Na segunda edição das Conversas da Livraria Lello, a classificação do Porto como Cidade Literária foi o tema mais discutido. Com moderação de David Pontes, jornalista e subdiretor no “Jornal de Notícias”, e participação de Isabel Pires de Lima, Natan Loceff, Celeste Afonso, Vineet Lal e Lois Wolffe, a ideia foi partilhar experiências e lançar o debate sobre uma possível candidatura do Porto à rede de Cidades Criativas da UNESCO.

Isabel Pires de Lima, ex-ministra da Cultura e professora de literatura, vê como possível a classificação do Porto como Cidade Literária: “A cidade tem todas as condições para tal”, defendeu. Mas, se realmente a candidatura avançar, defende a docente, o gesto deve ser “pensado e com os pés bem assentes no chão”. A iniciativa tem de resultar de um trabalho conjunto entre a cultura e a política, na visão de Isabel Pires de Lima, uma vez que no momento de apresentar o projeto e a candidatura, tem de se ter em conta não só tudo o que “já há” mas também “tudo o que ainda deve ser desenvolvido”.

Portugal tem já dois representantes na rede de Cidades Criativas: Idanha-a-Nova na categoria de Música e a vila de Óbidos na de Literatura.

Celeste Afonso, vereadora da Cultura da câmara de Óbidos, partilhou a experiência da vila, não só depois de Óbidos passar a integrar a rede internacional, como também todo o processo desde que se começou a pensar nessa possibilidade.

Óbidos não era vista como uma cidade de livros. Aliás, como relembrou Celeste Afonso, nos livros escolares a vila de Óbidos era descrita como “a vila onde todos os anos há uma feira de chocolate”. Para que a literatura passasse a fazer parte da identidade da vila foi necessário, como explicou a vereadora, não só transformar uma igreja numa livraria, como tinha sido inicialmente pensado, mas também abrir 11 livrarias.

É com esta analogia que explica que o Porto tem de passar por um processo semelhante antes de se candidatar: “É importante pensar na identidade que temos e naquela que queremos ter e transmitir”. Apesar de considerar que a cidade Invicta já é uma cidade da literatura, relembra que, para que essa distinção lhe seja atribuída, é necessário que se pense bem em tudo o que ainda pode ser desenvolvido. O que vai de encontro ao que Isabel Pires Lima pensa quando afirma que “há uma narrativa que ainda não está construída”.

A vereadora da Cultura de Óbidos, defende que, apesar da distinção ser só um “selo”, é importante uma vez que, ao pertencerem a uma rede internacional, há muitas experiências que são partilhadas e projetos desenvolvidos nos encontros entre os representantes de todas as cidades-membros.

Os três intervenientes estrangeiros que compuseram o painel tinham uma coisa em comum: todos eles estavam encantados com o Porto.

Natan Loceff representa uma livraria parisiense (Shakespeare & Co) e acaba por encontrar parecenças com a Livraria Lello: uma pequena livraria no centro de uma cidade que acabou por se tornar um ex libris. Natan alerta que quando isso acontece, é necessário que se estabeleçam metas e que se definam limites para que se consiga conciliar a literatura com o turismo.

Lois Wolffe e Vineet Lal vêm de Edimburgo, na Escócia. Há 11 anos que a cidade é considerada pela UNESCO como Cidade Literária. Partilharam todo o processo de candidatura e da experiência que têm vivido por fazer parte da rede de Cidades Criativas. Vineet Lal reforça que, na altura da candidatura, foi necessário recolher muita informação e partilhar ideias para que tudo estivesse bem estruturado. Em Edimburgo, há um culto grande pela literatura e por tudo o que a envolve.

Para ilustrar a importância da literatura na cidade, Lois Wolffe conta que uma das principais estações de comboio da cidade tem o nome de um livro de Sir Walter Scott, um famoso poeta nacional, e que à frente da estação se encontra o maior monumento do mundo em sua homenagem. Destaca ainda que, numa Cidade Literária, a literatura deve enriquecer a estadia dos turistas na cidade e que pode ainda ampliar a época alta.

A literatura na geração dos tablets

Isabel Pires de Lima trouxe a debate a importância que a componente literária patrimonial tem para a identidade da cidade Invicta ou, como lhe chama, para o “Porto Romantista”. Alertou para a crise que a “instituição literatura” está a viver, que abrange escritores, editores, livrarias e leitores. Mas acredita que, se forem usados os instrumentos corretos e se a literatura se continuar a desenvolver no sentido de abranger muito mais do que apenas livros, é possível que se ultrapassem as dificuldades. Até porque “agora se lê muito mais do que se lia há uns anos, lê-se é em formatos diferentes e talvez textos mais breves”, referiu.

O jovem Natan Loceff defende que a literatura não está em crise, mas que há uma grande necessidade de adaptação à realidade envolvente. Por exemplo: é preciso apresentá-la em novos formatos para que se cativem as camadas mais novas.

Celeste Afonso pensa que, no futuro, e para que as livrarias sobrevivem, não podem vender só livros, têm de se adaptar e proporcionar uma experiência a quem as visita.

Isabel Pires de Lima prevê, com desagrado, que os livros vão acabar e serão substituídos por completo pelos outros suportes. Nenhum membro do painel concorda e Vineet diz mesmo que “Os livros nunca vão acabar. Já passaram por muito e nunca morreram. Não vai ser desta.”

A antiga ministra da Cultura diz ainda que “quem não lê literatura não tem noção daquilo que está a perder” e que “as nossas sociedades não fornecem o privilégio de ler a toda a gente”.

O movimento que a Lello criou

A Livraria Lello quer que a literatura faça parte do ADN da cidade do Porto: “queremos que se respire literatura, que em cada rua haja um poema”. Foi por isso que decidiu criar um movimento com o objetivo do Porto integrar a rede de cidades literárias da UNESCO.

Em conversa com o JPN, Pedro Pinto, administrador da Lello, diz que este movimente parte do interesse em lançar a debate o tema “Porto como Cidade Literária” e que toda a discussão e desenvolvimento de novos projetos é muito “mais importante do que propriamente a distinção”. É um movimento de “ideias e de debate” e que pretende que “os livros contagiem todos os cidadãos e turistas no Porto”.

“Não querendo alimentar polémicas”, Pedro Pinto defende que o papel da Livraria Lello é “levar a debate ideias” e que “as ideias são como as cerejas e depois com as cerejas as pessoas fazem com elas aquilo que quiserem. A nós compete-nos pôr as ideias em cima da mesa”, declarou a propósito da demarcação da Câmara Municipal do Porto face à iniciativa.

Artigo editado por Filipa Silva