Segundo um projeto de investigação da TGEU, Transgender Europe, o Brasil é o país onde mais transexuais e travestis são assassinados no mundo. Das 2.190 mortes registadas de transgéneros e transexuais em todo o planeta, entre 2008 e junho de 2016, 868 mortes ocorreram no Brasil – cerca de 40%. Este número representa também mais de metade das mortes em toda a América Central e do Sul. Dandara dos Santos foi agredida até à morte, em público, por um grupo de homens e as imagens da violência do caso circulam pela internet.

Como é referido no Relatório de Violência Homofóbica no Brasil, publicado em 2016 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, o Brasil “vive, atualmente, um movimento contraditório em relação aos direitos humanos da população de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis ‐ LGBT”. “Se por um lado conquistamos direitos historicamente resguardados e aprofundamos o debate público sobre a existência de outras formas de ser e se relacionar, por outro acompanhamos o continuo quadro de violência e discriminação que a população LGBT vive quotidianamente”, é referido no documento.

A divulgação do vídeo que mostra a transexual Dandara a ser brutalmente agredida criou uma onda de indignação por parte das associações que têm vindo a apoiar a comunidade LGBT e a alertar para estes casos de violência. No início deste mês, o Governador do Ceará, Camilo Santana, partilhou nas redes sociais uma mensagem de apoio aos familiares de Dandara e garantiu punição a quem cometeu o crime, assim como um plano de proteção para minorias.

“Todo e qualquer ato que atente contra a vida tem o meu mais profundo repúdio. Desde o início do nosso governo, não temos medido esforços, juntamente com nossas forças de segurança, para combater a violência no Ceará. Nossa meta é reduzir, cada vez mais, os crimes contra a vida. Diante do repugnante e inaceitável crime do qual foi vítima Dandara dos Santos, em Fortaleza, determinei ao secretário da Segurança total empenho no sentido de identificar e punir cada um dos criminosos. No ensejo, presto minha solidariedade à família e amigos de Dandara”, declarou o responsável político.

O jornal brasileiro “O Povo”, que retirou a editoria de Polícia há mais de 15 anos, decidiu colocar o caso em manchete. A morte de Dandara ganhou, então, destaque em jornais de todo o Brasil e não só – também nos Estados Unidos, Itália e Reino Unido.

Francisca Ferreira de Vasconcelos mostra a fotografia da filha, Dandara. Foto: Mariana Parente / O POVO

Francisca Ferreira de Vasconcelos mostra a fotografia da filha, Dandara. Foto: Mariana Parente / "O Povo"

A investigadora da Universidade do Porto, Liliana Rodrigues, mestre em Psicologia, realizou uma tese onde aborda o tema transgénero, tanto no Brasil como em Portugal. Liliana Rodrigues não se mostra surpreendida com a violência do crime contra Dandara, “principalmente pelo ódio homotransfóbico que se tem vindo a denunciar, não só no contexto brasileiro, mas também em outros países”.

Em declarações ao JPN, a investigadora aponta o ódio homotransfóbico como causa para tantos casos de violência contra transexuais: “a intolerância, o não respeito pela diversidade sexual e de género, o sexismo, o cissexismo, a homofobia e todos estes sistemas de opressão que são vinculados pelas sociedades e legitimados por algumas instituições, como as escolas e o Estado, quando não se reconhece ao nível legislativo estas situações de violência e a continua desigualdade legislativa, também se tornam uma forma de legitimar estas práticas de violência”, considera.

Apesar do Brasil estar no topo do ranking de países onde mais matam transexuais, não é uma realidade exclusiva deste país. Liliana Rodrigues relembra Gisberta, transexual morta em 2006 por um grupo de jovens, no Porto. Foi o único caso registado em Portugal até hoje.

De 2015 para 2016, o número de transexuais assassinados no Brasil diminuiu para quase metade, mas a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos refere no Relatório de Violência Homofóbica que nem sempre a redução numérica é reflexo de uma diminuição da violência, visto que a generalidade dos dados recolhidos nestas situações são relativos a denúncias, que poderão não ser registadas por problemas técnicos, por exemplo.

A investigadora Liliana Rodrigues não acredita que a violência esteja a aumentar, mas sim que tenha ganho visibilidade: “A transexualidade tem saído do armário, tem ocupado espaço físico e simbólico e tem também dado visibilidade às práticas de ódio e de intolerância contra estas pessoas, que só querem viver como querem”.

Artigo editado por Filipa Silva