Há menos de um ano na presidência do Brasil, Michel Temer (PMDB) enfrenta nesta semana o primeiro obstáculo judicial que pode afastá-lo do cargo e deixar a presidência brasileira vacante pela segunda vez. Nesta terça-feira (4), o Tribunal Superior Eleitoral brasileiro (TSE) julga ações contra a chapa que Temer formou com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para as presidenciais de 2014. A dupla é acusada de exercer abuso de poder político e econômico durante a campanha. Em caso de condenação podem ser convocadas eleições indiretas para eleger um novo presidente.

As ações judiciais foram movidas em 2014 pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do senador Aécio Neves e, à época, candidato à presidência derrotado nas eleições. Atualmente, o partido é um dos aliados de Temer na presidência e foi um dos principais articuladores do processo de impeachment que destituiu Dilma Rousseff em agosto passado.

Entre as acusações contra Temer e Dilma estão a utilização de verba não declarada à Justiça Eleitoral para o pagamento do marqueteiro João Santana, ligado à petista, a compra de apoio de partidos para obter mais tempo de propaganda eleitoral na televisão, e o recebimento de propina da empreiteira Odebrecht, entregues como contrapartida a uma Medida Provisória editada em 2009 pelo Governo Federal.

Somados, os recursos ilegais podem ultrapassar 50 milhões de reais, ou 16 milhões de euros, apontam estimativas feitas pela imprensa brasileira. As informações constam em relatório encaminhado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral e ministro do TSE Herman Benjamin, entregue na segunda-feira passada (27) à Corte. Durante as investigações, pelo menos 50 testemunhas foram ouvidas, parte delas são empresários da Odebrecht envolvidos na Operação Lava Jato.

Na semana passada, o Ministério Público Eleitoral encaminhou um parecer cobrando a cassação dos diplomas, o afastamento de Michel Temer e a inelegibilidade de Dilma por oito anos. As informações foram divulgadas pelo jornal “Folha de São Paulo”.

O julgamento do caso será realizado em apenas quatro sessões, todas agendadas para esta semana. No entanto, é esperado que o processo seja paralisado tanto pela defesa de Temer e Dilma, que podem solicitar recursos, quanto pela própria Corte. Na última sexta-feira (31), os advogados da ex-presidente cobraram mais tempo para analisar o relatório final do caso. Foram concedidas 48 horas, mas o período pode ser estendido para cinco dias, adiando o início do julgamento.

Além disso, os sete ministros da Corte podem solicitar a consulta para se debruçarem sobre o processo, como é o caso do ministro Napoleão Nunes, que já sinalizou a possibilidade de suspender temporariamente o julgamento para rever a ação.

Paralisia pode mudar resultado

A condenação de Michel Temer e Dilma Rousseff pode ficar menos provável a cada novo atraso no julgamento. O motivo seria a aposentadoria dos ministros Henrique Neves e Luciana Lóssio, que deixam os cargos neste mês e em maio, respetivamente. Os dois são o terceiro e quarto voto a serem declarados, segundo a ordem da Corte, e a defesa de Temer considera que ambos votarão pela condenação.

No cenário de paralisia do julgamento, Nunes e Lóssio podem sair do cargo sem votar e serem substituídos por dois ministros indicados por Michel Temer que, provavelmente, pronunciarão votos favoráveis ao presidente.

Defesas negam acusações, mas divergem sobre julgamento

Curiosamente, o atraso no julgamento que pode levar à queda de Michel Temer, presidente que assumiu o cargo após o impeachment de Dilma Rousseff, que a própria considera um “golpe de Estado”, é bem visto pela defesa da ex-presidente. Tanto que, caso o recurso movido pelos advogados da petista sejam aceites na terça-feira, o próprio início do julgamento seria adiado por mais alguns dias.

A divergência entre as duas defesas está no julgamento da ação ser realizada em dupla, e não de forma individual. Os advogados de Temer buscam na Corte que o presidente seja julgado separadamente, visto que ele e Dilma utilizaram contas bancárias individuais durante a campanha. A tese é rechaçada pela defesa da petista, que alega a indivisibilidade da chapa e afirma que Temer beneficiou do resultado das eleições presidenciais.

O que vem depois?

No eventual cenário que o julgamento decorra dentro das quatro sessões agendadas para esta semana e que Michel Temer seja cassado, o cenário ainda é incerto. Legalmente, Michel Temer poderá entrar com um embargo de declaração no próprio TSE, uma medida que questiona a decisão da Corte, e, caso falhe, será imediatamente retirado do cargo.

Nesta situação, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB-RJ) assume a presidência como interino e deverá convocar eleições obrigatórias para eleger um novo chefe do Executivo. A Constituição Brasileira dita que o pleito será indireto, visto que mais da metade do mandato presidencial (2014-2018) foi cumprido. Dessa forma, os 594 membros do Parlamento brasileiro deverão votar em um novo candidato.

Caso Temer seja afastado, mas não perca o direito político de disputar uma eleição, ele mesmo poderá concorrer às eleições.

Outro cenário possível é que Temer leve o caso para o Superior Tribunal Federal (STF), algo já sinalizado pelo próprio presidente e seus advogados. A Corte não estipula um prazo para julgar o recurso, mas pode emitir uma liminar garantindo a permanência de Temer no cargo até decisão final da Corte.

Se isso ocorrer e o Supremo não julgar o recurso a tempo, Michel Temer poderá concluir seu mandato em 2018 como presidente, apesar de cassado pela Justiça Eleitoral.

Paulo Roberto Netto é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-aluno de mobilidade internacional da Universidade do Porto. Atualmente, reside em Belo Horizonte (Brasil).