A viagem iniciou-se na linha vermelha, na Gare do Oriente. O metro está lento, mas nem por isso há desistências. A maior cimeira de tecnologia e empreendedorismo da Europa repousa, por alguns anos, em Lisboa. Numa era em que o empreendedorismo é a moda da juventude, poucos são os que quiseram ficar de fora.

É às portas da Feira Internacional de Lisboa (FIL) que o espetáculo começa. Nas filas, investidores e startups dão início a conversas e debates que estavam programados para dentro das quatro paredes.

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A alcatifa azul denuncia a chegada. Os voluntários são o nosso primeiro contacto, mas as conversas não ficam paralelas. Cruzam-se entre pequenos e grandes stands de apresentação. Por aqui, passeiam investidores, startups que dão os primeiros passos, veteranos de diversas áreas e curiosos.

É nos três principais pavilhões da FIL que circulam as ideias e os encontros com grandes empreendedores. Por cada canto, uma nova conversa, um novo pitch e novos negócios. Apertaram-se mãos, prometeram-se contactos para breve, trocaram-se números e emails. Todos fazem parte do ecossistema Web Summit.

É cara a cara que se fecham os acordos. Mas também é frente a frente que nos encontrámos com o grande palco da Web Summit. Num Meo Arena onde os lugares vazios se contam pelas mãos, o piso é de todos: políticos, empresários, jornalistas, músicos, ícones da moda, jogadores de futebol, entre tantos outros. A moldura é sempre a mesma: uma pilha de cubos coloridos iluminados, dois grandes ecrãs e uns sofás, para as boas conversas. Aqui, discutem-se os temas mais marcantes da atualidade. O enfoque vai para o futuro.

Onde está o futuro?

Como matéria incerta e imprevisível, o futuro tem sempre muito que se lhe diga. As opiniões variam, mas há algo que gera consenso entre todos os grandes oradores da Web Summit: o futuro começou hoje.

Diminuir distâncias é o mote de três das startups que marcaram presença no evento: a Wafer, a Hyperloop e a Kubo.

Spela faz parte da equipa que, todos os dias, trabalha para o crescimento da aplicação Wafer. Com meses de vida, a ideia é, para Stela, muito mais do que uma startup. “É uma ‘star up’. Permite-nos marcar a diferença no que já conhecemos das redes sociais”. A Wafer é uma rede social que não exige o download da aplicação para podermos entrar em contacto com os nossos amigos e conhecidos. A ideia nasceu na mente dos dois fundadores, Simona e Rob, quando pesavam as limitações das redes sociais.

Basta um número de telemóvel e a aplicação gera um sistema de “espelho” no dispositivo da pessoa com quem queremos falar e que não adquiriu a app. “Permite-nos ter tudo numa só aplicação e evita a preocupação de saber através de que rede podemos falar com alguém, caso desconheçamos qual é a rede que essa pessoa utiliza”, acrescentou Stela. Durante meses, a startup preparou-se para estar em exposição na Web Summit. Para a equipa, o investimento, feito para que fosse possível cá estar, valeu a pena.

Mas as distâncias não se medem apenas pelos cliques. Se a revolução dos transportes parece coisa de século XXII, a verdade é que está mais perto do que pensamos. O projeto chama-se Hyperloop One e funciona como um sistema de transporte alternativo que alia a rapidez à segurança.

Josh Giegel, co-fundador e presidente do quadro de engenharia, diz que a ideia é que “daqui a uns anos, os nossos filhos não precisem de conduzir. É na condução que cometemos alguns dos piores erros humanos, que acabam por ser mortais”. Através do sistema Hyperloop, uma viagem de Melbourne a Sidney, na Austrália, que demoraria cinco horas e quinze minutos de avião, demora apenas 41 minutos. E se o projeto parece coisa futurista demais para os nossos tempos, Josh relembra-nos que já está em vias de ser implementado pelo mundo.

Kubo Robot

Kubo Robot Foto: Catarina Reis

As ideias espalham-se e crescem pelos vários palcos da Web Summit. Durante os últimos dois dias do evento, duzentas startups competiram por um prémio final, que lhes daria o título de “melhor startup Web Summit 2016”. Foram três as startups que chegaram à final, no cenário principal do Meo Arena: a Kubo Robot, a SoilTron e a PapayaPods.

A startup dinamarquesa Kubo Robot foi a premiada e vai receber 100 mil euros de investimento da sociedade de capital de risco pública Portugal Ventures. O projeto explora novas formas de ensinar tecnologia às crianças, através de um sistema robótico.

O que ninguém vê

Sam de Bigo nasceu em Portugal e está a estagiar na empresa de catering que serve o evento. O arroz de pato foi servido na sala de imprensa. Jornalistas e outros profissionais da área da comunicação recolheram os seus pratos e provaram o caminho de muitos cozinheiros que tornaram este almoço possível.

A azáfama da cozinha é real, mas a ementa já está preparada desde o primeiro contacto que a organização da Web Summit fez com a equipa de catering. Os pratos preparam-se com antecedência. No dia anterior, a cozinha onde Sam trabalha não tem horas de descanso. Garantir que a comida vai estar pronta em quantidade e qualidade exige muitas mãos na massa.

O terceiro dia de Web Summit marca o seu aniversário. Sam deixou uma carreira na astronomia, área em que se licenciou, para se dedicar às “american cookies”. Deu um salto até aos Estados Unidos da América, onde descobriu o seu gosto e talento pela cozinha, num simples prato de bolachas. Fez de novo as malas e aterrou em território nacional, onde decidiu inscrever-se num curso de culinária.

