O ataque ao coração de Londres ocorreu ao início da tarde de quarta-feira. Um carro atropelou deliberadamente várias pessoas na Ponte de Westminster e seguiu em direção ao Parlamento inglês, o local onde o homem que ia dentro de carro esfaqueou um polícia e foi depois abatido. O JPN falou com uma portuguesa que testemunhou o incidente.

As autoridades inglesas confirmaram a existência de cinco mortos, onde se incluem o polícia que estava de guarda no Parlamento e o atacante de nacionalidade britânica — Khalid Masood. Os feridos são 29, entre eles civis, polícias e ainda um homem de nacionalidade portuguesa. Sete estão em estado crítico.

Lúcia Marafona estava do lado direito da ponte, no sentido de quem vai do London Eye para Westminster. Acompanhada por uma amiga, as duas turistas queriam tirar as últimas fotografias com o London Eye no fundo. “Eu disse: ‘vamos tirar aqui uma última com o rio de fundo'”, conta Lúcia.

O incidente aconteceu em hora de ponta. Segundo a jovem de 22 anos, na ponte estavam dezenas de pessoas. “Estava trânsito, os carros não andavam e não se conseguia passar. Muitos estavam a passear, não havia pressas, estava tudo muito calmo”, recorda. “Ninguém previa que aquilo fosse acontecer”.

Ouviu barulho e percebeu que alguma coisa não estava bem. Olhou em volta e ao mesmo tempo que se virava, uma sapatilha all star preta e branca rasou-lhe a cabeça e logo a seguir uma outra. Pensou que era uma brincadeira de alguém que viajava num autocarro de dois andares. No entanto, quando olhou em redor nenhum autocarro tinha tejadilho aberto, logo a hipótese ficou fora de questão.

“Vi um rapaz completamente estendido no chão, via-se mesmo que ele tinha acabado de ser atropelado. Estava inanimado e sem as sapatilhas, as sapatilhas que passaram pela minha cabeça”, explica Lúcia.

Lúcia Marafona, 22 anos, testemunhou o ataque na ponte de Westminster.

Lúcia Marafona, 22 anos, testemunhou o ataque na ponte de Westminster. Foto: Cedida por Lúcia Marafona

Voltou a olhar em redor. “Os autocarros começaram a parar e estavam pessoas ensanguentadas contra a parede da ponte, ouviam-se gritos e estrondos. Há medida que fui ouvindo estrondos, mais pessoas eram atropeladas e eu comecei a correr”. Nesse momento, Lúcia ouve o último embate: o jipe que bate na parede do Parlamento.

Lúcia não viu o veículo a subir o passeio, viu-o apenas no fundo da rua e “o rasto de sangue que ele deixou”. Quando o embate aconteceu já tinha saído da ponte e ia a correr em direção ao Palácio de Buckingham. Enquanto corria, ouviu os tiros e viu a polícia a deslocar-se para o local. Ainda viu o barco da polícia marítima que socorreu a mulher que caiu no rio Tamisa.

“Um barco daqueles que fazem travessia e passeia as pessoas no rio foi o que primeiramente assistiu a senhora e depois logo a seguir, segundos mesmo, chegou a polícia. A primeira polícia a chegar ao local foi a marítima”, narra Lúcia.

Segundo o testemunho da jovem, assim que se aperceberam que o jipe, conduzido por Khalid Masood, tinha subido o passeio, muitas pessoas começaram também a fugir. Na confusão, dirigiam-se para o meio da rua, onde os autocarros se desviavam e os carros subiam os passeios para não atropelarem os civis. Lúcia diz que o pânico causou muito feridos.

“Um olhar curioso, um olhar de medo”

“Eu estava com uma amiga e ia a empurrá-la. Ela estava em estado de choque, parada a olhar em vez de correr e eu empurrei-a, empurrei-a até chegar ao fundo da ponte. Não se consegue passar porque depois as pessoas metem-se à frente, o estado de pânico não ajuda nestas situações”, refere a jovem de Vila do Conde.

Lúcia viu pessoas paradas que não conseguiam fugir nem ajudar. Mas também viu muita gente que fez os primeiros socorros antes da polícia e das ambulâncias chegarem. “Ninguém que estava comigo ficou lesado, mas eu tive medo e fugi. Houve muita gente que esteve na minha situação e teve sangue frio para ir ajudar, estancar o sangue, dizer às pessoas para terem calma, aos que estavam a gritar, a pedir socorro, havia muita gente inanimada”, recorda.

