Muito antes do tema da austeridade se ter infiltrado em “São Jorge”, Marco Martins e Nuno Lopes quiseram fazer um filme sobre o boxe português. Estavam no último combate de Nuno Cruz, o “Guerreiro do Norte”, no antigo centro comercial Gran Plaza (atual La Vie Porto Baixa Shopping Center). Viram um dos maiores boxeurs portugueses aquecer para o final da carreira entre famílias e frequentadores do ginásio. No ginásio Foz Health Club, o ex-atleta fala ao JPN da carreira e do que falta fazer pelo boxe português.

O desporto que “salva” rapazes

O percurso de Nuno Cruz no boxe começou na adolescência. Experimentou vários desportos, mas sempre sentiu que “não era aquilo”. A conselho de alguns rapazes da zona onde morava, decidiu tentar o boxe no Boavista. “Não se pagava para treinar” e “os melhores recebiam um ordenado”. Na primeira aula eram muitos, seis meses depois já só lá estava ele. Foi o início da relação com o desporto que, aos 42 anos, ainda lhe está no sangue.

A alcunha de “Guerreiro do Norte” veio depois, da boca de um comentador que o viu combater. Mas ser guerreiro, “levar um soco na cara e ter de devolver dois” é algo com que Nuno Cruz diz ter nascido. “Pode ser-se guerreiro no desporto que encaixar melhor no perfil da pessoa”, mas no seu caso, nasceu “para ser boxeur”.

Natural da Ribeira do Porto, Nuno diz que o boxe lhe deu formação de vida. Cresceu “à porrada” e “no meio das drogas” mas nunca pegou num cigarro para fumar. Começou a pensar duas vezes antes de bater em alguém e, ainda hoje, diz que vai onde quer que o ex-treinador, Pinto Lopes, o mande.

A ideia do boxe como família, defendida pelo próprio Nuno Lopes depois da pesquisa que fez para “São Jorge”, é uma que Nuno Cruz subscreve totalmente. Há crianças que não ouvem os pais, diz, mas que obedecem aos treinadores. É por isso que se sente tão grato a Marco Martins por ter feito um filme com boxe, e que ainda quer ver a modalidade crescer em Portugal. Espera que o desporto ainda salve muitos “Nunos Cruz pequeninos”.

Da Ribeira do Porto às galas de Don King

De uma carreira profissional de cinco anos e de mais de 15 como amador, são os combates no estrangeiro que Nuno Cruz destaca. Mais importante do que o título do mundo da WTBA (World Transcontinental Boxing Association), conseguido em Portugal, foi o convite para a gala de Don King, promotor de Mike Tyson. Em Paris, viu-se num cenário que “parecia a entrega dos óscares”. Depois de se ver em ruas fechadas e transmissões para canais internacionais, Nuno diz ter chegado a Portugal a sonhar com um promotor. Depois foi a vez de participar no torneio americano Super Six, igualmente transmitido em todo o mundo.

Foi nesses combates que Nuno Cruz se arrependeu de não ter passado a profissional mais cedo. “Porque é que eu não apanhei um avião e fui para os Estados Unidos passar ginásios a pano?”, questionou-se. “Talvez lá tivesse surgido a oportunidade de calçar umas luvas e de ser aproveitado. Portugal está muito mal no boxe”.

Problema em Portugal está “nas pessoas do boxe”

O ex-boxeur traça um retrato negro da modalidade em Portugal, na qual “os treinadores vivem num mundo fechado e não se quer verdade desportiva”. Lamenta a falta de uma seleção olímpica de boxe, e o facto de o IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude) não apoiar a modalidade desde 2010 por “não se entregar relatórios de contas”, responsabiliza.

Nuno Cruz tece duras críticas à Federação Portuguesa de Boxe que, segundo o ex-atleta, “não existe”. “Há um senhor que se acha presidente da federação, mas que não faz eleições nem cumpre os estatutos”, acusa.

Apesar disto, Nuno reconhece que há “grandes atletas” em Portugal. Fábio Costa, Paulo Bernardes, Pedro Matos e Fábio Varela são algumas das promessas que encontra na modalidade. Entre as mulheres, destaca Juliana Rocha e Nancy Moreira.

Diz que sonha com um panorama melhor para o boxe português, mas que “se tem vindo a afastar” por o empenho lhe dar menos alegrias do que tristezas. Por isso, é nas gerações mais jovens do boxe que coloca a esperança de melhorar as coisas. Salienta o papel dos treinadores, que estão a “formar” homens e desportistas. “Temos os atletas”, diz, “falta o resto”.

Magoam-se mais “os jogadores de futebol” do que os pugilistas

Nuno Cruz não vê no boxe um desporto violento. Defende que é mais provável alguém magoar-se no futebol, onde não há proteções e se leva facilmente joelhadas e cotoveladas de adversários. Para o ex-boxeur, o desporto que escolheu é “muito leal” e é fácil as pessoas apaixonarem-se por ele depois de perceberem isso.

“As pessoas gostam, vivem, entram de coração”, justifica. Chegou a dar aulas de boxe em ginásios e realça o entusiasmo das mulheres. Viam as aulas através dos vidros e queriam participar: “Oh Nuno, consegues-nos pôr assim?” Começavam por baixo, com murros no estômago. Até que apareciam no ginásio com um protetor para os dentes a dizer que também queriam “apanhar na cara”.

O boxe tem adeptos, defende, tem fãs. E deixa uma pergunta: “qual é o desporto que mais vende no cinema, mesmo em Portugal?”

Artigo editado por Filipa Silva