iTMOi ou In The Mind of Igor promete uma viagem pela obra de Igor Stravinsky, mas o bailado, que está de quinta a sábado no palco do Rivoli, não é acompanhado por música do compositor russo, por escolha de Akram Khan, diretor artístico e coreógrafo.

Akram optou por pedir a três compositores – Nitin Sawhney, Jocelyn Pook, Ben Frost – para criarem a música do bailado com base em três palavras: rutura, morte e sacrifício.

Esta acaba por ser a trilogia temática do bailado e manifesta-se nas várias linguagens que são utilizadas em palco. O criador do bailado esforçou-se para deixar o espectador num lugar desconfortável onde este se depara com o sofrimento do outro e apesar de não usar a música do russo, o bailado lembra ainda assim o universo stravinskyano.

Estátuas, cordas e bolas suspensas: as rupturas de iTMOi

No palco, um homem a contorcer-se enquanto surge do meio de uma cortina de fumo uma mulher branca, altiva e inacessível – imóvel que nem uma estátua. Quatro figuras de braços abertos giram e giram ocupando o palco todo, quando subitamente a música se altera e os rodopios passam a saltos. Um homem amarrado por cordas – ora tensas ora soltas – é levantado e atirado para o chão violentamente. Uma bola suspensa no teto desliza de um lado para o outro do palco escuro, banhado apenas por um feixe de luz dourada, enquanto dois amantes ensaiam uma dança de avanços e recuos que mais parece uma luta.

Os mais desatentos podiam achar que estavam a ver quatro ou cinco peças, mas iTMOi é isso mesmo: uma sucessão de imprevisibilidade após imprevisibilidade.

Na criação do coreógrafo britânico de origem bangladeshiana, Akram Khan, cada movimento vem suceder o anterior para redefinir a trajetória do bailado. Tão depressa vemos movimentos sérios e calculados como vemos saltinhos pouco refletidos que fazem lembrar brincadeiras de criança.

O palco está num segundo inundado por uma luz de um verde gélido, para depressa se tornar num deserto tórrido de fundo vermelho. A música oscila entre clássica para sons metálicos e industriais. É a rutura que Akram quis impor – e conseguiu – no seu mais recente trabalho.

Dançar, dançar, dançar até morrer

iTMOi foi encomendado a Akram para celebrar o centenário da Sagração da Primavera de Stravinsky, controversa no seu tempo. Apesar de ser um trabalho cheio de rompimentos e fraturas, também envolve conceitos unificadores. A morte é um deles e saltou diretamente da obra de Stravinsky para o bailado iTMOi, com a narrativa da mulher que dança até morrer.

A mulher que no início do bailado permanecia imóvel no palco, continua a dançar e vai-se tornando mas debilitada a cada segundo. Os movimentos de agonia sucedem-se e a gélida bailarina quase sucumbe, mas acaba por voltar uma e outra vez. A vida vai-se esvaindo do seu corpo e os seus movimentos vão se tornando quase robóticos.

O sacrifício transcendente a iTMOi

Entre movimentos ora extensos e suaves ora bruscos e quebrados, ressalta o sacrifício, que é transversal a toda a obra. Desde o rugido inicial da peça até ao momento final, cada movimento é sofrido. Além da bailarina que se sacrifica a dançar até à morte, o imaginário do sacrifício é preenchido por Akram Khan com a história bíblica de Abrão e Isaque – o pai que aceita sacrificar o filho para provar a sua fé.

A história não é apenas contada por gestos, mas também pelos cânticos que se fazem ouvir na música de fundo e vão deixando o espectador mais tenso, até fazê-lo sentir-se minúsculo e completamente envolvido nos sacrifícios que acontecem no palco.

O bailado iTMOi já esteve em Lisboa no Teatro Camões, onde estreou dia 23 de fevereiro: a primeira vez que um bailado criado pelo prestigiado coreógrafo Akram Khan foi integralmente interpretado por bailarinos que não os seus. Esta quinta-feira estreou no Rivoli Teatro Municipal do Porto onde vai estar em exibição até sábado.

Artigo editado por Filipa Silva