Sabiam que era antigo, mas não sabiam que era o mais antigo. Os números 27 e 29 da Rua da Fábrica pertencem, desde 27 de novembro de 1877, ao Grande Hotel de Paris. Já lá vão quase 140 anos e são cada vez mais os turistas que nele largam as malas e que têm o privilégio de “sentir o ranger do soalho”. “Já não se sente isso [em mais nenhum hotel]”, diz orgulhoso David Ferreira, atual administrador do Hotel.

A escadaria de tapeçaria vermelha, que encaminha o turista para a receção, denuncia as influências tipicamente francesas e, anos mais tarde, galegas. Em vez de tripas, serviam-se acepipes; em vez de Pudim Abade de Priscos, servia-se Pudim Francês; em vez de Pão-de-ló,  servia-se Bolo Savarin.

Quando o restaurante do Grande Hotel de Paris funcionava, eram muitos os portuenses que lá iam almoçar ao domingo. “Os antigos proprietários eram galegos e tinham um restaurante a funcionar muito conceituado”, relata David Ferreira ao JPN. Embora tenha encerrado em 1982, ainda “há pessoas com cerca de 60 e 70 anos que vêm perguntar pelo restaurante”.

São as saudades partilhadas por aqueles que ainda procuram pelo restaurante já encerrado que denunciam memórias de felizes (des)encontros no Grande Hotel de Paris. Felizes encontros, como o de Camilo Castelo Branco com Guerra Junqueiro, no dia em que se reconciliaram depois de períodos de desentendimento, e felizes desencontros, como aqueles propositadamente engendrados por Eça de Queirós e a sua noiva, Emília de Castro.

A passagem de tantos escritores pelo hotel pode ser justificado pelo facto de um “um dos sócios do hotel [ter sido] sócio da [Livraria] Lello”, onde receberiam a recomendação para ali se hospedarem. O facto não é, porém, certo nem consta da recolha histórica de Otávio Félix – “Grande Hotel de Paris- Uma História do Porto”. David Ferreira trabalha no hotel há 17 anos, privou com o empregado mais antigo do hotel, Manuel Ribeiro, e também nunca ouviu falar de tal associação.

Fica em suspenso a razão pela qual Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro e Eça de Queirós estabeleceram laços tão profundos e duradouros com o Hotel mais antigo da cidade do Porto.

David Ferreira tem consciência da massificação do turismo nos dias que correm, mas sublinha que este “não é um hotel de cadeia internacional cujos procedimentos são iguais em todo o mundo”. É um hotel “independente, onde as pessoas se sentem em casa”, assegura, convicto de que a adaptação do hotel aos dias de hoje se manteve sempre fiel “ao traço original” sem nunca perder a essência.

“Dão mais importância à internet do que à água quente”

Desde 1877 que o Grande Hotel de Paris acompanhou grandes transformações. “Os corredores, as áreas sociais, a sala de pequenos almoços [e] esta sala [de exposições]” são áreas que ainda se mantêm fiéis à arquitetura da altura. Mas quanto aos quartos, a história é outra.

“Os quartos antigamente não tinham casa de banho. A casa de banho era partilhada”, conta David Ferreira ao JPN. Na atualidade, já não é assim por força das “exigências do hóspede e mesmo da legislação”. “Cada quarto passou a ter uma casa de banho”, remata.

Mudam-se os tempos. Mudam-se as vontades. E se uma casa de banho partilhada no hotel poderia causar estranheza, que dizer da falta de internet: “Dão mais importância à internet do que à agua quente”, comenta David Ferreira.

As mudanças nas estruturas e sistemas do hotel também tentaram acompanhar o traço original. “[Há quem] solicite para mudar a porta do elevador, mas nós não queremos, porque é uma porta que tem 50 a 60 anos”, menciona David Ferreira orgulhoso pelo facto do “elevador ainda [ser] uma grade”.

Agora, “a maioria [dos turistas] sabe que vem para a unidade hoteleira mais antiga, porque a estratégia de marketing passa por informar e dizer às pessoas que é o hotel mais antigo do Porto nas redes sociais e sites de promoção do hotel”, nota David Ferreira ao JPN.

Depois de Otávio Félix ter feito um levantamento histórico do hotel, o rumo foi outro. Gravaram em letras douradas: “O hotel mais antigo do Porto vivendo histórias desde 1877” (em português e inglês) nas duas portas principais e passaram a fazer questão de chamar a atenção dos hóspedes para essa novidade.

“A maioria dos turistas está habituada a hotéis mais modernos”, constata David Ferreira. “Preferem, se calhar, à noite estar num quarto um bocadinho mais frio e barulhento, mas estão aqui, num hotel histórico”, acrescenta.

O Grande Hotel de Paris tem na lista de trunfos a localização. A Rua da Fábrica desagua na Avenida dos Aliados que, por sua vez, é vizinha da Estação de São Bento. Da estação ao hotel, são cinco minutos a pé.

Ao estabelecimento já não chegam tão frequentemente figuras ilustres como antigamente: “De vez em quando aparecem alguns artistas da televisão em trabalho. Querem fazer alguma cena de algum filme. De férias não”, informa David Ferreira ao JPN. Chegam turistas à procura de autenticidade e memórias.

Com uma taxa de ocupação de 85% por ano, o Hotel Grande de Paris continua a ser um dos hóteis preferidos da cidade. São 42 quartos e os preços oscilam entre os 60 e os 150 euros por noite, variando consoante a época do ano.

O Grande Hotel de Paris é um espaço requintado de barbas brancas. Tem experiência sem ser velho. Tem charme sem ser vaidoso. O Hotel da Rua da Fábrica não guarda só quase 140 anos de história, guarda também 140 anos de memórias que se vão juntar àquelas que ainda estão para vir e que ainda não sentiram “o ranger do soalho”.

Artigo editado por Filipa Silva