Estávamos em 1992 quando um grupo de 141 jovens, de 23 países, entraram no navio Lusitânia Expresso com destino a Timor. Este sábado, em Lisboa, a história da iniciativa vai ser lembrada, mas mais do que olhar para os 25 anos da Missão Paz em Timor, o evento pretende olhar para o futuro e pensar nas novas causas para o século XXI.

Para isso, o encontro vai contar com a presença de jovens que vão dar o seu parecer e perspetiva relativamente às causas que os movem. “Hoje, como há 25 anos, é fundamental arregaçar mangas e lutar por um mundo mais justo, mais humano e mais fraterno”, declarou Rui Marques ao JPN.

Rui Marques foi o impulsionador da viagem do navio Lusitânia Expresso.

Rui Marques

O então jornalista da “Fórum Estudante”, agora presidente da Plataforma de Apoio aos Refugiados, acredita que os jovens de hoje são “tão ou mais sensíveis [a estas causas] do que a geração anterior”. A juventude atual ajuda de forma diferente porque os tempos são outros, mas “estão sempre na linha da frente” e são “cidadãos particularmente disponíveis e ativos para lutar por aquilo que é justo, e ainda bem, porque eles são também os portadores da bandeira do futuro”, realçou Rui Marques.

Rui Correia

Mas não é só uma questão de interesse dos jovens. Na opinião de Rui Correia, que embarcou enquanto membro dirigente da ONG Sul Cooperação e Desenvolvimento, na qualidade de representante do universo de organizações não governamentais que apoiaram a missão, “a juventude em especial tem que ter uma participação mais ativa e envolver-se cada vez mais por estas causas”.

Neste sentido, o encontro de sábado pode ser um mote para trazer “à tona” discussões sobre as causas do século XXI e espera-se que a sociedade possa encontrar, com este evento, “as mais diversas formas de promover e despertar consciências, mobilizando os cidadãos para as causas que afetam o mundo de hoje, de modo a acreditarmos num mundo melhor”, acrescentou.

Uma história com 25 anos

A ideia da Missão Paz em Timor surgiu na sequência do massacre ocorrido no cemitério de Santa Cruz em novembro de 1991, em Dili, capital de Timor-Leste. Provocou mais de 200 mortos, maioritariamente jovens estudantes que se manifestavam contra a violação dos direitos humanos por parte das autoridades indonésias que ocupavam então o território, desde 1975. O caso sensibilizou, em especial, os jovens portugueses que se mobilizaram “em torno de uma causa com a qual sentiam grande proximidade etária”, como explicou o impulsionador da missão ao JPN. Um total de 141 jovens de 23 países diferentes moveram-se por esta causa e embarcaram no Lusitânia Expresso rumo a Timor. Esta ideia foi inspirada em iniciativas da Greenpeace que, anteriormente, tinham promovido manifestações pacíficas um pouco por todo o mundo com grande impacto mediático.

“O objetivo da missão foi trazer para a agenda pública e mediática o que se passava em Timor”

O passo seguinte foi, então, mobilizar jovens interessados pela causa. A revista “Fórum Estudante” entrou em contacto com as associações académicas de todo o país e, segundo Rui Marques, “a Federação Académica do Porto foi uma das que esteve mais ativa e mais dinâmica em todo o processo.” As associações académicas portuguesas falaram com os seus contactos internacionais e, portanto, “a mobilização dos estudantes portugueses foi completamente fundamental para poder levar avante a missão com a participação de tantos jovens de diferentes países.”

O objetivo da viagem do Lusitânia Expresso, liderada pela revista “Fórum Estudante”, dirigida na época por Rui Marques, foi “trazer para a agenda pública e mediática o que se passava em Timor, porque no final dos anos 80, início dos anos 90, existia sobre a questão de Timor silêncio em todo o mundo, não era uma questão conhecida”, acrescentou.

A Missão Paz em Timor foi desenhada para poder corresponder ao objetivo de dar conta e mostrar ao mundo o que estava a acontecer em Timor, mobilizando jovens em torno da bandeira da paz, de uma intervenção pacífica e de exigência dos direitos humanos, através do gesto simbólico de colocar uma coroa de flores no local onde tinha existido o massacre.

Os obstáculos da missão

Muitas foram as barreiras antes e durante a viagem. Em primeiro lugar, era preciso encontrar um navio disponível. O Lusitânia Expresso era antigo, estava parado há algum tempo, navegava lentamente mas, ainda assim, foi o escolhido e percorreu mais de 17.000 quilómetros. Mas o maior entrave viria a ser a questão financeira para pagar o aluguer do navio e para pagar a viagem dos estudantes que partiram de Lisboa, reunidos de várias partes do mundo.

No dia 29 de janeiro de 1992, uma hora antes da partida do navio, não havia bilhetes nem dinheiro para eles, questão que acabou por ser resolvida por Aníbal Cavaco Silva, o primeiro-ministro na época, como reporta o documentário da RTP “Lusitânia Expresso”.

Pedro Coelho é jornalista na Grande Reportagem da SIC desde 2009 Foto: Ariana Azevedo

Pedro Coelho Foto: Ariana Azevedo

O Lusitânia Expresso fez-se ao mar. Foi à frente com 15 tripulantes a bordo e a restante comitiva juntou-se em Darwin, na costa norte australiana. Na última etapa, já em Darwin, a 9 de março de 1992, o navio deparou-se com a frota de guerra indonésia que rodeou o Lusitânia Expresso. Pedro Coelho, jornalista da SIC, que em 1992 trabalhava na “Correio da Manhã Rádio”, contou a experiência ao JPN: “De repente, começámos a ver as fragatas dos navios de guerra da Indonésia a fazerem-nos avisos durante a noite, a dizer que tínhamos de recuar porque estávamos em águas territoriais da Indonésia.”

Acrescentou ainda que “o Lusitânia Expresso era um navio comercial, antigo, e do outro lado tinham um navio de guerra com ameaças permanentes, isto durante a noite em alto mar, na altura não havia uma cobertura integral, não havia satélites, tinham um satélite no barco mas que não funcionava, portanto, não havia ninguém que desse pela  presença do Lusitânia ali a não ser a fragata de guerra da Indonésia”.

Rui Correia também relembrou a noite em que as fragatas rodearam o Lusitânia Expresso. O seu instinto foi esconder as fotografias que já tinha conseguido tirar até ao momento. “Antecipando a possibilidade de revista aos passageiros e navio, enterrei os rolos fotográficos nos vasos de flores que enfeitavam o restaurante do Lusitânia.” Mas antes de serem revistados e ao fim de alguns avisos, o comandante do Lusitânia Expresso deu “meia volta” e regressou a Portugal.

A coroa de flores não pôde ter sido deixada no cemitério de Santa Cruz, como idealizaram os organizadores, tendo sido atirada ao mar na zona onde se cruzaram com as fragatas da Indonésia.

Oficialmente, os 141 jovens não conseguiram chegar a terras timorenses, contudo a missão foi cumprida e a situação timorense foi trazida para a opinião pública, já que todo o projeto foi pensado como uma ação de impacto mediático para ser falado internacionalmente.

As autoridades indonésias só deixaram o território timorense em 1999, depois da realização de um referendo que teve o apoio das Nações Unidas. A independência viria a ser uma realidade em 2002, dez anos depois da aventura do Lusitânia Expresso.