Aqui, é avaliado todos os dias. Esta é uma estreia num evento desta dimensão, mas confessa que prefere o trabalho na restauração. “Aqui a nossa comida só tem o feedback da organização e não de todos os jornalistas e funcionários que a experimentam. E sabe bem para nós termos uma ideia da qualidade do nosso trabalho”, acrescentou. A porta que separa o local onde se confeciona e o lugar onde se consome é demasiado espessa para um contacto que este estagiário aprecia.

A refeição é preparada ao pormenor e o empratamento é tão importante quanto a confeção. Os aventais pretos que passeiam pela “Media Village” compõem as mesas e recebem os agradecimentos. Mas todos fazem questão de os levar para o lado de lá, onde a equipa de catering sorri de alívio.

No capítulo da restauração, e do conjunto de números que resumem o evento destaque para os 97 mil pastéis de nata consumidos durante o evento.

dsc_0280No “Centre Stage” do Meo Arena, todos os oradores têm companhia. São mais uns rostos dos muitos que fazem os bastidores da Web Summit. Seguram as câmaras, recebem as ordens da produção e, em cima deste palco, filmam com a vista mais privilegiada. Paddy Cosgrave, CEO da cimeira, fez questão que o público os aplaudisse. A melhor lente é a deles, em cima daquelas solas gastas durante horas a fio, em pé.

A eles, juntam-se voluntários, agentes de segurança e muitos outros funcionários para quem a ribalta, assim como Sam, chega com um simples gesto de gratidão.

Aqui também se fala português

A palavra “inovação” veio acompanhada dos mais de 160 países diferentes que, com ou sem espaço físico, se foram dando a conhecer ao longo da cimeira. Na capital, a língua portuguesa também se fez ouvir.

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Luís de Matos Foto: Catarina Reis

Chama-se wiiGo, é um projeto da startup Follow Inspiration, uma companhia de tecnologia inovadora, e nasceu de uma comum ida ao supermercado. A ideia é simples: e se, em vez de irmos ao encontro de um carrinho de compras, fizéssemos com que ele viesse até nós?

Para Luís de Matos, engenheiro informático, que se move numa cadeira de rodas, o problema e a solução estão mais perto da realidade do que nunca. Quando percebeu que a sua autonomia estava em risco, num desafio lançado pela própria namorada, deu uso aos seus conhecimentos informáticos para criar um robot que o ajudasse na simples tarefa de ir à rua e fazer compras. Luís desenvolveu esta criação numa tese de mestrado, na Universidade da Beira Interior, onde estudou. Com uma pequena invenção, resolveu os seus problemas e os de tantos outros.

A empresa Delta dá a cara pelo projeto. Não na versão de carrinho de supermercado, mas na de um pequeno robot que serve cafés aos mais de 50 mil participantes da Web Summit. wiiGo deteta o usuário e segue-o cautelosamente. O robot já sofreu várias alterações ao longo dos anos.

Foi também do papel de uma tese que nasceu a PeekMed. João Pedro Ribeiro é o rosto da startup que funciona como um software 3D de planeamento para cirurgia ortopédica.

Descontentes com o rumo que as suas vidas tinham tomado, os elementos que compõem a equipa PeekMed decidem abandonar os empregos e partir à aventura. O sistema permite perceber o problema do paciente e qual o material a utilizar para o solucionar. Com origem em Braga, já foi testado nos gabinetes de mais de 300 médicos e tem como intuito simplificar o trabalho dos profissionais. A PeekMed foi uma das 66 startups portuguesas que ganharam o concurso “Road 2 Web Summit”, adquirindo um lugar no evento.

As conversas, por aqui, fazem-se em português. Mas, neste espaço, em particular, acontecem com um sotaque portuense. A ScaleUp está sediada no Porto e promove o desenvolvimento local. Através da criação de um ecossistema de inovação, onde ideias e startups se podem unir entre si, a evolução acontece na FIL.

A psicologia da Inovação

Paddy Cosgrave pediu uma receção especial para o próximo orador. Ao quarto dia, o nome já é familiar.

Numa época onde a evolução é a refeição diária do mundo, poucos são aqueles que param para refletir sobre os efeitos diretos desta revolução. A tecnologia limita a nossa criatividade? Joseph Gordon Levitt, ator e a cara do projeto HitRECord, diz que sim.

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Joseph Gordon Levitt Foto: Catarina Reis

HitRECord é, no entanto, uma forma de combater essa tendência. Através de um site colaborativo, onde os usuários publicam conteúdos multimédia originais, é possível beneficiar dos recursos digitais para explorar o nosso lado democraticamente ativo.

Joseph considera que a nossa ação dentro da internet deve ser mais colaborativa e menos narcisista. É, aliás, sobre a ideia de comunidade que cria a sua empresa. Para o ator de renome internacional, o futuro está no trabalho em comunidade.

Robô "Sophia" (ao centro)

Robô “Sophia” (ao centro) Foto: Catarina Reis

Entretanto, os desafios vão colocando-se ao serviço do sistema colaborativo num período de mutações de grande calibre. A Inteligência Artificial foi uma das áreas que mais pisou palcos na Web Summit. A equipa do evento foi esmiuçar as perspetivas dos grandes investidores, e concluiu que 53% considera que é inevitável que a inteligência artificial vá destruir milhões de empregos. 93% desses investidores diz ainda que os governos não estão preparados para essa mudança.

Os desafios colocam-se e é a discussão que faz o sucesso da conferência que nasceu em Dublin, na Irlanda. Na capital portuguesa, contabilizaram-se 53,056 participantes de 166 países, de 7 a 10 de novembro.

Guardaram-se cartões de visita, estenderam-se novamente as mãos. A maior cimeira de tecnologia e empreendedorismo da Europa – pelo evento passaram perto de 1.500 startups – fecha agora as portas. Fica a promessa de Paddy Cosgrave de voltar em 2017 e 2018.

Artigo editado por Filipa Silva