundo

No programa do Teatro do Bolhão, pode ler-se que a seguir a cada apresentação do “Regresso à Palestina”, há uma conversa com o público. Nabeel diz que é porque “o diálogo é muito importante. Algumas pessoas dizem que estamos sob ocupação há 50 anos. Não, estamos sob ocupação há 68 anos e é importante que o resto do mundo perceba o que isto significa.”

“O sionismo fala de uma terra sem gente para uma gente sem terra. Se a terra não tem  gente, quem sou eu? Quem sou eu, então?”, pergunta Nabeel. A portuguesa Micaela defende que tem que haver uma melhor escuta da pesquisa que todos os dias se faz. “As pessoas que fazem as políticas estão lá nos gabinetes deles e as pessoas que tão no campo é que veem a realidade.”

Nabeel e Micaela vão estar sexta-feira presentes num debate com a eurodeputada Marisa Matias, no âmbito da mostra “Portugal Palestina: Arte pela liberdade”. Conta com o realizador Frederico Beja, o coordenador europeu da campanha BDS – Boicote/Desinvestimento/Sanções, Frank Barat e Ivan Gonçalves, vice-presidente do grupo parlamentar de Amizade Portugal-Palestina.

Futuro

A quase meio século da Guerra dos Seis Dias, Nabeel vê o episódio como “uma pequena parte da ocupação que começou em 1948”.  Explica que apesar do território palestiniano ter apenas 6220 quilómetros quadrados, 20% da área original, tem esperança no futuro. “Temos que continuar a lutar através da cultura e da arte. É importante criar consciência política.”

O Freedom Theatre vai seguir com o trabalho. Para o ano vão fazer uma digressão nos Estados Unidos. “É importante falar com os Estados Unidos porque são uma superpotência mundial”. Os atores que atuam esta semana no Teatro do Bolhão, acabam o curso para o ano, mas chegam novos alunos e o trabalho continua.

Artigo editado por Filipa Silva