A jovem portuguesa viu ainda quem tirava fotografias e fazia vídeos. “Isso é a parte mais absurda da situação, porque eu acho que se estás em pânico, foges. Senão, vais tentar ajudar”, afirma a jovem portuguesa. “Logo no momento, ninguém se apercebeu do que era. Não tínhamos noção que era um ataque terrorista”.

“Ao mesmo tempo que se vê um olhar curioso, vê-se um olhar de medo, ou de choro ou vê-se sangue, é um terror mesmo instalado em segundos. Quando as pessoas se começaram a aperceber, foi um terror instalado em segundos”, diz a jovem portuguesa.

“Eu estava com medo dos barulhos que ouvia”

Correu quilómetros até à central dos autocarros. Às 16h20 conseguiu seguir viagem até ao aeroporto de Stansted, foi o último autocarro que saiu antes da polícia encerrar a central. Os autocarros saiam cheios, estavam todos atrasados cerca de uma hora e alguns podem nem ter chegado a sair, segundo Lúcia.

“Eles estavam a dizer para as pessoas se acalmarem e foi quando eu cheguei [à central de autocarros] que explicaram que tinha havido um atentado terrorista, porque até lá ninguém sabia. A polícia já estava por todo o lado, já tinha chegado à estação. Viam-se polícias com metralhadoras, carros em todo o lado, ruas cortadas, os autocarros não passavam, o metro fechou completamente”, conta.

“Tu crias aquele medo racista e xenófobo, o que é estranho. Eu não consegui criar esse medo. Quando cheguei a Londres de manhã, a minha amiga começou a vomitar e a única pessoa que me ajudou foi uma muçulmana. Depois à tarde quando estava a ir embora, enquanto as pessoas falavam e olhavam para todos os lados, eu estava com medo dos barulhos que ouvia, mas não propriamente das pessoas”.

Os voos também já estavam atrasados e a polícia tinha montado barreiras na autoestrada. Ninguém passava para Standsted ou para outro aeroporto sem mostrar o que ia fazer e quem ia dentro dos veículos. “A cidade ficou em horror, depois das pessoas perceberem o que tinha acontecido, via-se toda a gente a tentar voltar para casa, a tentar fugir do local e não havia como andar naquela zona”, conta a jovem.

“No aeroporto, a segurança já costuma ser o triplo da portuguesa”, refere Lúcia, acrescentando que normalmente já existem polícias com metralhadoras à entrada. O que cresceu foi o número de polícias na rua, a tentarem identificar movimentações estranhas e as barreiras na estrada. Para além disso, a revisão dentro ao aeroporto foi mais apertada: “Eles abriram cinco em cada dez malas para ter a certeza que não tinha nada lá”, explica.

Foto tirada por Lúcia Marafona, momentos antes do ataque

Ataque terrorista: “Eu pensei que nunca ia acontecer comigo”

As pessoas passavam por dois detetores de metais, sendo que muita gente era encaminhada para o segundo, os portáteis não foram nas mochilas e eram examinados à parte. Segundo Lúcia, quando alguém tentava perguntar o porquê daquela rigidez, “chegavam mesmo a falar torto”, para os civis fazerem o que as autoridades mandavam.

O fluxo de polícia no aeroporto não teve um aumento significativo, segundo a jovem, “em Londres sim, o fluxo de polícias aumentou em segundos”, explica.“Eles são muito rápidos e muito eficientes”.

Lúcia admite que quando decidiu ir a Londres pensou no facto da cidade ser um alvo terrorista, mas considerou “o policiamento bastante forte”, algo que conhecia de outras visitas ao país.

“Eu tinha um pouco de medo, mas claro que uma pessoa arrisca e vive a vida normalmente porque pensa que nunca vai acontecer nada. Eu pensei que não ia acontecer comigo: ‘isso acontece aos outros, por isso eu vou lá, vou ver, tirar fotografias e venho-me embora'”, confessa.

Lúcia Marafona foi uma das muitas pessoas que testemunharam o ataque de Londres de quarta-feira. A jovem guarda imagens fortes, como as do jovem cujas sapatilhas rasaram na sua cabeça. “Foi também graças às sapatilhas dele que eu me safei, porque depois a partir daí os carros começaram a subir o passeio”.

Esta quinta-feira de manhã, as autoridades britânicas realizaram buscas em seis locais e detiveram oito pessoas, segundo a informação divulgada por Mark Rowley, chefe da unidade de combate ao terrorismo.

A primeira-ministra britânica referiu em discurso no Parlamento que o atacante era conhecido pela polícia e pelo MI5 (serviço de segurança britânico) e que “foi inspirado pelo terrorismo internacional”. As autoridades acreditam que o atacante agiu de forma solitária.

Artigo editado por Rita Neves Costa