O Sindicato dos Polícias Civis (Sindipol) do estado de Espírito Santo, no Brasil, registou 146 homicídios durante a greve organizada pela Polícia Militar daquele estado. De acordo com os dados cedidos por este sindicato ao JPN – apurados entre o dia de início da greve, a 4 de fevereiro e a manhã do dia 13 – o número mostra que em 10 dias foram registados mais 42 homicídios do que no mês inteiro de dezembro de 2016.

Fim da greve à vista

A situação tem vindo a normalizar-se desde domingo. Mais de 1.200 efetivos da Polícia Militar (PM) decidiram sair às ruas durante o fim de semana, com a ajuda de helicópteros das Forças Armadas. Logo após este episódio, registou-se uma queda no número de homicídios, com o regresso de 12% da Polícia Militar. Esta terça-feira, mais 700 militares se juntaram à polícia civil, nas ruas do estado. O Secretário de Segurança de Espírito Santo, André Garcia, declarou numa conferência de imprensa transmitida pela página oficial do Governo de Espírito Santo, que número atual “se aproxima muito do normal dos dias anteriores ao início desta situação”.

Dez mil pessoas marcharam pela paz no estado de Espírito Santo, no domingo

Dez mil pessoas marcharam pela paz no estado de Espírito Santo, no domingo Foto cedida por Davide Gravato

Já desde sexta-feira, de acordo com o porta-voz da Sindipol, que “há autocarros nas ruas. As escolas, os postos de saúde e o comércio já estão a abrir e a regressar à normalidade”, indicou por telefone. Durante este fim de semana, a prefeitura de Vitória, aliada a outras entidades, organizou uma marcha pela Paz no estado de Espírito Santo. O evento decorreu na praia de Camburi e contou com a presença de cerca de 10 mil pessoas.

Ainda assim, as mulheres dos militares que travam os portões do quartel da PM desde o dia 4 de fevereiro dizem que o movimento mantém-se “firme e forte”.

Em casa há oito dias

Apesar do regresso da PM às ruas, a violência ainda se manifesta na periferia do estado e continua a preocupar a população residente.

Vários cidadãos de Vitória ficaram retidos nas suas casas durante a última semana. A realidade do exterior ficou apenas à distância de um ecrã de televisão e a saída à rua para a compra de mantimentos parecia uma jogada arriscada para os habitantes.

Davide Gravato, 27 anos, é português residente no estado de Espírito Santo, em Vitória, onde decorrem os maiores episódios de violência desta greve. Saiu de casa pela primeira vez na sexta-feira, desde que a PM saiu das ruas. “Eu continuo fechado em casa, mas acho que já está na hora de sair”, confessa ao JPN.

Nada o faria adivinhar o que estava para vir. “Em apenas 24 horas, as pessoas começaram a matar, a assaltar lojas e a fazer arrastões. Na rua aqui ao lado, morreram dois jovens. Tudo indica que durante um assalto”, conta.

Davide sublinha o trabalho da Polícia Civil, que tem contribuído para a grande regularização do caos. “A minha zona foi das primeiras a normalizar”.

Não preparado para o que viria a acontecer, diz ter tido sorte, pois “tinha comida para algum tempo”. Quem tentou sair para comprar mantimentos, pouco encontrou nas prateleiras do supermercado. Outros nem chegaram a regressar a casa. O Sindipol fala de “mortes bem violentas”.

Governo irredutível

Os efetivos da Polícia Militar procuram um acordo com o governo estadual, que vise melhores condições salariais. No entanto, o estado tem-se mostrado irredutível na negociação, tendo já esclarecido que só faria acordos depois de finalizada a greve. O Secretário de Segurança do estado diz, no entanto, que “o governo nunca fechou as portas a conversações”.

Os militares reclamam um reajuste salarial. O governo de Espírito Santo respondeu publicamente, dizendo que o estado atribuiu um aumento salarial de cerca de 38%, entre 2010 e 2016. A presidente do Clube dos Oficiais da Polícia Militar de Espírito Santo, Rogério Fernandes Lima, valida a informação, mas relembra que o desfasamento salarial continua na ordem dos 43%.

A porta-voz das representantes do 6º Batalhão da PM acrescenta que a falta de apoio não advém apenas do Governo, mas também da sociedade. “As pessoas passam à frente dos batalhões e gozam connosco. É triste saber que não nos estão a apoiar. Mas ponham-se no lugar dos soldados: eles precisam revezar coletes à prova de balas, que muitas vezes estão com prazo de validade vencido. É dessa forma que a Polícia Militar tem que proteger a sociedade”, explica ao jornal brasileiro “Folha Vitória”.

A semana que abalou o estado

No dia 4 de fevereiro, a Polícia Militar de Espírito Santo decretou greve no estado, exigindo melhores condições salariais. Na impossibilidade dos militares se manifestarem nas ruas, os familiares juntaram-se em frente aos portões do quartel, impedindo a saída da polícia.

Os dias seguintes foram marcados por uma vaga de assaltos e homicídios nas ruas da capital, Vitória, e de outros municípios. O comércio, as escolas, os postos de saúde e algumas empresas foram obrigados a fechar portas, como medida de segurança. A maioria dos residentes do estado permaneceram em casa por mais de uma semana, alguns sem mantimentos suficientes.

Na sexta-feira, o Instituto de Medicina Legal apontava para cerca de 110 homicídios no espaço de uma semana. Entretanto, o Sindipol alargou o número para 146.

Este fim de semana, a situação começou a ficar regularizada, quando mais de um milhar de polícias militares decidiram sair às ruas, juntando-se a mais de 3.100 polícias civis. Os militares acertaram, assim, terminar a paralisação.

Entretanto, o Diário Oficial do Estado divulgou uma lista com 703 nomes de operacionais que vão ser investigados e submetidos ao Inquérito Policial Militar. Segundo André Garcia, o processo pode levar a demissões, que devem ser publicadas num espaço de 30 dias. Em caso de condenação, os militares arriscam uma pena entre 8 a 20 anos de prisão.

O estado de Espírito Santo era, em 2009, o segundo estado mais violento do país. Os números que espelham a criminalidade têm diminuído, tornando-o, em 2014, o quinto estado neste ranking.

O JPN tentou contactar a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (SESPD) para confirmar os números avançados pelo Sindipol, mas sem sucesso até ao momento.

Artigo editado por Filipa Silva