Foi há mais de 20 anos que o primeiro “Trainspotting” chegou ao cinema. A história do grupo de amigos de Edimburgo que vive entre a heroína e crimes menores tornou-se numa espécie de eco de uma geração. O segundo filme estreia esta quinta-feira em Portugal, com a promessa de recuperar os mesmos personagens, duas décadas depois do original. Mas será boa ideia revisitar um clássico?

Para Rodrigo Freitas, talvez não. “Nunca voltes ao sítio onde foste feliz” é o título da crítica que o baterista e letrista dos Taxi escolheu para falar das expectativas que tinha em relação ao novo filme. Os temas de “Trainspotting” não lhe são estranhos. O sucesso dos Taxi na década de 80 não fez com que Rodrigo escapasse da “epidemia da droga” que marcou a época. À porta da antestreia, à qual o JPN assistiu na companhia do músico, Rodrigo Freitas falou dos vícios, da forma como eles mudaram, e do filme que levou milhares a identificarem-se com um grupo de marginais de Edimburgo.

Entrar “pela sanita a dentro”

Rodrigo só estava livre de drogas há dois anos quando o primeiro “Trainspotting” estreou em Portugal. Teve medo de ver o filme. Mas acabou por ir, e por se identificar com as alucinações e reviravoltas da história de Renton e dos amigos. “Eu tive um amigo que era o Spud, tive um amigo que era o Sick Boy, tive cada um deles a surgir na minha vida”, confessa.

Para Rodrigo, o filme é realista, e às vezes consegue ser demais. Fala da já mítica cena da pior casa de banho da Escócia, em que o protagonista mergulha numa sanita nojenta à procura de uns comprimidos. “Metia um bocado de impressão, não é? Não é que eu nunca tenha entrado figurativamente pela sanita a dentro… Entrei, nessa época entrei muitas vezes.”

“Trainspotting 2” parte da ideia de que Renton fugiu para Amsterdão e se conseguiu manter sóbrio. Mas o final do primeiro filme, em que ele foge com o dinheiro dos amigos e promete “escolher a vida”, estava aberto a várias interpretações. Na altura, Rodrigo não acreditou na palavra do protagonista: “Todos nós temos aquele sonho. Se me acontecer isto, eu vou-me libertar de tudo. Se me sair o Euromilhões, eu vou ser feliz… E no caso dele era o dinheiro.”

A liberdade que “dava para tudo”

“Trainspotting”, e o livro que o inspirou, retratam a Edimburgo dos anos 80 e 90. Em Portugal, Rodrigo diz que a situação não era muito diferente.

“De repente, deixou de haver haxe, e muitas das pessoas iam comprar e descobriam a heroína. Experimentavam e – pronto. Aquilo é muito bom”, ri, para depois advertir: “por isso é que é melhor não experimentar.”

Rodrigo fala de uma época de revoluções e descobertas a todos os níveis. Em Portugal, veio a liberdade, e ela “dava para tudo”. Usou-se bem e mal, diz, numa altura em que “não havia informação”, não se falava acerca do HIV, e os pais não sabiam identificar as situações de abuso de substâncias até ser tarde demais. Ao nível pessoal, via o que os músicos que admirava faziam no estrangeiro, e isso também acabou por contribuir. “Queria imitá-los.”

Um vício muito mais disperso

Todas as epidemias têm o seu prazo de validade. O consumo de heroína entrou em comprovada decadência nas últimas décadas, mas Rodrigo fala de um novo tipo de vício, muito mais disperso. Há viciados em “redes sociais, em internet, em dor, em compras, em pessoas”.

Ainda hoje faz voluntariado na área da toxicodependência. Quando vai a escolas, não gosta de falar aos miúdos mais novos porque eles “vão olhar para a curte. Se eu lhes disser: andei a usar, mas consegui ultrapassar… Foi muito mau, mas agora tenho uma vida… Eles vão olhar para o ‘usou mas tem uma vida’”. Rodrigo acha que este fascínio pelas drogas pode ser uma das razões mais problemáticas pelas quais o público se continua a sentir atraído por “Trainspotting”. Mas também admite que “se calhar, no filme, as pessoas têm a possibilidade de se identificarem com as personagens, de alguma forma. Usarem, sem estar a consumir drogas. Agora, poderá trazer uma mensagem positiva, poderá trazer uma mensagem negativa… É ao critério de cada um”.

“Ou parava ou morria”

Rodrigo não subscreve a ideia de que tem de se “lutar” contra o vício. O equilíbrio está em render-se às circunstâncias e admitir que nunca se vai ser mais forte do que a droga. É um pouco como o gaulês Obélix, da banda desenhada, que caiu num caldeirão de poção em criança. Ele “já consumiu poção a mais, já absorveu aquilo tudo. A mim aconteceu-me o mesmo. Eu também caí no caldeirão das drogas e do álcool. Por isso, não tenho direito a mais”.

“Ou parava ou morria”, conclui. E por isso não acha que faça sentido ver os ex-toxicodependentes como heróis, mas sim como pessoas que tiveram de se render às circunstâncias.

“Não há tanto rancor”

À saída de “Trainspotting 2”, Rodrigo Freitas é sucinto. Gostou do filme e acha que conseguiu ser atual, sem confiar demasiado na nostalgia. Só acha que foi mais romanceado do que o primeiro. Porquê? “Não há tanto rancor. Compreende-se, entende-se melhor a época em que as coisas se passaram”. E perdoa-se.

Artigo editado por Filipa Silva