O Grande Hotel de Paris tem morada na Rua da Fábrica e ocupa os números 27 e 29. Conta quase 140 anos de história e é o hotel mais antigo da cidade do Porto. Otávio Félix, historiador e redator, relatou no livro “Grande Hotel de Paris – Uma História No Porto” alguns dos episódios que marcaram este hotel centenário.

O avanço dos tempos passou como uma brisa às portas do hotel. Mudaram indumentárias e comportamentos sociais. Apareceu o automóvel. As velas apagaram-se e a energia elétrica veio a todo o gás.

Sala de exposições do Grande Hotel de Paris.

Sala de exposições do Grande Hotel de Paris.

O Grande Hotel de Paris é um hotel-museu inspirado no estilo da Belle Époque parisiense. O ambiente de requinte do século XIX manteve-se (quase) inalterado e firme face às mudanças sociais e tecnológicas. Os pormenores acrescentados desde 1877 – ano de inauguração, que coincide com o ano de abertura da Ponte Dona Maria Pia – procuraram não lhe alterar a identidade. Pelo contrário, e tal como David Ferreira contou em entrevista ao JPN, este é um hotel “onde as pessoas se sentem em casa”.

Empregados do Grande Hotel de Paris (1930).

Empregados do Grande Hotel de Paris (1930).

Para além das mudanças exteriores, o Grande Hotel de Paris também sofreu, no interior, adaptações. O antigo espaço ocupado pelo bar é agora ocupado pela receção. O piano já não se faz ouvir no hotel e a numeração dos quartos também já não é a mesma. Se antigamente as famílias abastadas deixavam os filhos ao cuidado dos empregados do hotel, hoje é diferente.

O Grande Hotel de Paris oferecia as melhores ementas e os “tripeiros” sabiam-no. Tanto sabiam que, a certa altura, o Hotel passou a ser apelidado de “Casa Transmontana do Porto”. Foram quatro as equipas de administração, mas foi a segunda que levou a qualidade do restaurante de influências galegas às bocas dos portuenses e turistas. Prova disso, é que ainda existem “pessoas com cerca de 60 e 70 anos que vêm perguntar pelo restaurante”, confessou David Ferreira em entrevista ao JPN.

Rafael Bordalo Pinheiro foi o primeiro hóspede ilustre do hotel. Não se fez acompanhar do Zé Povinho, mas desenhava-o de cor. Em 1885, Eça de Queirós e Guerra Junqueiro subiam, pela primeira vez, a escadaria do Grande Hotel de Paris.

Eça de Queirós chegou ao Hotel três meses antes do seu casamento com Emília de Castro. O autor, que viria a ser cônsul em Paris, segurava numa mão a revisão de provas d’Os Maias e na outra bilhetinhos apaixonados da sua futura noiva: Querido José, quando se cansar da paisagem bucólica do seu quarto, venha para a sala do fogão.”, aconselhava Emília, que se encontrava hospedada no palacete de Santo de Ovídio, num dos manuscritos enviados a Eça.

A troca de correspondência foi longa e, com o aproximar do casamento, cada vez mais saudosa. Dia 25 de novembro, o bilhete de aniversário de Emília não veio a tempo de acordar Eça, que celebrava 40 anos, mas isso não importou: Minha adorada Emília, o encantador bilhete não me veio acordar – mas veio-me fazer achar o dia mais bonito e a situação de fazer anos deliciosa. Merci de tout coeur, ma douce chérie et pour les parabéns – et pour let reste. Teu fiel José.

Camilo Castelo Branco também por lá passou. Estava doente e procurava frequentemente a assistência do médico e amigo Ricardo Jorge. Conhecia bem Guerra Junqueiro, mas não se falavam até ao momento em que Junqueiro decidiu visitar o amigo no quarto para se reconciliarem.

O quarto no qual Camilo ficava alojado era o 17, atual 110, quarto mais requisitado do Hotel . Embora a atual administração do Hotel não saiba o que o diferenciava dos outros, o 110 era o ponto final da reunião bienal de um grupo de senhores que costumava reunir-se no Grande Hotel de Paris. O quarto era reservado para dias de festa.

Manuel Ribeiro foi o empregado que mais anos trabalhou no Grande Hotel de Paris. Conviveu com David Ferreira, atual administrador, poucos anos, mas ainda lhe contou algumas das peripécias que melhor preenchiam as suas memórias. Destaca-se aquela que lhe contou: dizia que costumava atirar rebuçados da janela do 110 sem muito bem se saber porquê.

Paulo Vallada, presidente da Câmara Municipal do Porto entre 1983 e 1985, também ficou hospedado no 110. Ou por admiração a Camilo Castelo Branco ou por simples coincidência, subiu e desceu a escadaria de tapeçaria vermelha diariamente nos seus últimos 20 anos de vida.

Atualmente, são poucas as figuras emblemáticas que por lá passam. E se passam, vão por trabalho e não por lazer. O Grande Hotel de Paris vai continuar a ser o ponto de encontro de e para grandes histórias. Não receia mudanças. Não receia a passagem das estações do ano, porque não há uma melhor que a outra. Não receia o tempo.

As histórias do Grande Hotel de Paris são como manuscritos iguais aos de Eça. Podem perdurar para sempre na memória de quem as ler com carinho.

Artigo editado por Filipa Silva